Especial Roland Garros: A expansão que era um sonho está finalmente a tornar-se realidade

PARIS, FRANÇA — Jeux, set et match, Rafael Nadal. O árbitro de cadeira tinha acabado de anunciar a vitória do tenista espanhol — a 11.ª em 11 finais disputadas — quando as primeiras marteladas começaram a ser dadas. Porque os ponteiros do relógio não param e a operação em causa assumia contornos sem igual, não havia tempo a perder: Roland Garros começava, naquele domingo de final, um processo de remodelações que para além de mais espaço significava a vitória num frente a frente com mais desenvolvimentos do que várias das maiores rivalidades do desporto.

Organizados dentro das fronteiras da cidade de Paris, os Internationaux de France de Tennis — ou Campeonatos Internacionais de França — perderam terreno para os restantes torneios do Grand Slam, que foram mais ágeis — e apoiados — nas respetivas batalhas e conseguiram crescer (praticamente) a seu belo prazer ao longo das últimas décadas.

Decorria o ano de 1988 quando o Australian Open inaugurou o teto amovível da Rod Laver Arena, uma construção avaliada em 60 milhões de dólares que ajudou a Tennis Australia a dar ao torneio um novo ânimo. Aquele que em tempos foi desprezado por muitos jogadores depressa construiu uma imagem atrativa e moderna (nos tempos que correm é, inclusive, apelidado de Happy Slam) e em 2000 deu mais um passo importante, ao inaugurar um segundo court com cobertura (primeiro conhecido como Vodafone Arena, depois Hisense Arena e, desde este ano, Melbourne Arena) numa altura em que nenhum outro torneio do Grand Slam tinha sequer um campo coberto.

Foram precisos mais nove anos para os “companheiros de elite” começarem a encurtar terreno e em 2009 o All England Club inaugurou o tão aguardado teto amovível do mítico Centre Court de Wimbledon. Nesse mesmo ano, os responsáveis de Roland Garros anunciaram os primeiros planos de uma cobertura para o palco principal, o Court Philippe Chatrier, mas inúmeras batalhas legais adiaram a sua concretização — mas já lá vamos, porque nos entretantos até o majestoso Artur Ashe Stadium, o maior estádio de ténis do mundo (tem capacidade para receber 23.771 espetadores), foi complementado com uma cobertura. Depois de vários anos com finais do US Open adiadas, a USTA levou avante a construção de um teto avaliado em 150 milhões de dólares, capaz de abrir ou fechar cerca de oito metros por minuto e deixar ao descoberto uma área semelhante à de 17 piscinas olímpicas. A inauguração aconteceu em 2016 e dois anos depois também o renovado Louis Armstrong Stadium (14.061 espetadores) foi batizado com uma cobertura.

Foi neste contexto que Roland Garros conseguiu, finalmente, dar os primeiros passos de uma expansão necessária para manter o torneio no Stade Roland Garros, o “parque” que o recebe desde 1928 e que chegou a estar em perigo devido à resistência encontrada ao longo de mais de uma década — e que mesmo nos dias de hoje, conseguidas as autorizações necessárias para dar ao recinto mais 2,4 hectares, não está livre de críticas

As batalhas travadas pelos responsáveis gauleses foram longas, dolorosas e recheadas de dúvidas — por vezes, tão dramáticas quanto um encontro decidido num quinto set sem tie-break. Entre aprovações, reprovações e outras tomadas de decisões, os trabalhos que deveriam ter sido concluídos em 2019 só começaram em junho de 2018.

Mais precisamente a 10 de junho de 2018, dia da final de singulares masculinos entre Rafael Nadal e Dominic Thiem. Assim que o encontro terminou, o centro de imprensa — instalado no edifício do Court Philippe Chatrier — foi esvaziado e demolido, tal como 80% da estrutura do maior e mais importante campo de ténis construído em solo francês.

Pode ter parecido uma decisão bruta, mal pensada ou até intolerável, mas não havia mesmo tempo a perder: para o plano em marcha, um ano significava uma verdadeira corrida contra o tempo.

Agora, 12 meses corridos, essa corrida foi ganha.

Tal como em 1928, quando foi construído no espaço de um ano para dar à França o palco de que precisava depois de explodir para o estrelado com uma vitória sobre os Estados Unidos da América na Taça Davis, em Filadélfia 1927, o Court Philippe Chatrier está pronto.

Os alicerces demolidos para dar lugar a uma nova estrutura já lá estão novamente; as bancadas de plástico, verdes e tão características do court central parisiense, deram lugar a cadeiras novas, construídas com madeira das montanhas Vosges, perto da fronteira entre a França e a Alemanha, e com uma cor que acrescenta classe às bancadas; as esquinas de 90 graus são agora curvas, facilitando o acompanhamento da ação; o centro de imprensa apoderou-se das instalações do Museu da FFT, uma aposta temporária (em 2020 voltará à estrutura do court principal) que lhe acrescenta um registo histórico.

Só falta a cobertura — a tão desejada cobertura. A mega-estrutura, que foi a grande responsável pela demolição do estádio, será transparente, terá um peso (cerca de 3.700 toneladas) equivalente a metade da Torre Eiffel e poderá ser posta em ação num período inferior a 15 minutos. 2020 será o seu ano de estreia, 2021 o das primeiras sessões noturnas —  à semelhança do que já acontece nos restantes torneios do Grand Slam. Até lá, será “disfarçada ao máximo”, de forma a que aqueles que visitem Roland Garros este ano tenham uma experiência inesquecível.

E se realocar o torneio para os arredores de Versailles não passa, agora, de um simples devaneio do passado, há nesta nova versão de Roland Garros (que em 2020 vai receber os Jogos Olímpicos de Paris) uma cada vez mais presente herança da cidade verde que o acolhe.

Em 2019, o Stade de Roland Garros passa a contar com toda a área laranja mais à direta, que envolve o novo court.

Parte da maior expansão da história do torneio passou pela construção de uma arena totalmente nova. Denominada Court Simonne-Mathieu em memória de uma das melhores jogadoras da história do ténis francês, tem capacidade para receber 5.000 espetadores e foi construída nas imediações do Jardin des Serres d’Auteuil, o jardim botânico parisiense.

Esta foi uma das medidas mais controversas do crescimento do Grand Slam gaulês, que precisou de travar inúmeras batalhas com os ecologistas e todos os apaixonados da área, que, preocupados com a ameaça que o torneio poderia representar, a defenderam com unhas e dentes. O resultado final acabou por se revelar uma ode ao ténis… e não só — a infraestrutura foi construída dentro da natureza, com os 5.000 assentos a serem rodeados de estufas de crescimento e preservação de cerca de 500 plantas que poderão ser visitadas por todos, mas não durante o torneio. Os exteriores do court foram construídos com enormes painéis de vidro por onde as mais variadíssimas espécies de plantas irão crescer e cujos reflexos convidam os espetadores a inverterem a marca para continuarem a presenciar o espetáculo.

É o “modernizar”, o “going green” de que Bernard Guidicelli, o Presidente da Federação Francesa de Ténis, tanto falou. Este ano, seis meses depois de ter sido assobiado por mais de 25.000 pessoas em plena final da última Taça Davis como a conhecemos, em Lille, por ser visto como um dos principais responsáveis pelas mudanças, o dirigente francês terá razões suficientes para se sentir orgulhoso.

Roland Garros está a crescer à imagem da cidade que o viu nascer, a substituir o betão que tanto o caracterizava por um ambiente mais limpo, e novo show court (que só ficará atrás dos “velhinhos” Philippe Chatrier e Suzanne Lenglen em capacidade) é a prova disso mesmo — de tal forma que já há até quem o classifique como um dos courts de ténis mais bonitos do mundo, uma lista onde sempre figuraram o magnífico Pietrangeli, em Roma, e o nosso “Centralito”, o campo central do Complexo Desportivo do Jamor, em Oeiras.

O novo oásis do Stade Roland Garros — do qual é possível avistar a Torre Eiffel — dá ao recinto uma extensão de quase 1.000 metros, útil para espalhar os milhares de espetadores que visitam o torneio todos os dias, e surge como uma substituição natural do Court No. 1.

Conhecido como bullring, ou praça de touros, aquele que até então era o terceiro maior estádio do complexo vai ser destruído no final desta edição para dar espaço a um novo jardim — ou não se tratasse de Paris — onde os espetadores poderão passar tempo entre encontros e, a partir de 2021, entre sessões noturnas. Até lá, será permitida a entrada a todos os espetadores com um bilhete de recinto que se queiram despedir do emblemático court.

Mas o tempo para o fazerem será curto, porque o enorme e ambicioso plano de renovação avançou a passos largos e há muito a que dar as boas-vindas e conhecer já em 2019, incluindo três novos courts (um deles com capacidade para 2.200 espetadores e, à semelhança do Centralito do Jamor, construído abaixo do nível do solo “para que os espetadores que passeiam pelo recinto possam seguir os encontros de fora”) e muitos espaços que foram reconstruídos para melhorarem o fluxo de passagem de todos os visitantes.

E assim, pouco a pouco, Roland Garros torna o sonho realidade.

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