Um mês depois, o ténis de alto rendimento voltou: com máscaras, distância e sem tocar nas bolas

Na semana em que se celebra a liberdade, o ténis voltou. Não para todos, mas para os tenistas com estatuto de alto rendimento. Não como dantes, mas com segurança. Esta é a primeira de cinco fases de reação à paralisação causada pela pandemia do novo coronavírus que a Federação Portuguesa de Ténis (FPT) estabeleceu e espera ver evoluir ao longo das próximas semanas e meses, até que o ténis — e a vida — regressem à normalidade.

Na quarta-feira, 22 de abril, os centros de alto rendimento sob gestão da FPT (casos do Complexo de Ténis do Jamor, em Oeiras, e do Complexo Desportivo do Monte Aventino, no Porto) e os clubes com atletas de alto rendimento voltaram a abrir os seus courts para o regresso à atividade de 41 jogadores com estatuto de alto rendimento, a que têm acesso os que cumprem os critérios do regulamento estabelecido pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ).

[toggle title = “Alto Rendimento no Ténis, uma explicação rápida”]
— Atletas posicionados entre os 700 primeiros dos rankings ATP e WTA em singulares (seniores)
— Atletas posicionados entre os 300 primeiros do ranking ITF (juniores)
— Atletas posicionados entre os 400 primeiros dos rankings Tennis Europe sub 14 e sub 16

O acesso ao estatuto de alto rendimento é consumado quando um jogador permanece dentro do “top” exigido por um mínimo de oito semanas. Uma vez atribuído, é válido por 12 meses e renovado caso, dentro desse período, o jogador ou jogadora passe novamente oito semanas no ranking necessário consoante o seu escalão.
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Um deles foi Pedro Sousa, lisboeta de 31 anos que é o número dois nacional e 110 ATP. “Sem dúvidas que foi bom poder voltar aos campos, estar ao ar livre e treinar. Já estava com algumas saudades”, contou ao Raquetc depois dos primeiros treinos no Jamor com a equipa do Centro de Alto Rendimento (CAR) da FPT.

“Treinamos com campos de intervalo, os treinadores têm máscaras, gel desinfetante e só eles é que tocam nas bolas com as mãos. Estamos a habituar-nos a isto o mais possível e a aproveitar que podemos treinar”, acrescentou sobre o regresso ao court depois de cerca de um mês a fazer exercícios de preparação física em casa.

Tal como o jogador do CAR, também o treinador Hugo Anão encontrou novos desafios. “A experiência tem sido realmente diferente. Só treinámos ao ar livre, o que na minha ótica fica mais fácil de gerir e ultrapassar pois não paira no ar a sensação de um espaço fechado. A questão da distância impede-nos de ter algum contacto mais próximo para tentar explicar uma situação, mas é uma questão facilmente ultrapassável que não mexe muito com a gestão do treino. As bolas são a nossa maior preocupação pois requerem alguma concentração quer do treinador, quer do jogador para que ninguém toque nas bolas erradas, ou seja, é importante que após uma troca os atletas tenham o cuidado de nos passarem as bolas em vez de as apanharem.”

“De resto são as preocupações que ultimamente temos no nosso dia a dia, como desinfetar as mãos antes e depois do treino. O ténis tem a vantagem de nos permitir manter a distância social durante todo o tempo, mas é muito importante estarmos atentos a todos os pormenores para não facilitarmos em nenhum momento. Desta forma estaremos a contribuir para que o ténis volte à normalidade o mais rápido possível”, acrescentou.

Todo o cuidado é pouco e por isso ninguém arrisca. “É um desafio para todos e nós, treinadores, temos de lembrar os jogadores para não tocarem nas bolas. Nos primeiros treinos aconteceu três vezes e tivemos de isolar as bolas”, contou Manuel Costa Matos, o Diretor Técnico da Lisbon Tennis Academy (o novo projeto da LX Team e da Rackets Pro), depois de um regresso à terra batida do Jamor.

Satisfeito por “pouco a pouco voltarmos todos a fazer aquilo de que mais gostamos, com a segurança em primeiro lugar”, o treinador contou que “tem sido retomar com muita calma, com treinos curtos, de uma hora, uma hora e um quarto. O objetivo é recuperar as pancadas, manter algum foco na parte técnica e fazer exercícios com pouca movimentação para reativar o corpo, porque apesar de terem feito exercícios de preparação física em casa não é a mesma coisa que estar no campo.”

A visão é semelhante à de Rui Machado, o Coordenador Técnico Nacional, que afirmou que depois de tantas semanas longe do court o que é importante é “fazer um regresso progressivo à atividade”.

“É quase como vir de uma lesão, mas sem a parte do problema físico porque eles estiveram bastante ativos na quarentena.” Por isso, é importante “aproveitar esta fase sem torneios para continuar a melhorar o jogo dos atletas, porque na fase da carreira em que estão agora é esse o grande objetivo, trabalhar a longo prazo e prepará-los para um possível futuro profissional na modalidade”, adicionou o algarvio, que explicou que os jogadores do CAR estão divididos entre os centros de treino do Jamor e Monte Aventino consoante a área de residência de cada um.

E é no Norte do país que está também João Sousa, mas o melhor tenista português ainda não se reencontrou com o treinador. Frederico Marques contou que os dois continuam a trabalhar à distância desde que regressaram a Portugal para passarem a quarentena junto das respetivas famílias. “Falo diariamente com o João e envio-lhe um plano diário de campo e físico. O João tem muito boas condições em casa, em Guimarães, existe um feedback logo após o treino e estamos a trabalhar e a evoluir alguns aspectos que só são possíveis com tempo para trabalhar e não em competição.

Até quando? “Vamos esperar pela entrada em maio, esperar que o estado de emergência passe. Para além do ténis é importante que o João esteja saudável, mas não só ele como a sua família e pessoas do grupo de risco que podem estar perto dele. Estamos a nove semanas de um eventual regresso à competição a nível internacional, mas também poderá ser mais tarde… Há tempo, não devemos ter pressa.”

Com o calendário internacional recheado de pontos de interrogação, o treinador acolheu com elogios a criação de torneios nacionais “especiais” para colmatar a ausência de competição fora de portas: “É uma boa iniciativa, tentar que o ténis esteja e continue vivo e que os jogadores tenham objetivos competitivos. É uma boa preparação para os torneios internacionais e uma boa oportunidade para termos os melhores a competir em Portugal a nível interno, e porque não aproveitar que existem menos conteúdos na televisão em termos desportivos para o ténis ganhar tempo de antena.”

Mas ainda é cedo para sonhar com um eventual regresso de João Sousa a torneios do calendário nacional. “Como sabem, a base de treino do João é Barcelona e vamos esperar para ver a evolução da situação em Espanha e em França. Há a possibilidade de se realizarem torneios a nível interno com vários jogadores do top 50. É bom saber que Portugal está a seguir os passos das grandes potências da modalidade, mas é cedo para falar sobre isso.”

Do Norte são, também, quatro jogadores que falaram com o Raquetc sobre o regresso aos courts no recém-renovado Complexo Desportivo do Monte Aventino, no Porto.

O portuense João Monteiro e o maiato Nuno Borges sofreram lesões complicadas no pé direito e no pulso esquerdo, respetivamente, recuperaram durante as semanas de quarentena e reencontraram-se nos campos de piso rápido da cidade.

“Tem sido bastante bom voltar aos treinos, voltar a fazer exercício ao ar livre, fazer aquilo de que mais gostamos. Tive de parar por causa da lesão e por isso só tive uma ou duas semanas de atraso [no regresso] em relação ao que seria normal, sem o coronavírus. Claro que é estranho não haver aproximação entre jogadores, não tocarmos nas bolas e não podermos usar os balneários, mas são coisas que fazem parte e a que temos de nos adaptar”, sublinhou, João Monteiro.

Nuno Borges já tinha matado as saudades das raquetes “num court que pertence ao condomínio, o que nesta altura calhou muito bem” e também apontou a estranheza de, ao contrário do que é habitual, “não poder aproximar-me de ninguém, de não haver uma cadeira no campo e até a questão da utilização das bolas”.

Mas diz que as medidas a cumprir “não custam assim tanto quando se quer muito jogar” e não tem dúvidas de que “mesmo com todas as limitações e precauções já é muito positivo deixarem-nos usufruir dos courts, já se pode fazer muito e tenho de estar agradecido por isso.”

No Monte Aventino treinaram também Francisca Jorge e Maria Inês Fonte, do CAR da Federação Portuguesa de Ténis, que partilharam a alegria que sentiram ao regressar aos courts.

“Estava com muitas saudades. Foi uma sensação estranha mas muito boa”, disse a tricampeã nacional absoluta Francisca Jorge. “A raquete parecia mais pesada do que o normal e as pernas pareciam não reagir como deviam às bolas, mas apesar de ter estado tanto tempo parada não me senti como se fosse um início de pré-época. Acho que foi porque na verdade nunca parámos de treinar a parte física, só não tínhamos a possibilidade de treinar ténis.”

Os cuidados a ter são muitos e “às vezes até chateiam um bocado”, mas a tenista vimaranense — que entretanto celebrou o 20.º aniversário — sabe que são essenciais. “Há muitas coisas em que antes não pensávamos tanto e que não são naturais, mas nesta fase é necessário e temos de ter a consciência de estar atentos porque todos os detalhes podem fazer a diferença.”

Feliz por voltar a pisar um campo de ténis ficou, também, Maria Inês Fonte. A jogadora da cidade da Maia revelou que “foi uma alegria enorme, pois a ansiedade e as saudades de jogar ténis já eram muitas.”

A viver “um cenário diferente face à atual situação”, a tenista de 18 anos destacou “a consciência e sentido de responsabilidade de todos os envolvidos em cumprir com as normas de segurança numa realidade a que nos estamos a habituar, mas o mais importante é ser possível jogar ténis novamente.”

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