PARIS, França — Concentram-se na cave de um dos maiores courts do Stade Roland-Garros, começam a trabalhar quando o recinto ainda não está totalmente pronto e nunca saem antes dos jogadores. Longe dos olhares do grande público, chegam a ser 18 ao mesmo tempo e a tratar, cada um, de 35 raquetes por dia.
Os encordoadores oficiais de Roland Garros vêm de todas as partes do mundo — só assim se conseguem reunir os melhores — e têm nas mãos uma das tarefas mais delicadas do torneio. Afinal, é por eles que passam os “pincéis” dos protagonistas, mas se os jogadores são artistas dentro do campo também eles merecem ser assim tratados.
Encordoar é uma arte e aqui a arte quer-se rápida, tão rápida quanto possível.
Mas independentemente da velocidade exigida há um processo rigoroso a cumprir e esse processo divide-se em cinco paragens.
A primeira é o balcão de receção, onde os jogadores — ou treinadores, ou preparadores físicos, enfim, quem naquele dia tiver a tarefa de deixar e recolher as raquetes — têm à disposição dois ecrãs onde devem preencher uma ficha. Desde o mais básico, como o nome e o quadro em que o jogador está inscrito, aos detalhes — ao tipo de corda, tensão desejada (que muda consoante as condições atmosféricas), números de nós, arranjos (quer na raquete, quer na pintura das cordas), tipo de grip ou… a forma de pagamento.
Porque o serviço de encordoação é cobrado a todos e quaisquer jogadores que o peçam. Nem Rafael Nadal, vencedor do torneio em 11 ocasiões, que é patrocinado pela Babolat (que tem o acordo de exclusividade com Roland Garros), está isento.
O preço, garantem-nos, é igual para todos: 25€ pela encordoação (durante o qualifying são cobrados 20€ e no torneio júnior os preços variam entre os 15 e os 20€), valor que varia consoante o tipo de serviços desejados — acontece sobretudo antes do torneio, quando os jogadores recebem raquetes diretamente da fábrica que precisam alguns ajustes, por exemplo na distribuição do peso.
“É o mesmo preço e o mesmo nível de serviços para todos os jogadores. Mesmo que sejam patrocinados pela Babolat. Temos de oferecer o mesmo nível de serviços a todos, não podemos privilegiar nenhum”, explicou-nos Sylvain Triquigneaux, o responsável pela equipa e área de encordoação.
Os jogadores podem optar por pagar no momento, pagar tudo quando a participação chega ao fim ou descontar do valor que ganharem. “O nosso sistema está otimizado para funcionar em perfeita sintonia com o da Federação Francesa de Ténis e até preferimos que escolham essa opção, porque torna tudo mais fácil para todos.”
Todas as informações recolhidas num primeiro instante permitem às mais de três dezenas de pessoas que trabalham por baixo do Court 1 levarem a cabo o trabalho sem terem de entrar novamente em contacto com os protagonistas. E foi nesses mesmos ecrãs que tomámos nota do número de raquetes já encordoadas.
No domingo, primeiro dia de ação relativa aos quadros principais, saíram da sala 408 “armas”; na segunda-feira 488 e na terça-feira, último dia da primeira ronda, 441.
O torneio prolonga-se por cerca de 15 dias mas na semana anterior jogam-se os encontros da qualificação e por isso na sala já se trabalha (só nas cinco jornadas de qualifying foram encordadas 1328 raquetes). De uma forma geral, os trabalhos começaram cerca de 10 dias antes do arranque oficial do torneio.
Uma vez introduzidas todas as informações, as raquetes são colocadas num saco de plástico — semelhante aos que são entregues quando se compra uma nas lojas habituais — e deixadas na “zona de espera”. Logo ao lado há uma enorme estante com várias gavetas abertas, onde os jogadores podem deixar os seus rolos de corda a qualquer altura; caso contrário, a organização tem à disposição os mais variados tipos e marcas de corda; apesar de prestarem o serviço de encordoação oficial, e como em qualquer torneio, os encordoadores da Babolat trabalham com todo o tipo de raquetes e cordas, porque é importante não esquecer que há contratos a cumprir.
Chegada a hora de preparar uma raquete, ela segue para a zona de limpeza. De tesouras a alicates, está tudo à mão para resolver os mais variados tipos de problemas — que podem ir de uma simples corda partida que tem de ser removida a restos de terra batida que chegaram à armação. Concluída a limpeza, a zona de personalização é o terceiro passo, um por onde muitas raquetes não passam uma vez que em dias de competição estão normalmente afinadas ao último pormenor.
E depois é hora de encordoar. Com ou menos pressa, horas antes de um encontro ou até durante, ao fundo da sala — e a ocupar a maioria do espaço — estão os 18 encordoadores responsáveis pelas raquetes dos jogadores que um nível acima conquistam aplausos por todo o mundo. Se não se falar deles é porque o trabalho foi bem feito e habitualmente é isso que acontece.
Quando iniciámos esta visita guiada, Gorka Alday tinha em mãos uma raquete que não conseguimos identificar. Minutos depois, convidados a olhar para trás, estava prestes a iniciar o trabalho numa das mais populares. Era nada mais, nada menos do que uma edição especial da raquete que a Babolat desenhou para celebrar as conquistas de Rafael Nadal em Roland Garros — e uma que o espanhol usaria precisamente naquele dia. Em média, os jogadores levam oito raquetes para um encontro, no qual trocam a cada sete jogos, e duas ou três se se tratar de uma sessão de treinos.
Sem surpresas, mas ainda assim de forma impressionante, quando a nossa conversa terminou já a raquete estava pronta.
Uma vez encordoada a raquete de um jogador, os responsáveis tentam que esse encordoador — e a respetiva máquina — mantenha o trabalho ao longo da semana. Mas todos estão aptos a encordoar e trabalhar todo o tipo de raquetes, com todo o tipo de exigências, e em casos de emergência tudo se resolve. “Há quatro ou cinco anos tivemos um jogador que chegou à sala e disse que tinha com ele cinco raquetes e precisava delas em 25 minutos. Nós respondemos-lhe que claro que sim, o podíamos fazer, mas que teríamos de ter cinco encordoadores diferentes a trabalhar ao mesmo tempo caso contrário era impossível. E assim foi. Todos os que estão aqui demoram entre 15 e 20 minutos a concluir uma raquete. Se estiverem com pressa, podem fazê-lo em menos tempo.”
É caso para dizer que a raquete demora mais tempo a chegar à sala, e a ser preparada, do que a encordoar.
E tal como os jogadores, também os encordoadores preparam o dia seguinte. “De acordo com a ordem de jogos eles preparam o próximo dia de trabalho. Assim ficam a saber que amanhã têm de encordoar as raquetes do Rafa, do Djokovic ou do Nishikori. Ele traz sempre oito raquetes para cada jogo e pede híbridas, que requerem mais cuidado, por isso demora mais tempo e o encordoador tem de prever que se vai ter essas raquetes vai estar ocupado durante, por exemplo, três horas. Só assim é que conseguimos respeitar os timings de todos os jogadores.”
A tensão das cordas é um dos tópicos que leva a mais trocas de palavras. A curiosidade é muita, sobretudo motivada pela possibilidade de se conhecerem decisões surpreendentes, e elas chegam: se a tensão média se fixa nos 23.7kg. Rafael Nadal, recordista de títulos em Roland Garros, requer sempre 25kg e utiliza entre 70 e 80 raquetes quando chega até ao final do torneio.
Apesar da tendência ser a escolha de uma tensão cada vez mais baixa, ainda há pedidos entre os 12 e os 36kg. Dustin Brown é um dos que pede a tensão mais elevada, enquanto o italiano Filippo Volandri foi, há um par de anos, responsável por um dos pedidos mais baixos de que há memória na sala e o tenista da casa Adrian Mannarino ainda esta semana pediu encordoamentos com uma tensão de 17kg.
Mas nem todos optam pelos serviços oficiais: Roger Federer é um dos jogadores que viaja sempre com um encordoador pessoal, que trabalha num dos hotéis próximos do recinto e está sempre, sempre à disposição do tenista suíço — trate-se de um torneio nos EUA, na Europa ou na Austrália, em janeiro ou novembro.
Até à final masculina terminar, haverá trabalho na cave do quase-a-ser-demolido-Court 1. Depois, será hora de fazer contas. E o balanço apontará para qualquer coisa como 5.000 raquetes encordoadas.
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