E ao terceiro dia estalou a polémica: depois de duas jornadas tranquilas, viveu-se em Roland-Garros (que já tinha passado por momentos difíceis nos dias que antecederam o arranque dos quadros principais) o primeiro momento de grande tensão no court, com Kristina Mladenovic a sair claramente prejudicada. O resultado foi um meltdown completo da jogadora da casa, que não aproveitou nem esse, nem os seis set points seguintes e acabou eliminada na primeira ronda — foi mais uma a contribuir para a debandada dos jogadores da casa.
Em pleno Court Philippe-Chatrier, a jogadora francesa fez um amortie que lhe deveria ter dado o primeiro set quando liderava por 5-2, dado que a bola tocou duas vezes no chão, mas nem a árbitra de cadeira, Eva Asderaki, se apercebeu, nem a adversária, a alemã Laura Siegemund, o reconheceu.
Certa de que a bola tinha ressaltado por duas vezes na sua terre batue antes da adversária a conseguir alcançar, Mladenovic ficou desesperada e tentou explicar a situação — mas sem efeito. Teve de retomar o jogo e retomar a luta. Tentativas não lhe faltaram, porque nos jogos que se seguiram dispôs de mais seis set points (!), mas não aproveitou nenhum deles e, tal como já tinha acontecido no US Open (liderou na segunda ronda por 6-2 e 5-0), acabou o dia a desperdiçar uma vantagem confortável. Desta vez, perdeu por 7-5 e 6-3, mais uma baixa significativa, e desapontante, para os gauleses logo na primeira ronda.
“Devia ter ganho aquele ponto e o set. A árbitra foi a única pessoa em todo o estádio que não viu que a bola bateu por duas vezes no chão. Claro que depois ela [Siegemund] começou a jogar melhor e teve mérito, mas foi um momento decisivo. Não sei se foi um ponto de viragem, mas foi muito importante”, protestou a tenista da casa já na conferência de imprensa. No entanto, Mladenovic não se mostrou surpreendida (nem criticou) por não ter recebido o ponto por intermédio da adversária: “Não esperava esse gesto, que se tivesse acontecido teria merecido todo o meu respeito e admiração. Não é da responsabilidade dela admitir que a bola bateu duas vezes na terra, mas sim da árbitra.”
Tal como Mladenovic, também Richard Gasquet se despediu cedo do “seu” Grand Slam. O primeiro campeão do Millennium Estoril Open nunca foi muito regular no Stade de Roland-Garros (só por uma vez atingiu os quartos de final) e não tinha pela frente um adversário fácil — Roberto Bautista Agut, número 10 do mundo que o derrotou por 7-6(5), 6-2 e 6-1 —, mas já não caía na primeira ronda há 10 anos.
Se os franceses estão a assistir a uma debandada, mas ainda têm algumas esperanças (Caroline Garcia é a mais credenciada em prova), o ténis britânico viveu uma verdadeira tragédia: os seis jogadores que foram a jogo em singulares foram travados na eliminatória inaugural. Esta terça-feira, as esperanças resumiam-se a Heather Watson, que até tinha uma primeira ronda “feliz”, mas a britânica não conseguiu passar pela Fiona Ferro (precisamente uma das poucas tenistas da casa que ainda resiste) e perdeu por 7-6(4) e 6-4 em 1h53.
Desgraçosas iam sendo, também, as estreias de Andrey Rublev e Stefanos Tsitsipas, protagonistas da entusiasmante final do ATP 500 de Hamburgo no domingo, mas quer o russo, quer o grego reagiram a tempo e conseguiram resgatar desvantagens de dois sets a zero — foram quase fotocópias — para seguirem em frente.
Numa secção do quadro aberta pela queda precoce do compatriota Daniil Medvedev (que, verdade seja dita, nunca se conseguiu dar bem em Roland-Garros), quase se pode dizer que Rublev só não resolveu a tarefa mais cedo porque não quis: na ressaca do título mais importante da carreira, o moscovita recuperou de 5-2 no primeiro set e 5-1 no segundo, mas perdeu os dois parciais no tie-break e voltou a ver-se à beira do abismo no terceiro, que Sam Querrey liderou por 5-2. Mas nem uma distância de quatro pontos foi suficiente para o norte-americano, longe de ser um especialista em terra batida, conseguir assinar aquela que seria uma das grandes surpresas da primeira ronda — ainda que o encontro tenha começado já com um “sinal de alerta” atendendo ao curto intervalo de tempo entre a final em Hamburgo e a estreia em Paris, bem como todos os protocolos que os tenistas tiveram de cumprir em menos de 48 horas entre as duas cidades.
Com muito drama à mistura, Rublev sobreviveu aos 80 winners apontados por Querrey (que também cometeu 62 erros não forçados) e começou a construir a primeira recuperação de dois sets a zero em toda a carreira, que assinou com os parciais de 6-7(5), 6-7(4), 7-5, 6-4, 6-3. O tempo passado em court não deverá ser motivo de preocupação (foram “só” 3h17 e tem mais de um dia para recuperar), mas não se livrou do susto — e talvez isso o ajude.
Igualmente preocupante foi a primeira ronda de Stefanos Tsitsipas, que a enfrentar uma pequena crise de confiança não esteve longe de sucumbir perante o espanhol Jaume Munar, um dos jogadores que fazem parte dos quadros da Academia de Rafael Nadal. Mas o terceiro set foi um verdadeiro ponto de viragem e o ainda campeão em título do Millennium Estoril Open surgiu como novo, com a concentração recuperada, a motivação no ponto e o ténis pronto a levá-lo adiante. Ao fim de 3h12, venceu por 4-6, 2-6, 6-1, 6-4 e 6-4 para completar “um encontro inédito” na carreira, como o próprio explicou logo a seguir.
“Acho que nunca joguei um encontro como este. No início as emoções e os nervos não estavam lá, mas consegui fazer pequenos ajustes e encontrar uma forma diferente de vencer. Estou muito orgulhoso pelo esforço que fiz, pela dedicação que tive”, revelou depois de carimbar a 23.ª vitória do ano (mais do que ele só Rublev, com 26, e Novak Djokovic, que assinou esta terça-feira a 32.ª).
Ainda no quadro masculino, o dia foi de alegrias para Grigor Dimitrov (que já mais em forma depois de ter passado por grandes dificuldades por causa do coronavírus superou Gregoire Barrere por 6-3, 6-2 e 6-2) e Denis Shapovalov (que superou Gilles Simon por 6-2, 7-5, 5-7 e 6-3), mas de desilusão para João Sousa.
O melhor tenista português de todos os tempos atravessa uma das fases mais difíceis da carreira e, no dia do sétimo aniversário da histórica conquista do ATP 250 de Kuala Lumpur, voltou a alinhar uma exibição desapontante que o levou a perder por 7-5, 6-1 e 6-2 para o eslovaco Andrej Martin (102.º) num encontro sem história e demasiados protestos e desabafos.
Resta-lhe a variante de pares, onde vai alinhar pela primeira vez ao lado do holandês Robin Haase.
No torneio feminino, a primeira ronda concluiu-se com a primeira vitória de uma ex-glória do circuito juvenil — a dinamarquesa Clara Tauson, que recentemente esteve em Portugal a jogar provas do circuito ITF e não se deu nada, nada mal — e o regresso em grande de uma ex-campeã.
Jelena Ostapenko era a única jogadora da história a não ter vitórias nem antes, nem depois da conquista num determinado torneio do Grand Slam (venceu Roland-Garros em 2017) e deixou finalmente esse amargo registo para trás e com muita elegância, ao passar tranquilamente pela norte-americana Madison Brengle (6-2 e 6-1 em 63 minutos) num encontro que correu o mundo, ou a internet, pela forma como a dada altura a jovem letã ameaçou responder ao serviço da adversária: bem dentro do court, mais perto da linha de serviço do que da de fundo; mas não passou de uma “ameaça”, e ainda antes de receber a bola recuou vários passos, para uma posição considerada normal.
De resto, a ex-finalista Sloane Stephens despachou a russa Vitalia Diatchenko por 6-2 e 6-2, a campeã em título do Australian Open, Sofia Kenin, fintou o perigo para derrotar Ludmilla Samsonova por 6-4, 3-6 e 6-3 e Karolina Pliskova suou muito Mayar Sherif, a primeira mulher egípcia a chegar ao quadro principal de um Grand Slam. Muito apoiada pelo compatriota Mohamed Salah (jogador de futebol que defende as cores do Liverpool) nas redes sociais, esteve perto de fazer ainda mais história ao derrotar a número 4 do ranking, mas acabou por perder por 6-7(9), 6-2 e 6-4 num dos duelos mais entusiasmantes do dia.