PARIS, França — Dentro do court, na secretaria e até na guerra. Os três maiores palcos do Stade Roland-Garros, onde se joga o segundo torneio do Grand Slam do calendário, prestam homenagem a três heróis que partilharam a paixão pela modalidade e o sucesso que alcançaram. Estas são as suas histórias.
Philippe Chatrier
Natural de Créteil, nos subúrbios de Paris, a 2 de fevereiro de 1926, Philippe Chatrier foi tenista durante alguns anos — ainda na época amadora — e quando pendurou as raquetes criou a revista Tennis de France, que aproveitou para tecer duras críticas à gestão do ténis de então e a sua visão para o futuro.
Foi o começo de uma vida dedicada à modalidade, na qual começou por influenciar a tomar conta da Fédération Française de Tennis um amigo — Marcel Bernard, campeão de Roland Garros em 1946 — que lhe manteria o assento quente enquanto ganhava influência junto dos dirigentes regionais.
Vice-presidente entre 1968 e 1973, Philippe Chatrier chegou ao cargo mais alto nesse último ano e por lá ficou nos 20 seguintes. Seguiram-se vários braços de ferro, entre os quais o notório frente a frente com jogadores como Bjorn Borg e Jimmy Connors, que nos anos 70 assinaram um contrato com o World Team Tennis — a competição organizada por Billie Jean King que colidia no calendário com o torneio de Roland Garros. Em 1974, chegou mesmo a recusar a participação ao norte-americano, que até tinha arranjado o seu calendário de forma a jogar em Paris, fazendo referência ao contrato assinado com o WTT.
Até que em 1977 foi eleito Presidente da Federação Internacional de Ténis, cargo que ocupou até 1991 e no qual travou a maior batalha da carreira: o regresso do ténis aos Jogos Olímpicos, primeiro como um desporto de exibição, em Los Angeles 1984, e depois, em Seul 1988 e até aos dias de hoje, como um dos desportos que atribui medalhas, estancando um período de 64 anos sem ténis ao nível olímpico.
Dentro das fronteiras francesas, Chatrier destacou-se pela compra de vários campos de rugby instalados nas redondezas, que em 1994 deram lugar ao Court Suzanne-Lenglen, o segundo mais importante do Stade Roland-Garros. E foi também no complexo francês, com parte do espaço que anos antes tinha ganho, que conseguiu construir courts cobertos que permitiram ao país ter um centro de treinos onde os melhores jogadores se podem reunir durante todo o ano, faça chuva ou sol.
Morreu em junho de 2000, vítima de uma longa batalha contra o Alzheimer, e com um legado que fez dele um dos dirigentes mais importantes da história do ténis. Doze meses depois, quando já tinha 73 anos de existência, o “Court Central” foi então rebatizado e passou a ser designado por Court Philippe-Chatrier.
E se o estádio presta homenagem ao dirigente, as quatro bancadas lembram os Quatre Mousquetaires — René Lacoste, Jean Borotra, Jacques Brugnon e Henri Cochet, os quatro obreiros dos primeiros anos de sucesso na Taça Davis: foram eles os grandes responsáveis pela primeira vitória da França na Taça Davis (frente aos Estados Unidos da América, em Filadélfia 1927), que por sua vez colocou em evidência a necessidade de construir um grande recinto para acolher a competição no ano seguinte. E assim nasceu, no espaço de um ano, o Court Philippe-Chatrier. A equipa gaulesa voltaria a fazer a festa em 1928, 1929, 1930, 1931 e 1932 e no ano de 1981 o então Presidente da Fédération Française de Tennis, Philippe Chatrier, ordenou que se redesenhasse o troféu entregue ao campeão de singulares do torneio de Roland Garros, que passou então a ser conhecido como La Coupe des Mousquetaires — A Taça dos Mosqueteiros.
Suzanne Lenglen
É, sem margem para dúvidas, o maior nome da história do ténis feminino francês.
Nascida a 24 de maio de 1899, Suzanne Rachel Flore Lenglen teve vários problemas de saúde que levaram o pai, Charles, a introduzi-la ao ténis na esperança de melhorar. Não só resultou, como descobriu a paixão de uma vida e não tardou a ter sucesso — aos 14 anos jogou a final dos Campeonatos de França e foi também em 1914 que venceu o World Hard Court Championships, um torneio aberto a jogadores de todas as nacionalidades, que apesar do nome era jogado em terra batida e que é considerado por muitos como o percursor de Roland Garros.
Nos anos seguintes, a Primeira Guerra Mundial impediu a organização dos torneios europeus e a ascensão de Suzanne Lenglen ficou em suspensão, mas assim que o ténis voltou a florescer a jovem francesa revelou todo o seu potencial — na primeira aparição em Wimbledon, no ano de 1919, venceu uma final dramática (e lendária) frente a Dorothea Douglass Chambers (que já tinha sete títulos no currículo), por 10-8, 4-6 e 9-7 perante o olhar atento do Rei Jorge V.
E assim se lançou uma carreira de sucesso, que quer na relva, quer na terra foi feita de vitórias. Em torneios do Grand Slam, e numa época em que as viagens aos Estados Unidos da América (onde só jogou por uma vez o US Open) e, sobretudo, à Austrália (nunca participou) não eram feitas pela maioria dos jogadores, Suzanne Lenglen levantou por oito vezes troféus de campeã em singulares (aos seis triunfos em Wimbledon, em 1919, 1920, 1921, 1922, 1923 e 1925, juntou dois em Roland Garros, em 1925 e 1926) e por outras oito em pares (curiosamente, distribuídos de igual forma entre ambos os torneios), tendo ainda saído por duas vezes de Paris e três de Londres como campeã de pares mistos.
Dos 81 títulos de singulares faz ainda parte a medalha de ouro conquistada nos Jogos Olímpicos de Antuérpia, 1920, um ano depois de ter chegado ao primeiro lugar do ranking mundial.
O sucesso fora dos courts igualou o que atingiu dentro deles e à velocidade de um primeiro serviço Suzanne Lenglen tornou-se num ícone e, também, numa inspiração.
A leucemia que lhe foi detetada em junho de 1938 levou-a demasiado cedo — apenas um mês depois, quando tinha apenas 39 anos.
A homenagem da Fédération Française de Tennis verificou-se em 1997, cinco anos depois da inauguração do Court A, que passou então a ser conhecido como Court Suzanne-Lenglen.
Para além do estádio, a ex-tenista dá, também, nome ao troféu que todos os anos é entregue à campeã de singulares femininos — La Coupe Suzanne Lenglen.
Simonne Mathieu
O novo court é o novo oásis do Stade Roland-Garros e presta homenagem à segunda melhor jogadora da história do ténis francês.
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Simonne Passemard, com dois “n” no primeiro nome e não apenas um, foi encorajada pelo irmão a pegar numa raquete e começou a dar nas vistas em 1923, 15 anos depois de nascer. Sagrou-se campeã nacional e entretanto tornou-se na número um do país, sucedendo a uma Suzanne Lenglen em final de carreira.
Falar dela é falar de perseverança e é o seu currículo que o diz: só depois de perder seis (!) finais de singulares de Roland Garros, em 1929, 1932, 1933, 1935, 1936 e 1937, é que conseguiu finalmente ser feliz em casa — e fê-lo a dobrar, ao conquistar os títulos os anos de 1938 e 1939.
Também ela ficou longe das viagens aos restantes torneios Major — não disputo por uma única vez o Australian Open e só participou por duas ocasiões no atual US Open, precisamente nos anos em que ganhou em Paris (ficando-se pelos quartos de final e primeira ronda, respetivamente).
Em pares, o sucesso foi ainda maior: alcançou nada mais, nada menos do que 11 títulos do Grand Slam, dois dos quais lhe permitiram alcançar um mítico “triplo” — foi campeã de singulares, pares femininos e pares mistos em Roland Garros 1938, um feito só conseguido por outras três mulheres (Suzanne Lenglen, em 1925 e 1926, Maureen Connolly, em 1954, e Margaret Court, em 1964). Estas vitórias consolidaram-na como a segunda melhor jogadora da história do país.
Quando o fez já era casada e por isso o que foi inscrito no troféu foi o que agora dá nome ao court: Simonne Mathieu. O marido? René Mathieu, ex-praticante de ténis, badminton e rugby que se tornou jornalista e fez parte dos quadros da Federação Francesa de Ténis, sendo mais tarde condecorado.
E depois chegou a Segunda Guerra Mundial. Simonne-Mathieu tinha acabado de aterrar em Nova Iorque para participar num torneio quando explodiram as primeiras bombas e uma vez regressada reagiu ao apelo feito pelo general Charles de Gaulle a 18 de junho de 1940: convenceu-o a criar o Corpo de Voluntárias Femininas Francesas, que liderou, e marchou nos Champs-Élysées ao lado do general quando a cidade foi libertada. Mais tarde foi reconhecida com a Ordem Nacional da Legião de Honra, a ordem máxima do país.
Já afastada da vida de jogadora, regressou aos courts para arbitrar o “encontro da liberdade” entre Henri Cochet e Yvon Petra, no Stade Roland-Garros, com o seu uniforme das forças armadas vestido. Em sua honra, para além do recém inaugurado court, dá também nome ao troféu entregue às campeãs de pares femininos no Grand Slam francês — a Coupe Simonne-Mathieu.