Combinação de resultados – Tudo sobre o escândalo que está a abalar o mundo do ténis

Nas capas dos jornais, nas aberturas dos telejornais e nos segmentos das maiores rádios de todos os países. A notícia que a BBC e o BuzzFed News divulgaram esta segunda-feira está a correr o planeta e promete continuar a abalar o mundo do ténis. Das suspeitas de combinação de resultados às confirmações e declarações de vários dos protagonistas dos circuitos, fique a par de todo o escândalo que renasceu antes do Australian Open.

As duas publicações dizem possuir documentos que provam a combinação de resultados no topo do ténis mundial, incluindo em três encontros disputados no torneio de Wimbledon, e a existência de casas de apostas na Rússia, norte de Itália e Sicília que lucraram vários milhões de dólares com a combinação de resultados, sendo ainda feita uma referência ao envolvimento de tenistas campeões de Grand Slams e oito tenistas que este ano integram os quadros do Australian Open.

Como explica a BBC, os documentos a que os jornalistas que trabalharam na investigação tiveram acesso contêm os nomes dos jogadores investigados pela Unidade de Integridade no Ténis (Tennis Integrity Unit) mas as publicações optaram por não os divulgar “porque sem acesso aos seus registos telefónicos, bancários e históricos dos computadores pessoais não é possível determinar se estiveram ou não envolvidos pessoalmente na combinação de resultados.”

Em 2008, foi levada a cabo uma investigação a 28 jogadores — 16 dos quais com o top50 inscrito nos seus currículos — em que não foram encontradas informações que pudessem comprometer as suas carreiras, tendo a TIU recebido alertas de suspeita de viciação de resultados que envolviam cerca de dez desses mesmos jogadores mas, uma vez mais, não foi possível reunirem-se provas suficientes.

Na altura, o investigador inglês Mark Philips esteve a cargo da condução de várias operações de investigação em torno da combinação de resultados e à BBC diz que “existia um grupo de dez jogadores que acreditávamos ser a base de todo o problema e tínhamos provas bastante sólidas. Parecia ser uma boa oportunidade de travarmos tudo isto antes que o assunto crescesse e assim eliminarmos o mal pela raiz”, mas a impossibilidade de acederem aos registos pessoais de cada um (telefónicos, bancários e online) travou as acusações.

Nikolay Davydenko entre os visados

Um dos encontros mais polémicos (e investigado no processo referido) envolveu o russo Nikolay Davydenko e o argentino Martín Vassallo Argüello no Sopot Open 2007, em que o  russo desistiu com o resultado a 6-2 3-6 1-2 e foram movidos mais de sete milhões de dólares em apostas na Betfair. Um ano depois, a ATP anunciou o fim da investigação e disse não ter encontrado “quaisquer provas de violações das regras por parte dos dois jogadores ou qualquer outra pessoa associada ao encontro.”

Declarações de Djokovic ‘regressam’; Kokkinakis vítima das mesmas propostas

A notícia da BBC e do BuzzFeed News originou declarações de alguns dos tenistas profissionais da atualidade e o sérvio Novak Djokovic relembrou em conferência de imprensa em Melbourne um episódio que já anteriormente tinha partilhado com os jornalistas: “Em 2007 fui abordado por pessoas que trabalhavam para mim, que estavam na minha equipa. Não foi diretamente e essa pessoa não conseguiu chegar até mim”, relembrou o sérvio, que terá tido uma proposta de cerca de 200.000 dólares para perder na primeira ronda do ATP de São Petersburgo, na Rússia, em 2007.

Numa entrevista à rádio 3AW na segunda-feira, dia 18 de dezembro, o australiano Thanasi Kokkinakis revelou que também já lhe chegaram propostas relacionadas com a combinação de resultados através das redes sociais e que o mesmo aconteceu com muitos dos tenistas que conhece.

Para além das propostas que os jogadores recebem de desconhecidos, que na maioria das vezes recorrem a contas falsas em várias redes sociais para manterem o anonimato, são conhecidos vários casos em que os tenistas são ameaçados por apostadores furiosos depois de estes perderem as suas apostas. Em 2013, o holandês Robin Haase foi vítima de insultos e ameaças de morte depois de perder um encontro para Alexander Dolgopolov.

No já longínquo ano de 2007, as preocupações relacionadas com a combinação de resultados já existiam e o norte-americano John McEnroe, ex-número um mundial, partilhava os seus receios em torno do assunto, confessando ter “medo que a combinação de resultados esteja ligada ao crime organizado, como a máfia russa, e eles possam ameaçar os jogadores para conseguirem ‘arranjar’ os resultados.”

Em declarações ao The Telegraph, o norte-americano fazia ver que “é natural que o fenómeno de combinação de resultados se verifique mais no ténis do que na maioria dos desportos porque o ténis é um desporto individual e por isso só é preciso convencer uma pessoa.”

Portugueses receberam ofertas mas resistiram

O mundo das apostas e fixações de resultados não passa ao lado do território português e são cada vez mais os casos conhecidos de jogadores que receberam propostas para perderem alguns dos seus encontros.

Ao jornal A Bola, Gonçalo Falcão contou que “uma vez, na Croácia, ofereceram-me dois/três mil euros através de uma mensagem no Facebook. O discurso era de que ninguém ia saber e que era dinheiro na mão. São pessoas ligadas ao ténis.”

Em declarações ao mesmo jornal, Frederico Gil revelou no último mês de setembro já ter recebido várias propostas: “Em 2010, recebi uma mensagem no Facebook a oferecer-me dinheiro para perder na 1.ª ronda do Challenger de Roma com Alessio Di Mauro.”

Antes da primeira edição do Millennium Estoril Open, também Frederico Silva recebeu, pelo Facebook, uma oferta, caso semelhante àqueles que o jornal apurou junto de outros tenistas, como Maria João Koehler e Rui Machado.

‘Cara’ do ténis brasileiro passou ao lado das propostas mas pede punição severa

Citado pelo site Break Point Brasil, o ex-número um mundial e tricampeão de Roland Garros (1997, 2000 e 2001) ‘Guga’ Kuerten revela que ‘passou ao lado do mundo da combinação de resultados’ porque nunca lhe foi feita nenhuma proposta mas diz que “o assunto já assombra o ténis há bastante tempo. A manipulação de resultados, assim como o doping, representa a corrupção e precuisa de ser banida. É um assunto extremamente preocupante porque compromete a essência do desporto, a competição limpa e o respeito às regras. Acredito que sejam casos isolados e a punição deve ser severa.”

O também brasileiro Fernando Meligeni disse ào GloboEsporte.com que o problema está diretamente ligado às casas de apostas: “A manipulação de resultados começou no momento em que as empresas de apostas entraram no ténis. Eu vi isso acontecer e a verdade é que a ATP já se preocupa com isto há muito tempo. Em 1997, 98, enviaram um memorando aos jogadores a avisar que não poderiam apostar no circuito, caso contrário seriam punidos. Depois do aviso, se alguém o fez, fê-lo escondido, mas é algo que continua a existir.”

Ao Brandsports, Flávio Saretta, que chegou ao 44.º posto do ranking e à quarta ronda de Roland Garros em 2003, disse que chegou a receber propostas para perder os seus encontros: “Uma vez em Roland Garros, no ano de 2005 ou 2006, eu ia jogar a primeira ronda contra o italiano Potito Starace e vieram pessoas que eu não conhecia ter comigo e dizer-me que me dariam 90.000 euros para eu perder o encontro.”

Casas de apostas continuam a ser parceiras dos torneios. Será correto?

Questionado sobre a presença constante da imagem de casas de apostas em vários torneios dos circuitos profissionais, Chris Kermode, o Presidente da ATP, defende que “a parceria com casas de apostas até pode ser boa para o ténis, porque podem ajudar-nos a identificar e investigar casos suspeitos”, uma visão partilhada por Bill South, o Diretor de Segurança e Comunicação da inglesa William Hill — casa de apostas que aparece em destaque no Australian Open –, que diz que “uma parceria entre agências e casas reguladas e licenciadas como a William Hill e eventos desportivos faz parte da solução e não do problema. Partilhamos constantemente informações às entidades de ética dos desportos e lutamos por assegurar uma transparência no processo das apostas e nos próprios resultados.”

Stanislas Wawrinka, o campeão em título de Roland Garros, concorda com Kermode e diz que “se uma casa de apostas patrocina um evento, tem todo o interesse e fará de tudo para que não exista corrupção porque não querem perder dinheiro. Para o ténis não é bom que exista corrupção, mas para as empresas de apostas também não, portanto parece-me que as parcerias entre casas de apostas e torneios só poderão ser positivas.”

Para Murray, é “hipócrita”; Verdasco teria a ‘solução perfeita’

Ao contrário de Wawrinka, Andy Murray não é a favor da presença de empresas de apostas nos torneios e afirma mesmo que “é um bocadinho hipócrita. Os jogadores não são autorizados a ser patrocinados por empresas de apostas, mas os torneios podem.” 

Fernando Verdasco, vai mais longe e chega mesmo à solução idealizada para acabar de vez com os escândalos de combinação de resultados, que confessa desde logo ser impossível: “Eu acabava de vez com as apostas, mas não o posso fazer. Estamos a trabalhar para acabar com a corrupção.”

Desde 2011 que é conhecida uma lista de jogadores que foram investigados

O caso de combinação de resultados nos circuitos profissionais ‘rebentou’ para o mundo no início desta semana, mas já em 2011 a imprensa sueca divulgara uma lista com nomes de tenistas que terão sido investigados pela Tennis Integrity Unit.

Na lista feita pelo Expressen constam nomes como os de Victoria Azarenka, Agnieszka Radwanska, Maria Kirilenko, Sara Errani, Francesca Schiavone, Philipp Kohlschreiber, Andreas Seppi, Fabio Fognini, Nikolauy Davydenko e Janko Tipsarevic.

Já são vários os casos de tenistas acusados e banidos para a vida dos circuitos

Criado em setembro de 2008, o ano em que os rumores em torno da combinação de resultados começaram a surgir com maior intensidade no ténis, a Tennis Integrity United (TIU) já identificou e baniu vários jogadores dos circuitos profissionais, tendo o austríaco Daniel Koellerer sido o primeiro a ficar de parte do ténis profissional para a vida.

Desde então, muitos praticantes da modalidade (e não só) ficaram proibidos de continuar a exercer a sua atividade profissional: em novembro de 2014, o árbitro e jogador francês Morgan Lamri foi acusado de violar quatro artigos do programa de anti-corrupção e banido para a vida por fraude e Daniele Bracciali admitiu ter sido parte integrante de um esquema de combinação de resultados — o que acabaria por levar ao seu banimento e também ao do compatriota Potito Starace. Mais recentemente, em dezembro de 2015, o grego Alexandros Jakupovic também foi afastado dos encontros profissionais masculinos como consequência de cinco acusações no âmbito do programa de anticorrupção do desporto.

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