Alterações, muitas alterações. As reformas feitas pela Federação Internacional de Ténis (ITF) começaram a sentir-se em todo o mundo mal arrancou o ano de 2019 e muitas foram as críticas às reduções do número de vagas nos torneios, a existência de dois rankings ou as condições de acesso aos quadros das provas.
Em Portugal o coro de críticas também não foi novidade e a conclusão dos primeiros torneios internacionais disputados no nosso país permitiram que se discutissem ideias e se analisassem números. Pela primeira vez podemos falar de factos, e como já diz o velho ditado: contra factos não há argumentos.
A época internacional em solo nacional arrancou com os habituais ITF’s que se disputam no Algarve a partir de fevereiro. O ano passado foram cinco as localidades algarvias a constar no calendário e este ano não foi diferente, pelo que uma comparação me pareceu lógico para observar o real impacto que todas as reformas adotadas nos escalões mais baixos do ténis mundial tiveram no circuito internacional e principalmente no jogador português.
Como já inúmeras vezes foi referido por quem tem por tarefa organizar os torneios, um dos principais objetivos de o fazerem num certo país é beneficiar os jogadores desse mesmo país. Menos custos, menos deslocações, mais oportunidades, melhor adaptação às condições e muito mais. São algumas das vantagens de se jogar em casa.
No entanto, tudo isto foi por água abaixo a partir do momento em que o circuito se tornou inalcançável para a maior parte dos jogadores que procuram dar os primeiros passos rumo ao profissionalismo ou aqueles que lutam por chegar a patamares mais elevados e que entraram no ano ainda com poucos pontos amealhados.
Para este artigo decidi comparar valores de 2018 face a 2019. Tive como base cinco semanas de competição em que se disputaram torneios internacionais em Portugal. As provas em questão foram os ITF’s de 15.000 dólares de Vale do Lobo, Faro, Loulé e depois as provas da Quinta do Lago/Portimão e Vilamoura/Quinta do Lago.
Estas duas últimas semanas são apresentadas assim pois os torneios foram disputados na mesma semana tanto em 2018 e 2019 mas não no mesmo lugar. Há ainda um fator importante de referir. Em 2018, o torneio de Vilamoura foi dotado de prémios monetários de 25.000 dólares. Apesar dessa diferença achei importante trazer as 5 semanas para o estudo de forma a fundamentar da melhor forma possível os dados recolhidos.
De referir ainda que todos os dados foram recolhidos a partir da análise dos quadros principais e de qualificação de singulares, sendo que os gráficos foram feitos de forma a que fosse mais fácil a análise dos números.
Ao todos foram analisados cinco fatores de comparação. O número de provas presentes no calendário da ITF em cada semana em questão, número de vagas disponíveis em cada torneio, o número de jogadores que preencheram essas vagas, o número de portugueses dentro desse lote de jogadores e, por fim, o número de wild cards concedidos aos tenistas portugueses.
Análise dos gráficos e fundamentação para o fracasso das medidas impostas pela ITF
Aquando da justificação para a implementação das novas regras, a ITF referiu que haveriam, na altura, cerca de 14.000 tenistas a competir no circuito profissional e que grande parte não conseguia qualquer rendimento com a prática do ténis, pelo que este novo modelo iria fazer com que a vida de um tenista fosse mais sustentável, fazendo com que mais jogadores conseguissem pelo menos chegar ao break even.
O certo é que a solução arranjada foi ‘encostar’ milhares de jogadores e assim tornar estes números mais bonitos dentro do panorama. Os que têm acesso aos torneios ganham menos e têm de trabalhar mais para ganhar, pelo que é bem possível que as medidas tenham feito com que hajam ainda menos tenistas a conseguir viver às custas da profissão que escolheram.
Menos torneios, menos jogadores, menos portugueses, mais competitividade
Comecemos por analisar o número de torneios que fizeram concorrências às provas algarvias. Em 2018, durante as cinco semanas em análise, foram realizados 62 torneios. Este ano apenas 45 provas foram para a frente, ou seja uma redução de 27,42%. O que é que isto implica? Menos dinheiro em jogo durante as respetivas semanas, menos lugares, isto é, menos postos de trabalho.
Este foi primeiro fator a falhar. A ITF, nas suas análises feitas antes de dar luz verde ao novo circuito, com certeza que não contava com a redução de torneios realizados. Ninguém está em jogo para perder dinheiro. Não foi por acaso que os organizadores dos eventos começaram a dar passos atrás ao ver as suas margens de lucro reduzidas ou mesmo completamente comprometidas.
O desinvestimento na modalidade levou à maior competitividade. Este é talvez dos poucos pontos fortes que podem ser apontados. Passámos a ter primeiras rondas entre jogadores que estavam habituados a encontrar-se nas últimas fases dos torneios. Só mesmo os melhores irão sobreviver a esta fase e conseguir manter a evolução e respetiva ascensão no ranking mundial.
Analisados os números de torneios a nível mundial, é tempo de olhar para Portugal e para o impacto que estas reformas tiveram no nosso país e principalmente nos ‘nossos’ jogadores. Já chegámos à conclusão que são menos torneios, o que implica menos vagas. Olhamos então para os torneios individualmente..
Em 2018 as primeiras cinco semanas de competição em Portugal conseguiam albergar um máximo de 618 jogadores nas variantes de singulares caso fossem preenchidas todas as vagas nos quadros principais e de qualificação. Em 2019 este número reduziu drasticamente para apenas 250, o que equivale a uma descida de vagas de 59,65% e assim muito menos oportunidades para todos os jogadores, tanto portugueses como estrangeiros.
Se o número de vagas para jogar reduziu é normal que o número de jogadores a disputar os ITF’s portugueses tenha seguido a mesma tendência. Pouca oferta para uma enorme procura fez com que centenas de tenistas não tenham tido a possibilidade de entrar em campo para lutar pelo dinheiro e pelos pontos em jogo.
Em 2018 jogaram os ITF’s algarvios 537 jogadores distribuídos pelas cinco semanas de competição, o que equivale a uma ‘taxa de ocupação’ de 86,89%, números bastante atrativos para qualquer organizador de prova que tem tantos lugar à disposição. Em 2019 esse número caiu 53,45% para os 250 jogadores. Menos de metade e como seria de esperar, uma taxa de 100% de aderências aos quadros de singulares.
São estes valores que fazem com que os responsáveis pelos torneios sejam desencorajados a realizá-los. Não conseguem apresentar números a que os seus patrocinadores estavam habituados e acabam por perdê-los ou então por ver o apoio reduzido. 537 tenistas valem bem mais do que 250, logo paga-se mais por ter 537 jogadores do que 250. Hotelaria, restauração, serviços locais e menos pessoas a acompanhar os atletas significa muito menos lucro para os torneios, para as localidades e consequentemente para o país.
É tempo de falar dos portugueses. Há muito que era expectável que seriam dos principais afetados com as mudanças. A pressão para obter resultados tornou-se clara. Ou se conquistam vitórias rapidamente ou então não há muitas segundas oportunidades. Nas cinco semanas algarvias de 2018 os quadros albergaram 121 portugueses. Um ano depois o número caiu em flecha para 62, uma queda de 48,77% no número de jogadores nacionais em prova.
Se no ano passado quase todos os tenistas tinham possibilidade de almejar uma carreira em solo nacional, hoje tornou-se impossível para muitos. Muitos queriam jogar mas não o puderam fazer. Como é óbvio, viver nesta situação constantemente, faz com que os tenistas se interroguem se vale a pena continuar a investir tempo e dinheiro numa carreira que nem lhes dá oportunidade de tentar. O desalento acaba por surgir e os tenistas ficam a pensar no que é que andam a fazer num circuito que os coloca fora do ‘mercado’ desde o primeiro momento.
Sem vagas para os portugueses, a única vantagem de ter torneios em Portugal passa a ser a quase garantia dos convites da organização serem dirigidos a eles. No entanto, estes são limitados e muitas vezes limitados a um certo leque de jogadores. Em 2018 ter um wild card era algo de ‘pouco valor’, isto falando das fases de qualificação. Em 2019 a cotação dos mesmos disparou.
Um wild card para a fase de qualificação é bem capaz de hoje em dia ter mais valor do que um para o quadro principal em 2018. Os jogadores querem jogar e caso não tenham classificação para entrar nos quadros de qualificação ficam fora. Os wild cards tornaram-se vitais.
No ano passado 24 portugueses beneficiaram de wild cards para ir a jogo e a maior parte destes foi para o quadro principal. Na qualificação muitas vezes eram apenas dados para preencher vagas que sem eles estariam vazias. Em 2019 os torneios portugueses entregaram 42, a maior parte deles para os qualies, o que significa um aumento de 42,86% do número de convites atribuídos.
Olhando mais a fundo para estes dados, percebemos que em 2018, dos portugueses que jogaram nos torneios do sul do país, 19,83% fizeram-no enquanto convidados da organização. Passado um ano, mais de dois terços dos atletas lusos recorreram a convites para jogar, mais precisamente 67,74%. Estes dados só fortalecem ainda mais a tese da inflação do valor dos convites para quem os recebe.
Analisados os dados, é fácil perceber que muito pouco se ganhou com estas alterações e que é importante mudanças surgirem o mais rapidamente possível. As fases de qualificação já aumentaram para 32, já se fala num aumento para 48, mas é preciso agir e agir rápido. Não há tempo a perder porque há carreiras e sonhos em risco de não se realizarem.
Eis uma pequena síntese do que foi referido ao longo do artigo:
- N.º de Torneios: 62 para 45 » -27,42%
- N.º de Vagas: 618 para 250 » -59,65%
- N.º de Jogadores: 537 para 250 » -53,45%
- N.º de Portugueses: 121 para 62 » -48,77%