João Sousa tem hoje pela frente um dos compromissos mais relevantes da sua carreira: discute com o supostamente acessível Daniel Evans o acesso aos oitavos-de-final de Wimbledon. O desafio é mais complicado do que parece, mas o vimaranense parece preparado para a ocasião.
Miguel Seabra, em Wimbledon
Vários colegas britânicos têm vindo falar comigo para saber um pouco mais sobre João Sousa na perspetiva do confronto luso-britânico que irá decorrer mais lá para o fim da tarde no Court 1. Alguns deles já conhecem suficientemente o número um português e o sentimento generalizado é o de que, numa superfície tão específica como a relva e atendendo aos mais recentes resultados, Daniel Evans parte com algum favoritismo para o duelo que vale o acesso aos oitavos-de-final – e, consequentemente, à segunda semana de um torneio do Grand Slam.
A primeira coisa que lhes digo é que João Sousa tem mostrado frequentemente saber regenerar-se, surpreender positivamente quando parece estar numa fase menos boa e sobretudo é alguém cujo espírito competitivo deve ser sempre tomado em conta. São os meus próprios colegas a salientar que o vimaranense não tem tido uma época feliz, com muitos desaires nas primeiras eliminatórias – ao que eu lhes respondo que está na terceira ronda do maior torneio do mundo, no tipo de piso que é supostamente o menos favorável para ele e tendo derrotado pelo caminho Marin Cilic. E esse tem sido um padrão recorrente na carreira do tenista luso: a capacidade de deitar para trás algumas derrotas comprometedoras e surpreender ao mais alto nível. Como está a suceder este ano em Wimbledon. Resta saber se hoje irá reforçar essa ideia no confronto com Danny Evans.
(RE)CONHECIMENTO MÚTUO
Curiosamente, já se defrontaram ambos este ano nos courts relvados do All England Club – mais precisamente na primeira ronda de pares, com vitória da dupla João Sousa/Leonardo Mayer no mesmo Court 14 onde ontem foram afastados na segunda eliminatória da variante. Nesse duelo de pares, João Sousa já sentiu o efeito do serviço em slice do britânico na relva, as suas esquerdas cortadas, as acelerações de direita, a qualidade do vólei, a rapidez. Pelo que estará melhor preparado para a imprevisibilidade que irá enfrentar esta tarde. Não vai ser fácil.
João Sousa e Danny Evans já se conhecem desde os tempos dos juvenis. Nunca se defrontaram oficialmente fora da variante de pares, mas partirão para o confronto de hoje com a lição bem estudada – porque será uma das mais importantes oportunidades das respetivas carreiras e nenhum dos dois quererá passar ao lado da ocasião de se qualificarem para os oitavos-de-final de Wimbledon pela primeira vez nas respetivas carreiras. Que foi o que aconteceu um pouco com João Sousa, em 2016.
Nesse ano, o número um português também garantiu a presença na terceira ronda após triunfos sobre Dmitri Tursunov e Dennis Novikov e, devido aos atrasos provocados pela chuva, acabou por defrontar o checo Jiri Vesely numa jornada muito estranha – num dos raros dias em que se jogou no chamado Middle Sunday, o habitual dia de descando a meio da quinzena Wimbledoniana. Mas foi um Middle Sunday muito bizarro porque, ao contrário das únicas três vezes anteriores (1991, 1997, 2004) em que se competiu no domingo do meio, teve uma programação mais ligeira, com somente um punhado de encontros na programação e uma bilheteira reduzida (apenas 22.000 ingressos). Perante um ambiente algo estranho no All England Club, e no Court 1, o serviço do esquerdino checo foi muito eficaz, ao passo que o vimaranense pareceu demasiado febril. Os parciais foram secos: 6-2, 6-2, 7-5.
BAD BOY
Este ano, João Sousa volta a defrontar no Court 1 um adversário teoricamente melhor apetrechado para jogar na relva – mas com um estilo completamente diferente. O antigo número um mundial de juniores Jiri Vesely, para além de ser esquerdino e de ter 1m98, é dotado de um serviço temível e um jogo possante. Daniel Evans tem sido a eterna promessa adiada do ténis britânico, apresenta uma estatura baixa (1m75) para os padrões do circuito profissional masculino e esteve suspenso um ano por ter acusado consumo de cocaína num controlo anti-doping; no seu regresso, parece motivado e é o terceiro jogador do circuito com mais encontros jogador na presente temporada (56, nos diversos escalões), estando mesmo oito lugares no ranking (61º) à frente do português (69º) graças a recentes triunfos nos importantes challengers em relva de Surbiton e Nottingham. E tem um estilo de jogo que pode ser comparado a… um canivete suíço.
Foi, de facto, essa a metáfora que utilizei quando conversei com Frederico Marques, o técnico de João Sousa, na antevisão do embate luso-britânico deste sábado – a do canivete suíço. Porque Danny Evans não tem a potência de fogo de tantos outros tenistas do top 100, não é uma metralhadora no fundo do court e não tem um serviço canhão; mas o seu estilo old school é baseado na variedade, na utilização de uma alargada panóplia de ferramentas e sobretudo na utilização de acelerações e desacelerações, na utilização de todas as zonas do court, com cortes menos e mais profundos aqui e ali que podem deixar um opositor a ‘sangrar’ sem perceber a gravidade da ‘hemorragia’ até dar por si derrotado.
Foi o que aconteceu com o possante Nicoloz Basilashvili na ronda anterior, vítima da ardilosa estratégia de um Danny Evans que concluiu o encontro em lágrimas, emocionado por ter regressado ao seu melhor nível após um ano de purgatório entre 2017 e 2018. Para além de todas as suspensões e problemas disciplinares acumulados desde a juventude que muito cedo lhe valeram o epíteto de bad boy do ténis britânico e que o levaram a ser considerado um talento desperdiçado. Ainda foi a tempo de encarrilar a sua carreira antes do controlo anti-doping positivo e de nova recuperação no ranking…
Vamos ver como é que João Sousa vai impor a sua maior potência geral, a qualidade da sua resposta ao serviço, o seu melhor currículo. Esperemos que consiga – todos os portugueses quererão vê-lo num potencial duelo ibérico com Rafael Nadal na segunda-feira…