Alex Corretja ao Raquetc: os favoritos, os que os perseguem e as dificuldades de jogar no Australian Open

Alex-Corretja-Eurosport

Alex Corretja foi um dos melhores jogadores da sua geração. O tenista espanhol brilhou nos torneios do Grand Slam, conquistou muitos títulos no circuito ATP (um deles em Portugal) e uma Taça Davis e fez frente a quem poucos se atreveriam. Porque não lhe agradou a ideia de pousar totalmente a raquete, depois de ser jogador foi treinador de um dos melhores jogadores do mundo. Agora, aos 43 anos, é comentador do Eurosport e esteve à conversa com o RAQUETC — um exclusivo em território nacional que foi iniciativa do canal televisivo.

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– Gostávamos de falar um pouco sobre o Australian Open e começar pela pergunta óbvia: Quem é que acha que são os grandes candidatos?

Normalmente, quando se jogam torneios ao longo do ano vêem-se muitos candidatos, como é que estão a jogar e diz-se “ok, o Rafa está a jogar bem, o Djokovic também”, etc, etc. Mas em Melbourne é sempre um bocadinho mais imprevisível.

É claro que penso que o Rafa e o Federer são os grandes favoritos, que são os jogadores a derrotar porque jogaram e terminaram o ano muito bem. E é o início da época, com encontros à melhor de cinco sets, sendo sempre muito difícil derrotá-los…

– Alguma vez pensou que eles seriam capazes de fazer o que fizeram em 2017?

Pensei que eles iam jogar bem outra vez e que provavelmente seriam candidatos a ganhar Majors novamente, claro. Mas se todos os jogadores estivessem melhor fisicamente teriam tido mais rivais e mais competição, talvez até em fases iniciais do quadro como a quarta ronda ou os quartos de final. Isso teria sido interessante porque não teriam tido nada a perder.

Por isso, espero que todos melhorem rapidamente e vai ser interessante ver como é que regressam. Mas continuo a achar que o Rafa e o Federer são grandes candidatos a ganhar Grand Slams este ano. O Rafa melhorou muito o seu jogo e o Federer parece jogar sempre de forma fácil.

– E há, obviamente, o Novak Djokovic. Por seis vezes campeão, de regresso depois de seis meses de ausência, o que é que espera dele?

Acredito que ele vai voltar como um guerreiro. Porque quando ele estava a dominar era um verdadeiro lutador, um jogador muito, muito difícil de bater e de grandes dificuldades para os adversários porque joga com muita profundidade na esquerda, na direita, serve bem, movimenta-se extremamente bem… Vai precisar de ritmo e acredito que o vá ter à medida que o torneio avança.

E, claro, espero que possa recuperar rapidamente porque isso é o melhor para o circuito, ter todos estes rapazes a defrontarem-se e a jogarem uns contra os outros nos quartos de final e nas meias-finais. Vai ser difícil para alguns deles porque vão jogar nas primeiras rondas mas isso é bom para ele se desafiar a si próprio.

– Para além do Federer, do Nadal e do Djokovic, há jogadores à procura do primeiro título em torneios do Grand Slam, como o Zverev e o Dimitrov. Quem é que acha que tem mais hipóteses de o conseguir conquistar?

Escolho o Zverev. Ele é muito profissional, talentoso e trabalha muito. O ano passado foi incrível. É verdade que não jogou o seu melhor nos Grand Slams mas este ano vai estar muito mais preparado. Acho que vai ser muito difícil de derrotar.

Também quero ver como é que o Dimitrov dá seguimento à vitória no Masters, porque com confiança ele torna-se muito difícil de derrotar e pode vencer um grande torneio como este. Fisicamente também é muito forte, gosta muito das condições e no ano passado jogou um grande encontro com o Rafa nas meias-finais, por isso sabe exatamente como vencer encontros nestes courts e acho que é outro dos jogadores a ter em conta.

E acho que vai ser bom ver como é que o Shapovalov evolui o seu jogo. Não há pressão sobre ele e tudo o que acontecer é bom, por isso…

Quanto ao Kyrgios, se conseguir manter o nível e estando em casa — não sei se o vai conseguir fazer porque mental e fisicamente duas semanas são muito exigentes –, mas é o tipo de jogador de quem se pode esperar isso.

– O Juan Martin del Potro está de volta ao top 10 mundial pela primeira vez desde 2014 – acha que tem o que é preciso para ganhar mais um grande título?

Bem, ele esteve muito perto. No ano passado jogou as meias-finais em Nova Iorque, por isso vamos ver. Ele organiza o calendário de forma muito inteligente para estar pronto quando os grandes torneios se aproximam e é um jogador muito perigoso para todos os adversários quer com a direita, quer com a esquerda. Tem de ser considerado um dos outsiders. E vamos ver como é que se sente em court. Espero que ele consiga manter a forma, porque ao longo de duas semanas e com o calor é difícil para toda a gente. Em Melbourne é preciso fazer um grande esforço para estar pronto desde cedo e nem todos os jogadores o conseguem. O Juan Martin consegue fazê-lo perfeitamente porque é um verdadeiro lutador.

– Por falar em condições: o Australian Open é o mais exigente dos torneios do Grand Slam?

Todos são exigentes e é muito difícil dizer qual deles é mais ou menos. Melbourne é mais imprevisível em relação aos outros porque acontece no início da temporada. Há sempre alguém de quem esperas muito trabalho na pré-época e a continuação do que estava a fazer e acaba por não o conseguir e o oposto também. É um Grand Slam muito exigente. E também depende muito do tempo, porque pode estar muito calor e ao mesmo tempo muito vento e torna-se difícil ajustares-te. É um torneio muito especial.

– Pela negativa, a notícia de que o Andy Murray vai falhar mais seis meses de competição devido à lesão na anca. Com base no trabalho que fez com ele durante três anos, de 2009 a 2011, o que é que podemos esperar dele?

Precisamos de lhe dar tempo. É impossível saber como é que ele se vai dar, porque já passou muito tempo desde que ficou fora. Sei que é um campeão. Já o provou muitas vezes. E se voltar saudável vai tentar o seu melhor para regressar, mas precisa de tempo, claro. Também vai depender do quão motivado para ganhar grandes torneios ele está, isso é o mais importante. Porque para ele, ganhar mais um Masters 1000 não fará grande diferença, mas ganhar um Grand Slam ou dois vai fazer uma grande diferença e essa é a grande questão, ver se ele estará pronto para o fazer. Espero que sim, porque ele também é muito importante para o circuito.

Vídeo: Andy Murray disputa alguns pontos com os treinadores da altura, Miles Maclagan e Alex Corretja, no final de uma sessão de treinos em Miami (2009).

 

– E no lado feminino, quem é que vê a conquistar o título? Ou com mais hipóteses de o fazer…

Não sei mesmo. Acho que está muito, muito aberto, há 8, 10 ou mesmo mais jogadoras que têm grandes hipóteses de ganhar. Não quero dizer nomes porque não sei mesmo e está muito, muito aberto. Para todas. É muito entusiasmante porque vão de certeza existir boas surpresas neste torneio, muitas batalhas. Elas não jogaram muitos jogos nas primeiras semanas por isso vamos ver como é que se ajustam. É diferente dos homens, porque eles jogam à melhor de cinco sets e têm mais tempo para ganhar ritmo.

– Sobre a redução de 32 para 16 cabeças de série anunciada pela ITF:

Fui o primeiro a dizer em Wimbledon que o sistema de cabeças de série não estava certo e eles mudaram-no mesmo. Passaram de 16 para 32 de forma a terem esta espécie de sistema em que podem gerir um pouco a combinação com os pontos obtidos em relva.

Acho que vai ser mais interessante para os torneios do Grand Slam terem 16 cabeças de série. Claro que para os 17.º e 18.º classificados vai ser difícil, bem como para os mais cotados porque podem defrontá-los nas primeiras rondas, mas na minha opinião pode ser interessante. Os torneios tinham primeiras rondas muito previsíveis, à exceção de algumas vezes em que tinhas alguém como o Fernando Verdasco, que por algumas vezes e especialmente em Melbourne há uns anos, e outros que podem aparecer, jogar muito bem e surpreendê-los.

Se és o 17.º ou o 18.º do mundo significa que estás a ganhar muitos encontros e se vais defrontar jogadores de topo não vai ser assim tão previsível, por isso acho que gosto.

– Como jogador, qual era o maior desafio quando se preparava para duas semanas à melhor de cinco sets, sobretudo no início do ano?

Nunca joguei bem na Austrália. Era complicado para mim porque a temporada acaba tarde e na pré-época estava muito frio em Espanha e eu não ia cedo para a Austrália.

Talvez devesse ter ido muito mais cedo para me preparar com mais tempo para o torneio mas eu sou uma pessoa que gosta de tempo de família e queria ficar em casa durante a primeira semana do ano. Por isso, era difícil para mim preparar-me 8 ou 10 dias antes do início. Fisicamente é muito difícil, pela grande diferença horária com a Europa, o tempo e porque como um jogador normal precisas de ritmo e na Austrália não tens tempo de ganhar esse ritmo porque não jogaste muitos jogos antes de chegar ao torneio. Por exemplo, em Roland Garros já tens cinco ou seis meses de temporada às costas. Mas na Austrália só tens cinco ou seis encontros e para mim não era suficiente.

– Enquanto jogador, chegou a duas finais do Grand Slam. Há alguma diferença entre entrar para o campo e disputar uma final ou um encontro de uma das rondas anteriores? O que é que sentiu nesses dias?

Não, não, é completamente diferente. No meu caso, a única coisa de que me arrependo é que estava muito, muito mau tempo em ambas as vezes.

Sonhas e lutas toda a tua vida por estes encontros e estava tanto vento nas duas vezes que não consegui aproveitar nada. Estava simplesmente a tentar sobreviver, a adaptar-me às condições, não foi uma sensação muito boa.

Para a primeira não estava bem preparado mentalmente. Mas para a segunda estava pronto, lutei muito mas o Kurten naquela altura estava demasiado bom na terra batida e neutralizou muito bem o meu jogo. Foi difícil.

Mas não entrei em campo a pensar no momento que era. Claro que era, mas já tinha jogado finais de torneios Masters 1000, da Taça Davis, em que também tens uma grande motivação para ganhar. É claro que se trata de uma final de um Grand Slam e a queres ganhar, mas não entras em campo a pensar ‘é uma final de um Grand Slam’. Simplesmente vais lá para dar o melhor que tens.

– Tendo isso em conta e também os 17 títulos que conquistou no circuito ATP, qual foi o melhor momento da sua carreira?

Sem dúvida alguma quando ganhei a Masters Cup. Porque eu estava a tentar ganhar um Grand Slam, mas este…

Em Melbourne nunca cheguei cedo. Em Wimbledon nunca tive hipóteses de ganhar em relva durante 15 dias e no US Open houve uma vez em que tive boas hipóteses, quando cheguei aos quartos de final e perdi no tie-break do quinto set para o Pete Sampras. Roland Garros era o torneio em que as condições eram mais difícis para os adversários do que para mim e onde joguei 5 quartos de final consecutivos, incluindo duas finais.

Estava a dar o meu melhor, especialmente lá para jogar o melhor que conseguia e tentei tudo. Houve vezes em que joguei mais, outras em que joguei menos para estar mais fresco, mas infelizmente não funcionou porque os meus adversários foram um pouco melhores.

Faltou-me talvez uma pancada decisiva, uma direita ou um primeiro serviço. Provavelmente estava a jogar bem taticamente mas com um pouco menos de poder do que jogadores como o Kuerten, Ferrero e Costa.

– Venceu essa Masters Cup em Hannover numa final 100% espanhola frente ao Carlos Moya. E, entretanto, o Carlos começou a trabalhar com o Rafa no último ano. Também o vamos ver de volta ao court ao lado de um jogador brevemente?

Não, não está nos meus planos. Já tive ofertas de vários jogadores importantes, de jogadores do top 5, mas neste momento estou a gostar e a aproveitar o meu trabalho como comentador no Eurosport e às vezes também trabalho para a televisão espanhola. Para além disso, tenho a minha família. Gosto de ajudar jogadores, de ser um consultor, mas não quero ser treinador. Ocupa tanto tempo que teria de ser algo muito especial mas para mim neste momento especial é o que estou a fazer: a família e televisão. É isto que me motiva. Pode mudar daqui a dois anos, mas neste momento é isso.

– Apesar de não estar a planear fazê-lo, com que tipo de jogador é que gostaria de trabalhar?

Com um jogador que queira trabalhar muito, jogar muito e esteja disposto a melhorar e tenha respeito por mim, me oiça e ao mesmo tempo falo. Também é muito importante compreender o jogador porque no final é ele que está a jogar e tens de o ajudar a perceber o que é que está a acontecer.

E porque já lá estiveste, sabes o que é que se está a passar. Isto é muito importante, passar-lhe a experiência. Sinto que podia ajudar muito um jogador mas neste momento tenho a minha mente noutras coisas, como disse.

– Antes de nos despedirmos, duas perguntas relacionadas com o ténis português:

– Em primeiro lugar, do que é que se lembra de quando ganhou o Estoril Open em 1997? Foi o segundo título da sua carreira.

Foi muito, muito especial. Abriu-me a mente, porque eu tinha ganho o meu primeiro título em 1994 e em 1996 perdi as três finais que joguei.

E o Estoril sempre foi muito especial para os jogadores espanhóis, sempre vimos muitos espanhóis ganharem o torneio. Se bem me lembro, ganhei a final frente ao Francisco Clavet por 6-3 e 7-5 e foi muito importante. Na verdade, depois disso joguei as finais de Monte Carlo, Munique e ganhei Roma e nesse ano estava muito bem preparado para Roland Garros.

Infelizmente foi mais um dia muito ventoso, um dia de “furacão”. Tive hipóteses, o Kuerten ganhou nesse ano pela primeira vez.

O Estoril traz-me sempre boas memórias. Conheço muito bem o João [Lagos] e fizeram-me sempre sentir em casa.

– O João Sousa é o nosso número 1 e o melhor tenista português de todos os tempos. O que é que sabe dele?

Na verdade conheço-o muito, muito bem. Ele vive a cinco minutos de minha casa, por isso vi-o há poucos dias, antes dele ir para Auckland. Temos o mesmo cabeleireiro, cortamos o cabelo no mesmo sítio.

Ele trabalha muito bem, mexe-se muito bem, tem uma boa direita e uma esquerda sólida. Talvez precise de mais consistência no serviço em determinados momentos mas gosto muito dele e tenho uma relação muito boa com ele. É alguém que sempre se dedicou muito ao ténis e que melhorou imenso.

Quando o vi pela primeira vez, que foi quando ele chegou a Barcelona, conseguias ver que ele era um bom jogador mas ainda muito novo. E depois conseguiu, tornou-se num jogador muito bom e por isso há que lhe dar muito crédito e também ao treinador e às pessoas que o ajudaram. Lembro-me de quando ele ganhou Valência, de como jogou na final. Pode jogar bem em qualquer superfície e sempre gostei muito dele.

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