Entrevista a Maria João Koehler

2015 marca o regresso de Maria João Koehler aos courts. Nascida no Porto, a atleta de apenas vinte e dois anos ultrapassa meses de ausência devido a lesões e, agora em Lisboa e com uma nova equipa técnica, encara com otimismo a competição. Numa grande entrevista ao Ténis Portugal, a ex-número um nacional fala das lesões que a mantiveram afastada do campo durante a maior parte da última época, do trabalho de superação e das semanas de competição com que dará início ao ano.

“É um começo, ou um recomeço. Continuo com os mesmos objectivos e com a mesma mentalidade de entrar no court sempre para ganhar.”


Ténis Portugal: Para começar, como tem corrido a recuperação? Já estás sem dores?

Maria João Koehler: Ainda tenho tido algumas precauções mas não tenho tido dores com frequência. Às vezes, quando treino um bocadinho mais, sinto o joelho mas para já o problema está a ser controlado. Já arrisco um bocadinho mais, claro que com cuidado, mas tem corrido bem e se continuar assim vou começar a competir daqui a duas semanas

Ténis Portugal: Sabemos que tens vindo a treinar com mais intensidade e com vários jogadores. Podes falar-nos um pouco das últimas semanas? Estás a sentir-te melhor no campo?

Maria João Koehler: Estou a sentir-me melhor, acho que ter vindo ao estágio [da selecção portuguesa da Fed Cup, no CAR, em Lisboa] foi muito positivo porque antes do estágio tirei dois dentes do siso e tive uma semana sem poder treinar. Jogar com outras jogadoras também me fez estar um pouco mais motivada porque como andava a treinar pouco não podia estar a limitar outros jogadores e jogava muito com o meu treinador e eu adoro uma dinâmica de mais desafios e de competição. Agora tenho jogado com outros atletas, o que acho que é muito importante, e tenho-me sentido e treinado bem.

Ténis Portugal: Estiveste muito tempo parada pelo que acaba por ser um começo do zero, um fresh start. Como é que estás a encarar todo este processo e regresso?

Maria João Koehler: Não vou mentir: inicialmente é sempre duro. Não é perceber porquê porque isso [lesões] acontece a todos os jogadores, mas saber que agora vou ter de começar num ranking no qual não estou há alguns anosos e completamente do zero e a jogar torneios mais baixos pareceu-me um bocadinho preocupante no início, até porque não compito desde agosto. Tive quatro meses aqui [em Lisboa] que supostamente seriam a treinar mas nem isso podia fazer mas acho que agora a minha energia está direccionada para o sítio certo e estou com vontade de voltar à rotina normal, de viajar muitas semanas por ano, e estou motivada.

Entrevista Maria João Koehler 4

Ténis Portugal: Podemos então dizer que o pior já passou?

Maria João Koehler: Acho que venho de uma fase dura. Não vou sair vitoriosa de todos os encontros como gostaria, como qualquer um gostaria, e vai ser certamente mais difícil lidar com uma derrota em torneios mais baixos do que aqueles que estava a jogar mas sei que é uma realidade porque já não compito há muito tempo e acho que isso também é importante. Vou começar sem ritmo competitivo. O meu principal objectivo é testar o joelho e vou jogar em superfícies mais rápidas, algo que não me foi muito aconselhado mas que tem sido feito porque o tempo cá me tem proporcionado poucas hipóteses de treino em terra batida e também por causa da Fed Cup. Estou com muita vontade de voltar a competir, sem pressões, e é ir jogo a jogo para voltar a ganhar confiança e tentar voltar rapidamente ao meu nível.

Ténis Portugal: Os treinos têm sido quase todos em piso rápido, certo?

Maria João Koehler: Quando eu estava pior do joelho o médico disse-me que teria de jogar em terra batida mas como estava sempre a chover achámos, em conjunto com o meu fisioterapeuta, que faria mais sentido estar sempre em rápido do que 4 dias e depois 1 dia em terra batida, isso seria mais agressivo. Como o meu joelho tem aguentado bem fomos ficando por aqui, nesta superfície. Provavelmente não vou poder fazer tantas semanas em rápido como costumo ou como gostaria mas para já é uma situação que está mais ou menos controlada.

Ténis Portugal: Nos últimos tempos mudaste algumas coisas na tua carreira e também na tua vida. Vieste para Lisboa, começaste a trabalhar com o Tiago Correia. É certo que acabam por ser um pouco ‘apanhados’ pelas lesões mas podes falar-nos do trabalho que tentam (ou vão tentar) fazer?

Maria João Koehler: Foi muito complicado porque eu vim para cá para treinar com o Pedro Magalhães. Foi uma parceria curta mas que terminou a meio da época e eu não queria estar à procura de uma pessoa em quem não tivesse a certeza de que confiava e mudar coisas a meio da temporada.

O Tiago começou numa dinâmica de me ajudar nos tempos livres mas eu comecei a gostar e achei que fazia sentido haver uma aposta maior no sentido de ele estar comigo a tempo inteiro. O que aconteceu depois foi algo ingrato porque é chato tanto para mim tanto para ele não podermos trabalhar porque assim que treinávamos um bocadinho eu sentia logo dor: tive uma ruptura abdominal e o joelho; o joelho disseram-me que não era nada de especial e que tinha era de curar a ruptura. Tive algumas cinco semanas a tratar do abdominal para não ter sequelas e quando voltei a treinar tive a dor no joelho.

Ou seja, desde agosto treinei no máximo um mês e treinava, parava, treinava, parava. O médico disse-me que não ia aguentar competir em novembro e quisemos aproveitar esses três meses para fazer uma boa pré-temporada e melhorar aspectos físicos, técnicos e tácticos e não pudemos trabalhar muito. Agora, o mais importante para mim é competir porque estive vários meses parada, por lesões mais pequenas e opção própria, também. O que me estava a faltar era competir bem porque a treinar estava bem, não me sentia a regredir, pelo contrário, só que depois tinha um bloqueio e acho que é por aí que temos de ir agora.

Entrevista Maria João Koehler 2

Ténis Portugal: Falas algumas vezes de falta de confiança, dúvidas dentro do campo, hesitações… Hoje, à entrada para uma nova época e depois de todo este trabalho de recuperação, estás mais forte e confiante psicologicamente?

Maria João Koehler: Não acho que a minha falta de resultados e confiança se devessem ao nível do momento porque não deixei de saber fazer direitas ou servir. Numas altura em que mudei tanto na minha vida e investi todo o meu dinheiro para ser a melhor jogadora possível, a falta de vitórias acabou por ser algo ingrato. Estava também numa fase de adaptação a treinadores que não foi fácil.

Na semana do Portugal Open treinei três vezes com a Monica Puig a fazermos sets, eu ganhava-lhe a um nível bastante bom e depois a competir entravam muitas coisas na cabeça. No dia anterior ao jogo já estava muito ansiosa e nervosa, passado uns tempos cheguei à conclusão de que não era um problema mental do ténis mas sim porque muita coisa mudou e eu não me sentia muito bem comigo fora do campo. Nunca perdi a motivação para treinar mas depois, nos torneios… E uma derrota e outra acumulam-se sempre e mesmo não querendo uma pessoa já entra com uma postura diferente.

Agora estou a sentir-me bem. Já no Egipto [em agosto, quatro vitórias em duas semanas] senti que apesar de perder nos quartos-de-final houve coisas muito positivas, foram claramente mais as boas do que más e é muito importante valorizar isso. Agora espero conseguir estar com uma boa atitude, no que depender de mim vai ser assim.

Ténis Portugal: A meio do último ano apontavas para um regresso mas acabaste por enfrentar uma nova lesão que atrasou o regresso à competição. Como será tudo a partir de agora? Há um plano traçado e torneios pensados?

Maria João Koehler: No início do ano vou jogar três torneios de 10.000 dólares em piso rápido à Tunísia. Não há muitos torneios no início do ano e mesmo que houvesse com o ranking que tenho provavelmente teria de jogar qualifying. Depois, se for convocada para a Fed Cup irei à Fed Cup e ponderamos ir aos torneios dos Açores e ver se o Tiago pode ir comigo, porque a estes primeiros vou sozinha. Depois disso ainda não tenho nada definido, é ir vendo e se os torneios correrem bem não pretendo ficar nestas provas mais pequenas.

Entrevista Maria João Koehler 1

Ténis Portugal: A época começa praticamente com a Fed Cup. No ano passado sofreste uma rutura abdominal, este ano estás de regresso depois de já teres estado no estágio realizado no CAR. O que é para ti defender as cores de Portugal, sobretudo neste momento de regresso?

Maria João Koehler: Não é diferente, é sempre um sentimento de enorme orgulho e pessoalmente nunca me senti tão nervosa ou com tanta responsabilidade como quando jogo por Portugal. Eu sempre adorei as selecções nacionais, os juniores, cadetes, sempre as vivi muito. Quando era mais nova via muitas miúdas que tinham ou muitos apoios ou tudo de mão beijada e sentia muito que a maior parte delas não tinha grande personalidade e não me identificava minimamente porque via alguns jogos, estavam a perder e quase entregavam o jogo ou não tinham capacidade de lutar e aquilo fazia-me imensa confusão. Eu, por mim, era completamente incapaz de o fazer porque os meus pais sempre fizeram imenso por mim, imensos esforços para eu poder jogar ténis. Nas selecções, nem que esteja a ‘varrer’ o campo, vou sempre dar o meu melhor e tenho orgulho nisso. Vencer pelo nosso país é uma das melhores sensações. Perder e jogar bem não é agradável porque estamos a jogar pelo país mas é um sentimento indescritível, adoro representar Portugal e espero continuar a fazê-lo por muitos anos porque a Fed Cup é sem dúvida uma das competições mais importantes para mim.

Ténis Portugal: Estamos a aproximar-nos do primeiro Grand Slam do ano e acaba por ser difícil passar-lhe ao lado… Foi na Austrália que há três e dois anos viveste dos teus melhores momentos da tua carreira. Que memórias guardas?

Maria João Koehler: Sim, é complicado… Tenho muito boas memórias. A primeira ronda de 2012 teve um impacto espectacular, foi contra a minha jogadora preferida na infância, a Kim Clijsters, num estádio inacreditável de um torneio do Grand Slam. Já tinha jogado o US Open mas esta foi a minha primeira referência daquela dimensão e foi espectacular.

Tinha 19 anos quando joguei com a Clijsters e ela tinha ganho o torneio no ano anterior. Fio para lá sozinha, na primeira ronda do qualifying estive a perder por 0-3 com ponto para 0-4 no último set, não tinha nada a perder. No ano seguinte acho que entrei com uma postura mais madura: sabia que era muito difícil ganhar a uma jogadora como a Jankovic mas era possível e entrei a ganhar, estive muito perto e fiquei abalada durante uns tempos mas orgulhosa. Foi uma luta e eu dei sempre o meu melhor, já estava com a ruptura abdominal e senti-me orgulhosa. Tenho pena de não ter tido muitas mais exibições a esse nível mas acredito que venha a ter mais e é para isso que tenho continuado a trabalhar mesmo com tantos entraves. Se não acreditasse não estava aqui.

Entrevista Maria João Koehler 5

Ténis Portugal: Ainda és muito nova (vinte e dois anos) pelo que não ponho sequer em cima da mesa um ‘não-regresso’ aos grandes palcos. No entanto agora o processo vai-se inverter e terás de regressar a torneios de dimensões menores. Estás preparada? É algo que apesar de tudo te motiva neste momento?

Maria João Koehler: Como disse, não vai ser fácil. Por um lado é bom eu já ter estado nesses torneios porque a principal diferença de 10.000 para 25.000 é a mentalidade. Se calhar entre um 10.000 e um 25.000 hoje em dia o nível não é assim tão diferente mas a mentalidade das miúdas que lá andam não é a que eu quero ter nem acho que seja saudável para ninguém ficar muito tempo nesses torneios se tem capacidade para jogar outros. Obviamente é uma etapa. Eu sinto-me motivada, quero ganhar jogo a jogo e cada jogo vai ser uma vitória, se perder também não vou fazer grandes filmes da mesma maneira que se correr muito bem não vou. O mais importante é sentir-me bem comigo própria todos os dias, sem dores e ir valorizando as coisas pequeninas que vou conquistando e esperar que corra tudo bem.

Ténis Portugal: Chegaste a estar no 102º lugar do ranking, muito perto das 100 primeiras. Era um marco muito importante para ti naquele ano de 2013?, sentes que as coisas poderiam ter sido diferentes a partir daí?

Maria João Koehler: Eu acho que fugi um bocadinho do feito que seria. Estava a 102ª e as pessoas falavam disso, estive perto durante algum tempo, a 30 pontos de entrar no top100. Na altura eu e o Nuno decidimos fazer só torneios WTA e eu tive noção de que se fosse jogar um Challenger se calhar obteria esses pontos mas achávamos que se eu tinha nível para entrar nos torneios grandes era ali que queria estar e pronto, se continuasse a fazer as coisas bem naturalmente acabaria por acontecer. Mas lembro-me de, não sei se antes ou depois dessas semanas, estar a falar com o Rui Machado e dizer que ‘o top100 é uma etapa, claro que gostava mas não é uma prioridade’; mais tarde tive pena de não ter entrado mas se não tiver muitos mais entraves acredito que posso chegar lá.

Não é um objectivo prioritário, sei que tenho uma luta bastante dura pela frente e não vai ser nada fácil, vou ter de saber lidar com as derrotas em torneios inferiores, que inevitavelmente vão acontecer, e começar um ano com praticamente zero pontos. Seria bastante ambicioso dizer que o objectivo do próximo ano é estar no top100. Os principais objectivos são não ter nenhuma lesão este ano e sentir-me bem comigo a jogar, obviamente que gostava de acabar entre as 200, talvez 150 primeiras mas se são acontecer não vou morrer, tenho 22 anos e acredito que o top100 há de chegar.

Ténis Portugal: Há sempre uma certa tendência do público para se referir e pensar no futuro do ténis português mas se analisarmos bem vemos que tanto tu como a Michelle são o futuro: são muito novas, os recordes nacionais já são vossos e têm ainda toda uma carreira à vossa frente. Este regresso, por tudo o que implica, é uma perseguição da Maria João Koehler que já todos conhecemos enquanto jogadora ou um começo completamente diferente?

Maria João Koehler: É um começo, ou um recomeço. Todos os jogadores que estão lá em cima já tiveram uma fase menos boa e provavelmente muitos ainda vão ter mas falando do ténis português, por exemplo o Rui Machado esteve lesionado muitíssimo tempo e eu continuo a acreditar que ele tem nível para chegar onde já esteve e fazer melhor. Eu continuo com os mesmos objectivos e com a mesma mentalidade de entrar no court sempre para ganhar. Claro que tenho de gerir um bocadinho as minhas espectativas mas acho que é bom que olhem para nós como pessoas que podem dar um bocadinho mais ao nosso país, isso pode ser um factor extra de motivação. É óptimo termos o apoio e que as pessoas acreditem em nós, apesar de em Portugal ainda ser tudo muito direccionado para o futebol e as pessoas acreditarem pouco que se pode fazer jogadores em Portugal, que só lá fora é que se podem fazer. Eu acho que já houve várias de que isso não é bem verdade, se calhar há mais condições e é mais provável mas não é impossível fazer um jogador em Portugal. Eu continuo com os meus objectivos, não tenho lutas com ninguém… Acho e espero que se estiver bem fisicamente vai correr tudo bem e é isso que eu mais quero.

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