Gastão Elias é o quinto protagonista das Grandes Entrevistas 10 Anos Raquetc. Dos melhores momentos ao longo período em que lidou com várias lesões, e depois a pandemia, foram vários os assuntos abordados. Antes de prosseguirmos há um disclaimer obrigatório: a vídeo-chamada que deu origem a esta entrevista aconteceu no final do mês de maio, quando o tenista português ainda estava em Curitiba, no Brasil, à espera de um voo para Portugal.
– Começo pelo pró-forma nestes dias: como é que estás, onde e como é que tens passado por esta quarentena?
Para dizer a verdade nunca deixei de treinar. Quando os torneios foram cancelados parei durante uma semana, ou uma semana e meia, porque estávamos sem saber o que é que ia acontecer, mas depois retomei. Tive a sorte… A família da Isa tem uma casa com um terreno com, com muito espaço para fazer um pouco de tudo. Até joguei Wimbledon! (risos) A única coisa que não consegui fazer foi exercícios de ginásio, com pesos mais pesados, mas encontrei algumas alternativas, como umas cadeiras aqui por casa… E em relação ao ténis tive sorte porque conheci umas pessoas que têm uma empresa de construção que adoram ténis e construíram um campo na parte de trás da empresa. É um campo com seis meses, que só eles é que usam para jogar com os amigos, e deram-me a chave, portanto tenho tido um campo privado, novo, impecável, onde posso treinar com o meu treinador.
Em Portugal têm uma realidade um pouco distorcida do que está a acontecer aqui no Brasil. De São Paulo para baixo as coisas estão muito tranquilas, os centros comerciais já abriram, já dá para ir jantar fora… Todas as pessoas usam máscara, claro, mas dentro de tudo isto estou completamente tranquilo. Tinha um voo marcado para ir para os Estados Unidos, estava a pensar ir para lá porque estão lá vários jogadores e já dá para treinar, e também para ver se dava umas aulas e fazia um dinheirinho, mas o Trump meteu o pé no travão: não entram voos do Brasil e quem tenha estado no Brasil nos últimos 15 dias tem de fazer uma quarentena de duas semanas.
– Como é que foi treinar sem ter uma data para regresso? Mudou muito o teu dia-a-dia? Foi mais ‘soft’?
Sim, sem dúvida. Não tenho feito treinos de pré-competição em que meta muitos pontos e faça um treino muito longo, também porque com as lesões que tive durante todo este tempo tenho tentado ao máximo gerir o meu corpo. Diria que em média faço duas horas e meia, três de treinos: ténis faço sempre no mínimo uma hora e meia e físico também tenho feito bastante, mas nada que destrua o meu corpo porque não sei quanto tempo é que vou ficar a fazer isto. Tenho trabalhado o máximo possível em termos de manutenção e reforço, para deixar uma base boa, mas como disse tem sido mais difícil fazer o trabalho de ginásio.
– Pouco antes desta paragem disseste que já estavas a deixar para trás o período de lesões. Imagino que tinha dado jeito esta suspensão acontecer uns meses antes…
Era ótimo, não era? (risos) Mas parece que estas coisas são feitas para o Federer, é impressionante. Tenho de alinhar as lesões com o Federer, porque realmente… Mas sim, estava praticamente recuperado. Já lá vai um tempinho em que consigo competir duas ou três semanas sem pensar em lesões ou sem ter medo de puxar pelo corpo, porque por muito bem que estejas e te sintas há sempre aquele travão mental durante o jogo que te faz lembrar as lesões que tiveste.
Precisei de mais ou menos dois meses e meio para recuperar daquela lesão que sofri no CIF, uma rutura no músculo posterior, mas mesmo estando recuperado nos meses seguintes de cada vez que fazia um sprint e me esticava para apanhar uma bola as recordações vinham-me à cabeça e inconscientemente fazia sempre uma travagem, não ia a 100% sem medo nenhum. Mesmo já estando bem, a lesão fica lá e acaba sempre por te incomodar um pouco…
Mas sim, eu já estava pronto para voltar e já tinha jogado vários sets em treinos sem problemas. Mas obviamente que estava sempre naquela expetativa de ver como é que ia ser o regresso há competição, em que há stress, há nervosismo, há a tensão que no treino, por muito que treines, não consegues replicar. Mas agora é o momento certo para construir uma boa base e aproveitar mais um bocadinho.
– Chegámos àquele momento em que gostava de entrar numa “máquina do tempo” e recordar alguns momentos da tua carreira: há pouco mais de quatro anos chegaste ao Millennium Estoril Open como jogador do top 100 pela primeira vez. Quebrar essa barreira foi um dos momentos mais felizes da tua carreira?
Claro, sem dúvida. E foi uma semana engraçada, porque quando estás a jogar para entrar no top 100, ou noutro patamar, há sempre uma tensão porque essas metas são as mais desejadas, mas eu lembro-me que não estava assim muito perto [n.d.r.: era o 117.º] e por isso não estava a ver essa semana como uma oportunidade de entrar no top 100, ou seja, basicamente eu entrei sem dar por ela. Só soube que tinha garantido um lugar no top 100 depois de ganhar a final, por isso foi mesmo surpreendente.
– Apesar disso, foi a barreira mais difícil de ultrapassar?
É das mais difíceis, mas como eu disse não estava muito consciente de que isso podia acontecer naquela semana. Correu bem para mim, houve a combinação certa de resultados e pontos e de repente estava no top 100. Mas é muito duro, sem dúvida.
– E o teu primeiro jogo como top 100…
… Já não me lembro com quem, mas acho que perdi. Às vezes vou lá pelos equipamentos… (pensa)
Foi com o Paul-Henri Mathieu, depois esqueci-me de me inscrever em Roland-Garros e acabei por ganhar outro Challenger…
– Essa estreia aconteceu na sequência de um mês de ouro: meias-finais em Nápoles, quartos de final em Barletta, título em Turim, Mestre, meias-finais em Vicenza… Chegaste cá com sotaque italiano?
Pois é, foi um ano bastante italiano… Gosto muito de jogar em Itália. Apesar de haver algumas coisas que me fazem confusão, como os hotéis, os pequenos almoços cheios daquelas bolachas de pacote e as camas, que são mínimas. Mas já me estou a desviar um bocadinho (risos). Gosto das condições, é uma terra batida que não é muito lenta e acho que me favorece, enquanto outros sítios da Europa, como a República Checa e até França, quando está mais chuvoso, não são tão bons. Por isso é que quando há umas semanas em que jogar Itália é uma opção acaba por talvez ser a primeira, mas também já houve torneios lá em que eu já disse que não voltava.
– E pouco depois fazes aquelas meias-finais consecutivas em Bastad e Umag. Foram melhores semanas da tua carreira?
Não sei se foram as semanas em que joguei melhor ténis, mas foram sem dúvida as semanas em que tive mais consistência, porque joguei todos os encontros a um bom nível. Lembrando-me das sensações, nessa altura sentia-me bastante confiante no meu nível e sabia que conseguia ter uma performance consistente encontro após encontro. Foi o momento da carreira em que tive mais confiança. Pelo meio tive um encontro duríssimo em termos mentais com o João Sousa, foi 6-2 e 6-2 para mim, mas há sempre muita tensão em momentos como esse. Eu passei à frente no início e o início do segundo set também foi tenso, são momentos em que ganhas ou perdes um ponto e pode mudar completamente. Apesar de ter sido 6-2 e 6-2 foi o encontro mais tenso que eu tive, por tudo o que envolve. Nessas semanas só perdi contra o Verdasco e o Fognini. Em Bastad ganhei ao Lindell, que foi uma maravilha de uma primeira ronda, e ao Taro Daniel. E em Umag fiz um belo torneio. Foram três vitórias muito, muito boas contra o Garcia-Lopez, o Cuevas e o Carreño. O Cuevas, se não me engano, estava a top 20 e vinha de jogar a final em Hamburgo.
– Com tantos encontros nas pernas, houve espaço para algum episódio mais engraçado fora do court?
Histórias engraçadas… Ah, lembro-me, claro que me lembro! Essa foi a semana seguinte à estreia do jogo dos Pokémons e eu andava às guerras no clube com a Isa [n.d.r: Isabela Miró, mulher de Gastão Elias]. Lembro-me que no primeiro dia treinei com o Verdasco e ela andava lá na bancada atrás dos Pokémons. Aquilo tinha acabado de sair e era a loucura, estávamos os dois a competir um com o outro para ver qual de nós é que apanhava mais e enquanto eu estava a treinar ela andava para cima e para baixo, na bancada, à procura deles. Lembro-me de lhe gritar ‘pára, assim vais-me passar e isso não vale, estou a treinar!’ (risos) De resto não me lembro de mais nada, foram duas semanas muito intensas, sem descanso porque depois de um encontro vinha logo o outro. Foi intenso.
– Mas deu resultado, não só apanhaste Pokémons como umas boas vitórias…
E apanhei uns belos pontos, também, e um bom dinheirinho.
– Pouco depois dessas semanas estás nos Jogos Olímpicos. Lembro-me que na altura foram dias de muito stress, a acompanhar as desistências e à espera da boa notícia. Ainda são momentos em que pensas muito?
Por acaso não, lembro-me mais de momentos como as vitórias contra o [Gael] Monfils e o [Juan Martin] del Potro. Os Jogos Olímpicos não me vêm à cabeça com grande frequência, mas sempre que falo nisso ou alguém se lembra apercebo-me de que realmente foi um momento incrível. Aliás, a Isa às vezes fica toda animada porque tem dois olímpicos na família, a mãe dela [n.d.r: Gisele Miró, ex-tenista profissional] e eu, mas… Quando estás a falar com alguém que entende de ténis, essas pessoas dão muito mais valor ao facto de eu ter ganho ao Monfils e ao del Potro, ou a um top 50, do que aos Jogos Olímpicos. E se estiver a falar com alguém que não está por dentro do ténis, claro que essa pessoa dá muito mais valor aos Jogos Olímpicos. Não penso muitas vezes nisso, mas foi uma experiência única e é verdade que antes de entrar foram momentos de muita tensão. Andávamos ali a pensar ‘será que vai, que não vai’, depois saltaram dois ou três jogadores e acabei por entrar. E nos pares foi parecido, estávamos lá e ainda não sabíamos se íamos jogar ou não.
– A fechar o ano chega essa vitória contra o Monfils, em Estocolmo. Antes de mais: Monfils em Estocolmo ou del Potro em Lyon, qual é que consideras a tua melhor vitória?
Em termos de jogador foi contra o del Potro, que tem muito mais nome do que o Monfils. Até porque durante muitos anos o Monfils foi um jogador… Não direi médio, mas esteve muito tempo naqueles lugares à volta do top 40, não foi sempre o que tem sido nos últimos anos. Se eu tivesse ganho ao Monfils há seis anos se calhar não lhe dava tanto valor, mas quando ganhei ele era top 10 e passado umas semanas estava no Masters. Mas o del Potro é o del Potro, é um campeão do Grand Slam. Acho que é mais… É a vitória mais sentida. Quando me perguntam a quem é que ganhei e eu respondo Monfils oiço um ‘ahhh’, mas quando digo que também derrotei o del Potro o entusiasmo é ainda maior. É sempre um nome mais forte, ganhou o US Open e sempre que joga contra o Federer, o Nadal e o Djokovic estás atento e a ver se ele não mete duas “direitaças” e ganha, enquanto com o Monfils é mais ‘vamos ver quanto tempo é que isto dura’.
– Ficas muito nervoso antes desses jogos mais mediáticos, ou pelo contrário mais descontraído do que normalmente?
Contra o Monfils estava menos nervoso do que contra o Del Potro. Sempre que jogas ao nível ATP e em campos grandes, como nesses dias contra eles, há nervosismo. Nervoso vais sempre estar, seja contra um ou contra outro. E eu obviamente estava, mas diria que até fico mais nervoso no encontro anterior, ao saber que se ganhar posso jogar contra eles.
Em Estocolmo eu joguei a primeira ronda contra o Dodig e sabia que se ganhasse era o Monfils. As pessoas acham que o Dodig é um jogador de pares, mas a realidade é que em indoor rápido é duríssimo, e eu lembro-me de pensar ‘tenho aqui este jogo contra um jogador duríssimo, mas é uma oportunidade de depois jogar com o Monfils, que é o primeiro cabeça de série e um top 10, vamos lá, tenho de ganhar isto’. Quando tens a possibilidade de conseguir um grande feito para a tua carreira estás sempre nervoso, portanto o segredo é manteres-te no resultado. Porque se fazes logo asneira eles passam para a frente e aí esquece, já não te encontras. Mas se te mantiveres próximo no marcador pode cair para o teu lado e foi o que aconteceu contra eles. Foram dois encontros equilibrados em que tentei manter o meu serviço e arriscar um bocadinho mais na resposta e acabei por lidar bem com o nervosismo.
– Nesse ano de 2017 em que derrotaste o del Potro já tinhas estado perto superar o Thiem. Foi a terceira grande batalha contra ele…
É verdade, sim, mas houve outro em que estive ainda mais perto. Joguei três vezes contra o Thiem e no primeiro, em Buenos Aires, tive match point no tie-break do segundo set. Depois ainda houve aquele da Davis…
– Esse doeu muito?
Foi duríssimo, foi duríssimo… Foi um bocado estranho, na verdade. Eu estive um break acima no quinto set, depois houve aquelas interrupções do treinador e eu demorei 10 minutos para acabar um jogo de serviço. Foi duríssimo. Esse aí… Nem foi por ter perdido o encontro em si, porque eu dei o máximo. Eu senti-me foi mal porque se tivesse ganho, provavelmente ganharíamos o confronto e era uma oportunidade para Portugal. Em Sydney voltou a ser muito equilibrado mas ‘na próxima semana há mais’, mas na Davis sabes que é uma oportunidade que na semana seguinte não tens.
– É daqueles jogadores a quem tu viras a cabeça se passares por ele no corredor?
Ele cumprimenta-me e fala-me sempre. Respeita-me. Tivemos três jogos em que se safou por um triz… Apesar de estar noutro nível, um patamar mais acima, é uma marca que deixas neles e que faz com que te respeitem sempre. Eu sei que se voltar a jogar contra ele há grandes chances de perder, mas ele vai sempre entrar no campo com aquela sensação de ter de ter cuidado porque contra mim foi sempre duro.
– Avançando uns meses, fechas 2017 com umas boas semanas na América do Sul, o início de 2018 não te corre tão bem, mas em Braga parecias pronto a ter um novo ponto de engrenagem quando, de repente…
… Esse torneio eu já comecei com uma dor no ombro. No encontro dos quartos de final praticamente já não conseguia servir, estava quase a servir por baixo, e contra o Pedro [Sousa, nas meias-finais] entrei para ver no que dava. Não tinha condições para jogar, mas como ao longo dos anos tive muitos problemas com o ombro andei sempre naquela expetativa de jogar aqui, ‘safar’ e amanhã pode ser que esteja melhor, porque era isso que me acontecia: geralmente era uma inflamaçãozinha e ia lá com gelo e um ou dois dias de descanso, portanto quando fui para Braga pensei nisso e joguei a pensar que com algum descanso ia estar pronto para a próxima. Só que entretanto não foram bem dois ou três dias… Quando acabei o jogo com o Pedro [n.d.r.: desistiu depois de perder o primeiro set por 6-0] não conseguia levantar o braço. Não conseguia pegar num copo de água e levá-lo à boca! E foi o que foi. Normalmente essa dor passava de muita dor a quase nenhuma em dois ou três dias, mas nessa altura tive muita dor e manteve-se durante muito tempo. Foi aí que percebi que não era igual às outras. Fiz ressonâncias, descansei, ainda entrei no quadro de Wimbledon e só joguei porque entrei, porque não estava minimamente preparado, e entretanto voltei dessa lesão no ombro e porque estive muito tempo sem jogar comecei a ficar com uma dor na mão. Passadas algumas semanas fiz uma mesoterapia na mão e voltei a jogar em Los Caos e no US Open, mas estava completamente fora de forma.
– Já nada foi o mesmo, nesse ano?
Não porque em nenhum momento… Eu tive a lesão no ombro e para a ultrapassar precisei de dois meses, dois meses e pouco. Mas quando estás a recuperar de uma lesão precisas desse tempo para ela ficar boa e depois de um mês e meio a treinar sem dor nenhuma para voltar a ter uma condição física minimamente boa, e o que aconteceu foi que eu fiquei bom do ombro quando faltavam poucos meses para o ano acabar. Então fiquei sem saber o que fazer, a pensar se tirava mais um mês e meio para treinar, mas se o fizesse já só ia haver um mês de torneios, ou se como estava sem dor aproveitava para jogar e ir treinando nos torneios. E lá fui, sem pensar muito nos resultados e a olhar para aquilo como uma oportunidade de ir treinando. Mas foi uma má opção, porque acabei por nem conseguir jogar bem, nem treinar e entretanto o ano já estava a acabar. Só em 2019 é que arranco verdadeiramente.
– E quando parecia que os resultados iam voltar tens aquele acidente no Lisboa Belém Open.
Aí já estava a jogar bem, o Andreozzi estava no top 100 e o encontro tinha virado completamente para mim [n.d.r.: 1-6, 6-4 e 1-0 já com o break de vantagem]. Infelizmente aquilo aconteceu e eu tive mais dois meses parado por causa dessa brincadeira. Quando voltei, o meu primeiro torneio foi no Cazaquistão, onde fiz meia-final num 125 mil, e depois fui para Tampere e quando estava a jogar deu-me uma dor imensa no cotovelo. Fiquei sem jogar durante três dias, chego a Sopot e jogo um encontro com dores no cotovelo e é quando acordo no dia seguinte com uma bola do tamanho de uma bola de andebol no cotovelo. Era gigantesca, inacreditável. E eu já não sabia o que pensar. Foram mais umas semanas a tratar o cotovelo até que lá voltei na América do Sul, mas deu-me uma dor na lombar que não aguentava, não conseguia fazer dois serviços seguidos. E na República Dominicana foi onde eu disse que não dava mais. Estava a entrar na depressão, porque estava a viajar e a gastar dinheiro, e pensei ‘acabou-se. Vou dar o ano por encerrado aqui e aproveito para descansar.’ E foi quando vim para Portugal, tratei as costas, entretanto aproveitei a paragem para fazer uma aspiração ao cotovelo que tinha ficado pendente, porque tinha de remover umas lascas para não voltar a causar uma inflamação, e quando voltei em janeiro ainda não e conseguia mexer por causa das costas e vi que tinha de fazer mais alguma coisa, porque ainda não estava bom. Fiz outro tipo de tratamento e de reforço e agora parecia estar num bom caminho, mas chegou o vírus. E foram estes os meus dois últimos anos e meio…
– Psicologicamente como é que se lida com um período tão longo como esse? Foram quase sempre lesões diferentes e em momentos em que já estavas a regressar…
É sempre igual: nos primeiros dias é uma depressão enorme, horrível, é sempre difícil adormecer e ficas a pensar como é que vai ser, se vais ficar bom, se consegues recuperar a 100%. O início é muito duro, mas depois habituas-te à ideia e percebes que não há outro remédio que não tentar. Ou desisto do ténis…
– E chegaste a pensar nisso?
Já, já, várias vezes. Se tivesse sido uma lesão ou duas, pronto, nunca tinha tido problemas e não era à primeira que ia parar, mas quando nos últimos dois anos e meio não consigo jogar praticamente nada, é claro que a ideia me veio à cabeça várias vezes. Eu tinha dor, não conseguia jogar, depois metia-me num voo para chegar a um torneio em que não conseguia jogar a 100% porque pensava que a dor podia voltar, quando é assim não dá para jogar. Se com tudo a correr bem o ténis já é duríssimo e é difícil conseguir, sem estar tudo a 100% porque é que estava a jogar? Essas coisas vêm-te à cabeça, não tens como impedir. Mas depois por outro lado pensei ‘já cheguei onde cheguei e consigo fazer frente aos melhores jogadores do mundo, portanto algo de bom tenho e sem dúvida que nível para isso eu tenho’. Com esses pensamentos manténs-te saudável. E depois também vês o Federer com 38 anos e ele está impecável, portanto se eu pensar bem ainda tenho quase 10 anos para jogar, mais coisa menos coisa (risos). São essas coisas que te mantêm, isso e estar rodeado de pessoas boas e importantes para mim, que me ajudam a manter motivado.
O treinador que eu tenho [n.d.r.: Guillerme Balboa] tem tido um trabalho que não é fácil, porque basicamente desde que comecei a trabalhar com ele ainda não consegui competir. Até hoje ele diz-me ‘epa, ainda não consegui ver-te a jogar a 100%!’ (risos). Ele é um amante do ténis, vê muitos encontros, analisa muita coisa e sinto que ele ainda acredita muito em mim e era isso que eu queria num treinador, uma pessoa que acredite em mim e me tenha como prioridade. Neste momento não queria estar a partilhar um treinador com ninguém, queria ser a prioridade porque tive uma má experiência com o Franco Davin, que também era treinador do Fabio [Fognini]. Ele é um treinador ótimo, incrível, mas eu não era a primeira opção e não gosto muito de trabalhar assim. Portanto agora estou com uma equipa boa, também voltei para o meu preparador físico, o Caciano, que trabalhou comigo dos 19 aos 26 anos e também me mantém alguma tranquilidade mental. Saber que estou a trabalhar com uma pessoa que sempre me deixou impecável é mais uma coisa que dá confiança.
– E o que é que te motiva a continuar a tentar? O que é que ainda queres alcançar?
Acredito muito nas minhas capacidades. Vejo muito pessoal que considero que tem muito menos qualidade do que eu e que alcançou e alcança o que alcança. Não quer dizer que seja propriamente verdade, posso estar errado, mas é o que eu penso e isso motiva-me. Porque olho para muitos jogadores e penso que tenho mais qualidade do que eles. E depois é o que já disse, tenho muitas pessoas à minha volta com uma energia excelente, todos a remar para o mesmo lado, e isso deixa-me num estado de querer treinar, melhorar e desfrutar do processo.
– Tudo indica que o circuito vai regressar ainda este verão. Já sabes como é que vão ser os primeiros tempos para ti? Chegaste a estar inscrito num ITF antes dessa segunda paragem.
Sinceramente acho que para mim vai ser bom. Acho que quando os torneios voltarem vão haver muitos ao mesmo tempo, principalmente nos Challengers porque são obviamente muito mais fáceis de organizar do que um ATP, e é bom para mim haver cinco ou seis ou mesmo tempo porque isso significa que há muitas probabilidades de eu entrar num deles. Também tenho alguns bons contactos dos já muitos anos no circuito, conheço alguns diretores de torneios a quem pedi ajuda para ter um wild card e provavelmente aqui e ali vou conseguir ter um ou outro. Há essa oportunidade, mas para já é continuar à espera.
– Então acreditas num regresso do circuito ainda este ano?
Acho difícil. Nem é pela questão do público, acho que ou volta a 100% ou então não volta. Em relação ao público, vai depender do Federer e do Nadal: se eles disserem que sem público não jogam… E depois, ok: vamos fazer Roland-Garros sem público. O quadro masculino tem 128 jogadores, o feminino 128, mais o qualifying, os pares, juniores, quantas pessoas é que isso dá? Umas 800, talvez 1.000. Se cada um levar um ou dois guests, e há jogadores que levam para aí sete — não vão dizer a um Federer ou a um Nadal para não levarem sete. Por isso faz as contas. No balneário de Roland-Garros não cabem mais de 30 pessoas, não há hipóteses. E é às cavalitas! Portanto, se tens 1.000 e tal pessoas num recinto, mesmo que sejam só jogadores, acompanhantes e staff essencial para a organização, basta haver um caso e o torneio acaba na mesma. Metendo público ou não, porque é muito fácil num torneio como esse o público não se cruzar com os jogadores. Basta fecharem uns acessos e eles até têm uma passagem subterrânea para os jogadores, portanto é muito fácil não se cruzarem. Por isso é que acho que a solução não passa por não ter público. Mas não sei, eu não mando em nada, não sou dono de nada… (risos)
– Um dos assuntos mais comentados durante a quarentena foi uma eventual fusão entre a ATP e a WTA. Qual é a tua opinião?
Para mim, tem de ser tudo igual. Eu jogo ténis e ainda hoje não sei quantos pontos é que dão os torneios WTA, é uma confusão enorme. Elas dizem ‘eu vou jogar um 125 mil’, mas o que é que é isso? É um ITF? É um Challenger? É um WTA? Quantos pontos é que dá? Acho o circuito feminino uma confusão do outro mundo e se se juntassem podiam fazer-se coisas engraçadas. Seria mais fácil organizar os eventos. A meu ver isso simplificava tudo, porque a uma pessoa que não está por dentro do ténis tu explicas o circuito masculino num minuto: ‘Tens os torneios 250 que dão 250 pontos, os 500 dão 500, os 1.000 dão 1.000 e nos Grand Slams são 2.000, e o prize-money é o que cada torneio quiser meter’. Agora nas mulheres… Jogam um 100 mil e isso dá 100 mil pontos? Acredito que a WTA esteja bem estruturada, mas para quem vê de fora o circuito é uma confusão muito grande e acredito que ia beneficiar de uma fusão com a ATP, porque o circuito está bem estruturado.