Entrevista a Frederico Marques

Passavam poucas horas da vitória de João Sousa no Valencia Open quanto contactámos Frederico Marques. Com o treinador português ainda em território espanhol, antes do voo de regresso a Portugal para uns dias de ‘descanso’ que antecedem a preparação de 2016, ajustámos os pormenores da entrevista em que viria a refletir sobre toda a época, o que foi feito e o que quer que seja feito… E não só. Um par de dias depois reunimo-nos no estúdio de rádio da Escola Superior de Comunicação Social. Foi uma conversa que ficou registada pelos microfones e que agora transcrevemos.


ENTREVISTA

Ténis Portugal: Inevitavelmente começamos pelo domingo histórico [01.11.2015] para o ténis português. Como é que foi viver todo aquele ambiente em Valência e mais uma vitória?

Frederico Marques: Foi bonito para nós, é bonito para Portugal e para o desporto português mas não só pelo facto do João ter conquistado o seu segundo título ATP. Acho que também pela vitória do Gastão Elias, do Frederico silva e nas camadas mais jovens terem feito bons resultados, nós ficamos contentes. Tanto eu como o João tentamos sempre acompanhar no circuito os resultados da malta do ténis e das outras modalidades.

No caso do João, sim, é uma semana especial; no meu caso, acho que são os frutos de um bom trabalho e de uma época muito desgastante. Dei o que tinha e o que não tinha para tentar chegar ao segundo título e ver o João outra vez nas posições mais altas do ranking e para ele também acho que foi incrível aquela vitória porque já eram várias finais, vários momentos em que estávamos à porta de ter aquele troféu e sair como campeão. A cereja no topo do foi os pais dele, a família, manager, namorada e os amigos estarem presentes.

Foi uma conquista em Espanha, portanto perto de casa, em casa emprestada, e é um torneio especial também porque o João ganhou a cinco adversários com um ranking superior ao dele. Era um ATP 250 mas com nível para um ATP 500. É um torneio muito forte depois de uma época complicada, com desafios da Taça Davis a cinco sets e várias finais e foi um acabar de ano fantástico.

Ténis Portugal: A questão da família foi muito referida pelo João no discurso final. Como é que geriram a surpresa? Ele disse que não sabia que a família ia até Valência… Quando é que ele ficou a saber que tinha lá o dobro do apoio com que estava a contar à partida?

Frederico Marques: Tanto eu como o Miguel Ramos, o agente do João, já sabíamos que eles iam fazer a viagem de carro porque de avião ia ser complicado chegar às horas da final mas decidimos não dizer nada para ele poder dormir tranquilo porque a viagem ia ser feita de noite. Antes da hora de almoço, quando eles chegaram a Valência, dissemos ao João ‘Os teus pais estão aqui, já podes ir lá abaixo, estar um bocadinho com eles e com o teu irmão’. Ele ficou um bocadinho ‘Estão? Mas como correu bem a viagem?’ ‘Já passou, agora podes estar um bocadinho com eles e desligar um bocadinho e voltamos a centrar-nos mais daqui a bocado para a final.”

Ténis Portugal: Foi uma final muito dura quer física quer psicologicamente em que o João esteve a perder por um set e ainda por um break. Terá esse apoio ajudado muito? Havia um grande volume de apoio não só no camarote mas nas bancadas, com muitos adeptos portugueses.

Frederico Marques: Terminar a época com uma boa sensação é importante para qualquer jogador e no ténis é muito difícil. Tirando um ou outro caso, como o Djokovic e o Federer, mas acho que só mesmo o Djokovic é que consegue acabar semanas e semanas sempre com o sabor da vitória, no ténis praticamente perde-se sempre, só ganha um, há sempre aquela derrota e conviver com a derrota e poder acabar o ano com uma vitória vai trazer tranquilidade ao João, a toda a pré-época e permitir-nos trabalhar com mais tranquilidade e estabilidade. Porque uma vitória é uma vitória.

Em relação à pergunta, claro. Os pais, os ‘manos’, a namorada e os seus melhores amigos espanhóis trouxeram uma força extra mas o João como já demonstrou é capaz de estar a perder sozinho comigo no fim do mundo e ter a capacidade de ir buscar força onde muitas vezes as pessoas pensam que já não é possível. Ele consegue ‘renascer’ muitas vezes.

Ténis Portugal: Disse que para o ano vai haver uma aposta maior nos torneios ATP 500 e Masters 1000. Esta decisão já estava tomada independentemente do resultado em Valência? E este resultado levou a alguma alteração naquilo que é a preparação da próxima época?

Frederico Marques: Já em 2014, com o João com um ranking de 54, tínhamos pensado em jogar mais Masters 1000 e ATP 500, onde há um maior número de pontos, dinheiro também e onde se consegue ganhar mais pontos com menos jogos realizados. Tentámos fazê-lo no princípio do ano mas não foi possível porque o João teve um problema físico no joelho e tivemos dois Masters 1000 em que ele não conseguiu estar competitivo seguidos de Taça Davis e mais Masters 1000 onde ele não conseguiu estar competitivo. Foram cerca de dois meses em que estivemos um bocadinho a patinar nesse aspeto e então tivemos de voltar a jogar mais torneios 250 e acabámos o ano a jogar o máximo que podíamos para agora, em 2016, voltarmos a essa aposta.

O João tem quatro finais e umas meias-finais disputadas em ATP 250, neste caso para poder subir no ranking a jogar estes torneios tinha praticamente de fazer final e isso é um desgaste enorme. Vamos tentar ‘atacar’ os torneios superiores, onde passando uma ou duas rondas é praticamente o mesmo que fazer 4 ou 5 jogos nos 250, e outro desgaste. Vamos tentar ser felizes nos Grand Slams e nos Masters 1000.

Ténis Portugal: Falou nessa aposta nos maiores torneios para o ano. Na edição anterior do Ténis Portugal na Rádio, a Neuza Silva falou-nos nos detalhes que são necessários e disse que a este nível as coisas estão presas por pequenos detalhes. Que pequenos detalhes é que o João precisa de melhorar ou de se focar mais para poder chegar a um nível superior?

Frederico Marques: Antes desta conquista eu já tinha dito que o João estava com o nível que tem, que era o que realmente me preocupava, e a minha obrigação neste caso é ter o meu jogador a esse nível. O ranking é o espelho do nível dos jogadores mas muitas vezes isso não acontece, ou por sorteio, ou pelo calendário ou pelo cansaço e não estava realmente a acompanhar o nível do João. Felizmente, as coisas aconteceram e equilibraram: temos um João entre os primeiros 15 do mundo em termos de vitórias este ano, acho que isto reflecte a excelente época que ele fez. Estamos a falar de uma lista liderada por Djokovic, Federer, Murray e ele aparece nos 15 do mundo com mais vitórias.

São torneios ATP 250 mas as vitórias estão lá e nestes torneios 80% do quadro são jogadores de top50. Acho que ele ganhou a mais de uma dezena de jogadores top30 e quando existe essa regularidade só temos de pensar que ele tem de ir para cima e que tem essa qualidade para estar a jogar quartos e meias-finais dos torneios ATP 500 e Masters 1000.

Em relação à pergunta, falta um bocadinho de estabilidade emocional, não só nos torneios mas nos treinos. Aceitar que ele é humano, que por vezes as condições das bolas ou o clima ou o campo não são as mais adequadas e não vão ser favoráveis, aceitar que os adversários também jogam e isso vem com a experiência. Ele já está muito melhor e os resultados estão à vista. Quando ele conseguir ter esta estabilidade, o meu trabalho vai ser mais fácil e vou poder ir mais ‘dentro da ferida’ porque ele já entende melhor, está mais lúcido. Muitas vezes nos treinos e competição já conseguimos falar mais tacticamente, porque não se joga tanto com o coração, joga-se mais com a cabeça e foi o que aconteceu nesta final.

Quando ele conseguiu estar mais lúcido e tranquilo começou a ver o que estava a acontecer, porque ele é uma pessoa muito inteligente, e começou a jogar tacticamente. Acho que para estar mais competitivo nestes torneios vou continuar a insistir num João agressivo, a bater bastante a bola na subida e a tirar tempo aos adversários. É muito importante nos dias de hoje para se habituar a jogadores de um ranking mais alto servir melhor, reduzir o cansaço com ‘pontos grátis’ com o serviço e responder melhor. Os princípios de jogada são muito importantes para se estar equilibrado, numa boa posição e bater a bola na subida e desgastar [o adversário] porque em termos físicos temos um João já dentro dos top20, senão dos top15. Tem uma excelente equipa de preparação física e gostávamos de poder viajar com o Carlos mais semanas. Estamos a tentar, é um excelente fisioterapeuta.

Ténis Portugal: Quando começou a trabalhar com o João Sousa esperava um crescimento tão rápido ou que ele conseguisse chegar a este nível nesta altura?

Frederico Marques: Sim, eu sempre vi o João com possibilidades. Comecei a trabalhar com ele quando estava a 220 do mundo mas via um João com capacidade para estar nos primeiros 100 do mundo. Via-o fisicamente muito bom, com muita facilidade de apanhar a bola na subida, a desgastar e tirar tempo aos adversários e isso é uma coisa por vezes difícil de trabalhar e ele já o tinha, por isso eu sempre acreditei e sempre lhe disse que era uma questão de tempo até estarmos nos primeiros 100 e que depois de estarmos víamos como é nos adaptávamos ao circuito, como é que esse nível de jogar na subida, com rapidez de pés, se era suficiente ou não para nos mantermos lá e fomos adaptando-nos, melhorando e vamos numa subida em que aprendemos os dois um com o outro.

Ténis Portugal: O que é que um treinador, em especial o Frederico Marques, aprende com o João no circuito ano após ano?

Frederico Marques: O João é uma pessoa muito inteligente, que gosta muito de falar tacticamente do que sente, do que sente dos adversários, da velocidade da bola, a sensação que tem, o que é que eles lhes fazem sentir, os padrões, as jogadas, e eu tento também meter-me na situação dele e ver e falar tacticamente e ajustar isso à técnica. Onde é que eu posso aprender mais? Aprendo no circuito porque ao estar com ele todas as semanas tenho oportunidade de falar com treinadores de renome, do Djokovic e do Nadal. Graças ao João estou nesse circuito há vários anos e estou sempre a aprender ou com ele ou com os treinadores e jogadores.

Ténis Portugal: O João Sousa dá-se espectacularmente bem no ambiente Taça Davis mas este ano a prestação no Estoril Open não correu assim tão bem. O que é que pode ter jogado ali contra? Foi um caso isolado ou ele acusa a pressão de jogar em casa?

Frederico Marques: Jogar em casa nunca é fácil. Ele sente que joga bem em Madrid, Barcelona, Valência e pensa ‘mas porque é que eu não posso jogar aqui tão bem?’ mas temos um João que já ganho um Challenger em Guimarães, que já jogou muito bom nível na Taça Davis e sinceramente acho que vai ser uma questão de tempo até ser muito competitivo também em Portugal.

Não sei se vai ser em 2016 ou 2017 mas vai acabar por surgir. Não posso dizer que será para ganhar porque não o temos a ganhar todas as semanas e não depende só dele. Mas não vou ficar chateado aqui se ele não estiver competitivo aqui e estiver nas semanas restantes. Queremos os dois que ele jogue bem em Portugal mas o mais importante é que ele esteja entre os primeiros 30 do mundo e leve a bandeira de Portugal a todo o lado.

Ténis Portugal: A Taça Davis continua a ser ponto assente no calendário do João?

Frederico Marques: Sim, claro, claro. Tanto o João como eu tentamos estar sempre disponíveis para ajudar Portugal. Eu já cheguei a dizer que nem que o João tenha de jogar na terceira ou quarta divisão [jogamos]. Estamos em Espanha, trabalhamos em Espanha, temos um bocadinho da mentalidade do ténis espanhol e um bocadinho do mundo mas adoramos Portugal e ele adora representar a selecção.

Um dos objectivos [para 2016] é ir aos Jogos Olímpicos. A bandeira… Acho que é uma coisa única e estava dentro dos nossos objectivos para 2015/2016 e neste caso vou tentar prepará-lo da melhor maneira para ele estar super competitivo para enfrentar a Áustria.

Ténis Portugal: A propósito do capítulo da Taça Davis, 2015 foi um ano ‘especial’, em que Portugal jogou três eliminatórias em ‘casa’ e o Frederico esteve sempre presente. Como é que foi estar perto da equipa, apoiá-los e fazer parte de todo aquele ambiente?

Frederico Marques: Para mim é um privilégio e uma honra poder estar com a equipa, com o Nuno Marques, que foi um excelente jogador e agora é um capitão exemplar, e o mesmo com o Emanuel, treinador. Eu gosto de aprender e de ser essa esponjinha que anda pelo circuito, jovem, a tentar aprender e estar com eles.

Penso que também tenho o meu ponto importante [na equipa], sou um elo de ligação entre a equipa técnica e o João porque já o conheço muito bem, são muitos anos com ele e tento ter o feedback do João, o feedback da equipa. Estou para ajudar mas não só o João, também os outros elementos. Até mesmo na parte da alimentação, estou para ajudar. Acho que quanto mais melhor e com a experiência que tenho tido no circuito a selecção também fica a ganhar um bocadinho, é um ‘plus’.

Ténis Portugal: Como é que se vão preparar para a época de 2016?

Frederico Marques: 2016 vai ser uma época importante e diferente, em que entram os Jogos Olímpicos, portanto temos um momento onde o João vai ter de estar em forma. No ténis é um bocadinho diferente das outras modalidades, em que por vezes podem existir microciclos. Aqui é preciso ser consistente ao longo de todo o ano, mais virado para os Grand Slams mas claro que na semana dos Jogos Olímpicos temos de descansar um antes e preparar-nos bem.

Em relação à pré-temporada, vai ser diferente do ano passado, em que eu analisei as duas últimas época do João, a fase onde lhe custou estar competitivo, a arrancar com vitórias, portanto para a pré-temporada na altura decidi optar por algo mais competitivo, com mais jogos, fomos a Monte Carlo para poder fazer sets com Djokovic, Raonic, Seppi, Troicki para ‘perder o respeito’ e tentar ganhar nos treinos para depois se nos encontrássemos em meias-finais ou finais tivesse mais desbloqueada essa ideia, como aconteceu com o Raonic, em que estivemos quase e [a derrota] não foi por não acreditar, foi um nível óptimo.

Para a próxima época época vou mudar um bocadinho porque temos um João mais estável, com mais jogos e muitas mais vitórias, mais confiante nele próprio e portanto vamos trabalhar mais a técnica e a intensidade e não tanto a parte competitiva.

Vamos ficar em Espanha, que tem dos melhores jogadores do mundo para treinar. O João vai começar a temporada em Auckland com um ATP 250 como preparação para um Grand Slam e temos de estar com os olhos direccionados para jogos a cinco sets. Vamos dar uma importância mais elevada a treinos de longa duração, de 2h30/3h, para tentar simular o que ele vai encontrar. Não vai ser fácil porque estamos em dezembro mas vamos treinar com as mesmas bolas e aproximar-nos ao máximo da realidade.

Ténis Portugal: O João está neste momento em 34.º, um ranking histórico para o ténis português. Quão importante seria ser cabeça de série no Australian Open?

Frederico Marques: É sempre importante ser cabeça de série mas isso não garante que ele faça uma terceira ronda ou que ganhe mesmo a primeira, mas dá alguma tranquilidade para poder dormir. Vamos ser realistas: independentemente do nível, é importante [ser cabeça de série], mas não só para a Austrália. Eu acho que temos uma boa oportunidade de fazer um bom princípio de época e há vários torneios em que o João pode pontuar para somar mais pontos e pensar num melhor ranking que 34. Sendo cabeça de série poderia ser um pouco mais fácil no sorteio e é importante sê-lo nalguns ATP 500 e entrar com facilidade nos Masters 1000 para ver o que acontece lá.

Ténis Portugal: Qual é o Grand Slam mais favorável ao João?

Frederico Marques: Depende do ano, dos padrões que ele tem, da confiança. O João é um jogador muito completo, que já fez meias-finais em relva, finais em terra e ganhou títulos em piso rápido. Tem muito boas sensações no US Open, onde a bola normalmente é rápida e o campo não é muito e ele gosta dessas sensações, e em Roland Garros também. [Lá] o campo não é muito rápido mas a bola sim e em termos de terra é praticamente o mais rápido do circuito e a qualidade é espectacular.

Ténis Portugal: Vocês têm mantido uma presença muito forte nas redes sociais e falam com várias pessoas através dessas plataformas. De que forma é que gerem as expectativas à volta do João e, estando mais predispostos a receber esse feedback do público, como é que gerem a questão das expectativas criadas?

Frederico Marques: Eu lembro-me de que o João ainda não estava nos primeiros 100 e as pessoas diziam que com o nível que ele tinha nunca poderia estar; e depois quando estava que nunca ia aguentar, depois que nunca ia estar e aguentar nos primeiros 50, nos primeiros 40… E é óptimo que continue assim! Em relação às redes sociais somos duas pessoas quem adoram a crítica. Gostamos de aprender e ver a imagem que nós damos. Tanto ele como jogador e eu como treinador gostamos que os mais pequeninos possam ver e que seja acessível fazer as perguntas ao João. Queremos que as pessoas vejam que é possível ser um treinador e estar neste caso na elite, que é possível que um jogador seja português e esteja nos 50 primeiros, estar em Roland Garros e estar a tentar um 5.º set com o Murray, jogar com o Raonic, ganhar títulos e que o treinador também seja português e neste caso nas redes sociais gostamos de ver mas não só quando dão os parabéns — também gostamos de ver quando há três ou quatro pessoas a dizerem-me que ele não evolui, que o serviço é péssimo… Eu tento não responder, para não entrar em conflito, mas gosto de saber o feedback das pessoas e o João também.

Ténis Portugal: Do que tem acompanhado dos tenistas portugueses mais novos que vão disputando o circuito de juniores, como é que acha que está o nível e o que diz do ténis português?

Frederico Marques: Tento sempre acompanhar mas não é fácil porque viajo imenso e a exigência é enorme. No US Open consegui ver o jogo do Felipe Cunha e Silva e sempre que posso e coincidimos com outros jogadores tento ver. Tento ver os vídeos que metem nas redes sociais e muitas vezes até comento com o João ‘olha a direita, a esquerda, o slice’. Acho que Portugal está num momento de ouro no ténis, não só pelo João mas pelo Gastão Elias e pelo que já passou, com o Rui Machado e o Frederico Gil. Estamos a subir há 10 anos. Há cada vez mais patamares e estamos a subir mais rápido do que eu pensava: há 30 anos se calhar ter um jogador nos primeiros 100 era impossível; há 20, podíamos ter um; há 10, podíamos ter um e ver que passava uma ronda e agora temos jogadores com títulos desde ATP aos Futures e juniores, sub 12, 14 — acho incrível!

Tenho é pena de que o ténis não esteja nas nomeações para prémios em Portugal e que os jornais não dêem tanta importância ao ténis e às outras modalidades porque também existe um esforço imenso dos desportistas e treinadores. Acho que [o ténis] já está noutro nível e vai ser uma questão de tempo ter mais jogadores nos primeiros 100, 200 e penso que daqui a uns anos vamos ter mais Futures e Challengers, e porque não outro ATP, porque vamos ter um bom nível de jogadores.

Ténis Portugal: Ao longo desta conversa tem falado de vários aspectos do treino, como a nutrição, a parte física, e um treinador tem de ser um bocadinho de tudo isso. Ao longo do ano, quantas horas por dia, ou por semana, dedica a esses factores extra-ténis que muitas vezes as pessoas não se apercebem que são tão ou mais interessantes?

Frederico Marques: Como faz parte da minha maneira de ser não sei dizer… Acho que um treinador hoje em dia tem de ser um bocadinho de tudo: pai, irmão, ou seja, tem de dar apoio, carinho e ser muito completo porque a exigência é máxima e muitas vezes não é só uma direita, uma esquerda ou a movimentação mas também uma boa alimentação, recuperação, descanso, hidratação, fazer a digestão mais rápido que fazem com que no dia a seguir ele [João Sousa] acorde melhor e se juntarmos todos estes pequenos pormenores vão fazer uma diferença que poderá ser suficiente para ganhar.

Chegamos a um momento em que começa a ser complicado melhorar e por isso temos de agarrar estas coisas e somá-las ao máximo. Tento ser melhor todos os dias, ajudar o João com o que posso e não posso e aprender. É a minha maneira de trabalhar, não só mental, táctica e tecnicamente mas também com o descanso, hidratação, falar, ser amigo. Esta frontalidade é importantíssima.

Ténis Portugal: Nalguns diários que escreveu para o Ténis Portugal falou-nos de episódios mais caricatos que foram acontecendo no circuito. Que momento ‘diferente’ que tenha acontecido esta época fora do campo pode partilhar connosco?

Frederico Marques: Há muitos momentos. Lembro-me de um que aconteceu há duas semanas: eu não gosto muito de viajar de avião, custa-me e começo a ficar nervoso enquanto o João é o contrário, é uma pessoa super tranquila que diz que nunca vai acontecer nada. Tivemos o voo de Moscovo para Barcelona e eu quase que acabei a chorar porque o avião esteve duas horas a abanar, tiveram de cancelar o serviço de catering e eu ia completamente em pânico. O João não parava de rir ao meu lado e dizer que não ia acontecer nada, enquanto eu dizia ‘mas vais ficar sem treinador! Isto vai acabar aqui…’. Só via a minha parte negativa porque claro que se caísse era para os dois e portanto foi uma risota.

Ténis Portugal: Este ano teve dois ou três desafios interessantes na área do triatlo. Vai continuar com estes desafios?

Frederico Marques: No triatlo não. Eu comecei a fazer Ironmans, uma distância mais exagerada, e em agosto passei para o extremo, que foi o Ultraman, porque queria encontrar o meu limite, físico, mental e aprender em termos de nutrição para ajudar o João em algumas coisas e compreender o cansaço, a recuperação… Foi uma loucura para mim mas ajudou-me no meu trabalho diário.

Para 2016 já tenho outro objectivo porque sou uma pessoa ‘louca’ nestes momentos e gosto de desafios. Inscrevi-me na Maratona de Sales, que é a Maratona das Areias, em Marrocos. Vai ser em abril e são sete dias/sete maratona praticamente seguidas com mochila às costas, comida para a semana toda… Vai ser uma experiência mas não só naquele dia como também ao longo do ano de poder trabalhar com uma nutricionista top e dar esse feedback ao João, poder analisar o meu corpo, o que como e não como, o cansaço, o que durmo, a ansiedade.

Depois comento todos estes aspectos com o João, dou-lhe o meu feedback, vamos testando… Sou essa cobaia e isto é a minha vida, não só estar 100% no João e no ténis mas também ter os meus próprios objectivos que me ajudam em vários aspectos. Foi uma opção que tomei há três anos e ter este objectivo faz-me sentir melhor comigo próprio.

Ténis Portugal: O Frederico ainda é muito novo e a vida de treinador é mais comprida do que a de um jogador. Na fase pós-João já pensou que desafios gostava de ter nesta área?

Frederico Marques: Não, não. Sinceramente eu penso ano a ano. Muitas vezes as pessoas perguntam-nos o que é que vamos fazer quando acabarmos, se vamos montar ou não alguma coisa, mas eu não sei se vou estar com o João em 2017 e não sabia que ia estar com ele em 2016. Gosto de me colocar essa pressão todos os anos e analisar e falar com o João.

Vejo o que faço, tento ter o feedback de outras pessoas e gosto de ouvir a crítica. Eu trabalho assim, ano a ano. Antes de Valência, após uma derrota um bocadinho complicada em termos de nível, eu fui falar com o João e disse ‘olha, as coisas esta semana não correram bem, vamos falar da minha continuidade’. Se as coisas não correm bem é num momento mais crítico que vamos ver se ele está contente, se eu estou ou não e pronto, na semana seguinte [Valência] as coisas correram bem, se calhar podia ter esperado mais uma semana [risos] mas não, eu sou assim: gosto de dar a cara e ir em frente quando as coisas não correm bem.

Ainda não pensei se vou voltar para Portugal ou não porque as minhas energias e cabeça estão a 100% com o João e eu quero é que ele seja melhor pessoa, melhor jogador e que possa estar na elite da elite mundial.

Gaspar Lança & Miguel Dias, novembro de 2015.

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