Os ponteiros do relógio já tinham passado a meia-noite quando foi cantado o último jeux, set et match da segunda jornada de Roland-Garros. 24 horas depois de se ter disputado o primeiro encontro da história com recurso à cobertura do Court Philippe-Chatrier, jogou-se pela noite dentro pela primeira vez nos 129 anos do Grand Slam francês — e a festa foi feita por uma jogadora da casa.
Com apenas 19 anos, a ex-número um mundial de juniores Clara Burel conquistou a primeira vitória da carreira em quadros principais de torneios do Grand Slam ao dar a volta à holandesa Arantxa Rus para vencer por 6-7(7), 7-6(2) e 6-3 ao cabo de 2h59. Já passavam 10 minutos da meia-noite quando a tenista nascida em Rennes respondeu da melhor forma possível ao wild card que lhe foi entregue pela organização e deu uma das poucas alegrias do dia ao povo da casa, que horas antes se despediu de uma das suas maiores esperanças.
Em grande forma até à interrupção forçada do circuito por causa da pandemia (tinha 16 triunfos em 19 encontros), Gael Monfils optou por não fazer a viagem até aos EUA para participar no US Open e ficou na Europa a preparar a retoma — mas não se deu bem. Depois de cair em Roma (para Dominik Koepfer, número 97) e em Hamburgo (contra Yannick Hanfman, 103.º), “La Monf” perdeu pela primeira vez na ronda inaugural de Roland Garros desde o ano de estreia (2005): 6-4, 7-5, 3-6 e 6-3 foram os parciais da maior vitória da carreira de Alexander Bublik, que nunca tinha derrotado um top 10.
Antes, já Corentin Moutet tinha perdido uma maratona que também entrou para a história de Roland-Garros como o segundo encontro mais longo de sempre do torneio, outro resultado que reforçou a convicção de que esta não é mesmo uma edição destinada ao sucesso gaulês (Caroline Garcia, que na véspera somou uma grande vitória contra Anett Kontaveit, pode ser a exceção).
História à parte, o segundo dia de Roland-Garros fez-se de três outras grandes surpresas (Madison Keys, semifinalista de 2019, perdeu por 6-3 e 7-6[2] para Shuai Zhang, o sempre imprevisível — mas perigoso — Fabio Fognini foi travado por Mikail Kukushkin, com os parciais de 7-5, 3-6, 7-6[1] e 6-0 e o cada vez mais promissor Félix Auger-Aliassime deixou-se trair pelos erros não forçados e cedeu por 7-5, 6-3 e 6-3 para Yoshihito Nishioka) e duas saídas desapontantes, mas não totalmente inesperadas. Primeiro, Angelique Kerber (que uma vez mais procurava, em Paris, o Grand Slam de carreira) foi uma sombra de si própria e perdeu por contundentes 6-3 e 6-3 para a eslovena Kaja Juvan, a modesta 103.ª do mundo (que tem mais ténis do que o ranking faz transparecer e promete grandes voos em pouco tempo) que lhe impingiu a quarta derrota na primeira ronda nos últimos cinco anos; depois, mais um estrondo na carreira de Daniil Medvedev.
Apesar de não ter na terra batida a sua superfície predileta, o russo que arrasou tudo e todos na segunda metade de 2019 já provou que até no pó de tijolo consegue brilhar (derrotou Novak Djokovic no Masters 1000 de Monte Carlo desse ano…), mas voltou a ficar aquém. Desta vez, perdeu por 6-4, 7-6(3), 2-6 e 6-1 para um inspirado Marton Fucsovics, que se destacou pela inteligência e conseguiu tirar proveito da variação de jogo e construção para beneficiar das condições, extraordinariamente lentas devido à época do ano e ao mau tempo, para somar, também ele, a melhor vitória da carreira.
De resto, os grandes (verdadeiros?) favoritos venceram, quase todos, sem percalços. Rafael Nadal, que procura um 13.º título em Roland-Garros e, mais importante ainda, igualar o recorde de 20 troféus de Roger Federer em torneios do Grand Slam, superou Egor Gerasimov por 6-4, 6-4 e 6-2.
No regresso à casa emprestada, o rei da terra batida ainda não encantou, mas não preocupou. Ainda a habituar-se às condições (quer meteorológicas, quer às novas bolas — e até ao impacto que as temperaturas e a humidade nelas têm) e a tentar recuperar o ritmo que não conseguiu ganhar em Roma, fez o suficiente para dar um importante primeiro passo, somar a 94.ª vitória em 96 encontros em Roland-Garros e marcar encontro com Mackenzie McDonald, norte-americano que é o 236.º do ranking e estará à sua frente pela primeira vez.
Mais impressionante foi o encontro de estreia de Dominic Thiem. Duas semanas depois de ter adicionado pela primeira vez o nome à galeria de campeões de torneios do Grand Slam, o austríaco regressou ao palco onde disputou as duas primeiras (de já quatro!) finais a este nível com uma exibição autoritária que lhe permitiu desenvencilhar-se de outro campeão em Nova Iorque, o croata Marin Cilic (vencedor em 2014, contra Kei Nishikori), por 6-4, 6-3 e 6-3.
Ao contrário de Nadal, Thiem gosta das condições — afinal, como ele próprio disse, é austríaco — e o primeiro encontro faz antever mais uma boa campanha na cidade da luz, mesmo se o sorteio não lhe sorriu.
Tal como eles, também Serena Williams entrou a ganhar. Depois de hesitar em relação à travessia do Atlântico, a norte-americana decidiu-se por ir a jogo e iniciar, uma vez mais, a perseguição ao tão desejado 24.º título de singulares em torneios do Grand Slam, e esta segunda-feira deixou para trás o primeiro desafio. Nem sempre foi fácil (o primeiro set prolongou-se por mais de uma hora e só ficou resolvido no tie-break), mas depois de se reencontrar com os níveis de confiança que fazem dela uma eterna candidata a ex-número um lá derrotou a compatriota Kristien Ahn (que já tinha derrotado na primeira ronda do US Open) por 7-6(2) e 6-0, em 1h44, 485 dias depois de ter pisado a terre batue pela última vez.
Bem mais difícil foi a tarefa da também ex-campeã Garbine Muguruza, que esteve a perder por 3-0 no último set e só com muito espírito de sacrifício fugiu àquela que seria a maior surpresa de toda a primeira ronda (até ver…). A espanhola nascida na Venezuela era sem dúvida alguma favorita à vitória contra Tamara Zidansek (82.ª) e até tinha deixado muito boas indicações em Roma, mas precisou de várias horas (três) para conseguir desemaranhar-se de um encontro que devia ter sido mais tranquilo. 7-5, 4-6 e 8-6 foram os parciais.
Pelo lado negativo, a finalista de 2019, Marketa Vondrousova (6-1 e 6-2 para Iga Swiatek) foi “despachada” na primeira ronda — vale-lhe a excecional regra deste ano, que lhe permite segurar os pontos conquistados na edição de 2019.
Concluídas que estão as duas primeiras jornadas, resta a de terça-feira para ficarem concluídos todos os encontros da primeira ronda de singulares. E será precisamente esse o dia de estreia de Novak Djokovic, recém campeão em Roma, mas também de João Sousa, que procura contrariar uma série de resultados negativos e reencontrar-se com as vitórias em Roland-Garros pela primeira vez desde 2017. O encontro do número um português com Andrej Martin será o quarto das 10h no Court 4 e, não sendo ainda certa a sua transmissão num dos canais Eurosport, será sempre possível acompanhar através do Player (é necessária subscrição).