É o mais relevante encontro de ténis de todos os tempos – o duelo entre Bjorn Borg e John McEnroe capturou o imaginário do planeta e mudou a minha vida para sempre. Aqui fica a minha recordação e a minha homenagem, na sequência do filme esta semana estreado em Portugal.
Por Miguel Seabra
Há duas cimeiras em torneios do Grand Slam que são apontadas como as mais relevantes finais na história do ténis – e ambas aconteceram em Wimbledon. Na segunda, em 2008 e sentado na bancada de imprensa do vetusto Centre Court, senti algo que nunca antes sentira nem voltei a sentir em qualquer outra circunstância: o meu coração ‘parou’ no momento mais dramático do tie-break do quarto set, quando Rafael Nadal dispôs do segundo match-point e Roger Federer o salvou para remeter a decisão da final para a quinta partida; a rivalidade entre ambos estava no apogeu e a tensão era brutal…
Nesse momento de sufoco literal pensei na outra final, naquela que foi considerada a mãe de todas as finais de torneios do Grand Slam e que constitui o paradigma da mais perfeita rivalidade na história do ténis: a de Bjorn Borg e John McEnroe, em 1980. E achei que, contra a maré do confronto, Nadal iria mesmo ganhar no quinto set, porque também Borg não havia concretizado matchpoints num titânico tie-break do quarto set para depois esconjurar a inerente frustração e impor-se numa longa partida decisiva. Foi o que acabou por acontecer. Tanto em 1980 como em 2008 prevaleceu a consistência sobre o repentismo, com algumas grandes diferenças: em 1980, Borg era o mais calmo dos dois e ganhou o seu quinto título consecutivo face ao outsider; em 2008, Nadal era o mais temperamental dos dois e impediu um sexto título consecutivo do seu rival, que era o favorito à partida para o embate.
E ao visionar pela primeira vez o filme Borg vs McEnroe não pude deixar de pensar a certa altura: daqui a 20 anos estaremos a ver uma película semelhante sobre a rivalidade entre Roger Federer e Rafael Nadal – centrada na respetiva final de 2008 que jogaram em Wimbledon, que passa por ser a mais emblemática contenda de todos os duelos protagonizados por ambos (e já tinham jogado nas decisões de Wimbledon em 2006 e 2007).
Fotografias do filme (disponibilizadas pela produtora Films4you):
Um marco incontornável
Essas duas finais estão no topo dos melhores embates de ténis de sempre devido à ocasião, ao local, ao pedigree, às personalidades distintas, ao contraste de estilos e ao impacto global gerado pela rivalidade entre os intervenientes. No entanto, apesar disso e da ameaça de paragem cardíaca, nenhuma das duas me emocionou tanto como dois outros encontros – a vitória de Henri Leconte sobre Pete Sampras que encarrilou a França para uma vitória na final da Taça Davis de 1991 (Leconte jogou o encontro perfeito que eu uma vez sonhei jogar); e o triunfo de um Goran Ivanisevic vindo das profundezas do ranking sobre Patrick Rafter na também equilibradíssima final de Wimbledon em 2001 (tinha visto Goran perder três finais antes e a sua felicidade extrema por finalmente ter conseguido o seu Graal comove-me sempre que vejo imagens da ocasião). Mas devo confessar que também me emocionei bastante ao ver o filme Borg vs McEnroe… afinal de contas, muito do que sou hoje se deve a essa lendária refrega.
Vi a final de Wimbledon de 1980 em Coimbra, na sala de jantar da casa dos meus pais. No dia 5 de Julho, um sábado – pouca gente se lembrará que só a partir de 1982 é que as finais de Wimbledon se começaram a realizar ao domingo. Eu já tinha jogado ténis antes, mas de modo muito irregular e o meu preferido até era Vitas Gerulaitis (foi dele o meu primeiro poster de ténis); também já tinha visto vários outros encontros de ténis antes via RTP, mas esse foi o primeiro que a minha memória recorda mais vividamente. Lembro-me da estupefacção pela facilidade com que McEnroe ganhou o primeiro set, lembro-me de ter ido bater umas bolas contra a parede a meio da final, lembro-me do interminável tie-break e lembro-me do ajoelhar de Borg na vitória que se tornou no padrão das celebrações de títulos do Grand Slam. E logo a seguir voltei a ir bater bolas contra a parede, lá perto de casa.
Hoje em dia, depois de tantos anos a virar frangos e porque cedo me formatei para não ter preferidos sendo jornalista e sobretudo porque para mim o ténis está acima de qualquer jogador/personalidade, não tenho favoritos. Mas na altura era um miúdo e estava pelo McEnroe – acho que nessa final tão polarizante 99,9 por cento das pessoas terão tomado partido por um dos dois, mesmo os jornalistas da altura. Curiosamente, Borg influenciou mais o meu jogo nessa fase inicial da minha ‘carreira’, com o topspin exagerado e a esquerda a duas mãos, para além de ter posteriormente comprado equipamentos Fila da linha especialmente dedicada ao campeoníssimo sueco e até mesmo sapatilhas Diadora com a sua assinatura.
Naquela altura, em Portugal não se podia adquirir os equipamentos Fila de Bjorn Borg ou Sergio Tacchini de John McEnroe em praticamente lado nenhum e a esmagadora maioria das pessoas num país ainda pós-revolucionário nem sequer conhecia essas marcas italianas – tão representativas do domínio transalpino na moda do ténis da altura, juntamente com a Ellesse, Cerruti, Maggia, Australian (italiana, apesar do nome!) e LaFont. Numa era em que os calções eram curtos e as marcas de vestuário eram exclusivamente marcas de roupa, enquanto as marcas de sapatilhas eram exclusivamente marcas de calçado, sendo excepção a Adidas – que vestia e calçava Stan Smith e Ilie Nastase.
Borg também calçava italiano: Diadora, que idealizou uma nova sola revolucionária que aderia especialmente à relva e que contribuiu mais para os êxitos do seu patrocinado em Wimbledon do que se pensa. McEnroe era calçado por uma então jovem marca americana, a Nike. Quanto às raquetes, o sueco usava a Donnay Borg Pro, com o seu cabo extra longo e cosmética preta/laranja inovadora; o estadunidense optava por aquela que para mim é a mais bonita raqueta de madeira de todos os tempos, a Wilson Jack Kramer Pro Staff. Os blusões dos equipamentos de ambos também ficaram para a lenda e têm um grande impacto visual no filme e nas próprias imagens de promoção – embora despojados dos respetivos logotipos Fila e Sergio Tacchini, tal como os equipamentos. Na altura, os jogadores usavam a mesma linha de vestuário durante muito tempo (até mesmo vários anos; hoje em dia, um Roger Federer usa seis linhas diferentes numa única época) e isso ajudava à consolidação da sua imagem; como se pode também constatar, na altura o All England Club era muito mais permissivo quanto à utilização de cor nas roupas, passando a exagerar na regra do predominantly white somente a partir da década de 90. Há tradições que não são bem o que se pensava que eram…
Impacto mundial
Se essa final Borg vs McEnroe foi um marco absolutamente determinante na minha vida (capturou o meu imaginário, fez-me definitivamente inclinar para o ténis em vez do futebol e essa paixão tornou-me jogador, campeão universitário, treinador, juíz-árbitro e árbitro de cadeira profissional até chegar ao que sempre quis ser: jornalista especializado; as minhas viagens no circuito permitiram-me aperfeiçoar o gosto que tinha por relógios e tornar-me igualmente jornalista especializado em alta relojoaria), foi igualmente inesquecível para todos os que tiveram qualquer espécie de contacto com ela. E sobretudo foi fundamental para o desenvolvimento da modalidade à escala mundial e nacional em particular – numa altura em que o núcleo tenístico era muito restrito mas de grande militância, com João Lagos a organizar os primeiros torneios internacionais de reduzido prize-money mas que serviram de catapulta para as outras grandes realizações posteriores que tiveram o condão de me recrutar para o seu seio.
Claro que hoje em dia qualquer grande final de um torneio do Grand Slam entre Roger Federer e Rafael Nadal (ou envolvendo qualquer um dos Big 4) tem uma repercussão tremenda, para mais com a propagação das redes sociais. Mas, mesmo que eventualmente maior, é uma repercussão que não se pode comparar à que essa final de 1980 teve. Na altura, havia poucos canais em cada país, pelo que a maior parte das pessoas por esse planeta fora viu essa cimeira numa emissora nacional e não num canal de desporto perdido entre centenas. Ou viu a icónica imagem de Bjorn Borg ajoelhado na capa dos jornais.
E por mais supervedetas que sejam Roger Federer, Rafael Nadal ou Novak Djokovic mais os seus milhões de followers e todos os títulos do Grand Slam acumulados, nunca houve nem haverá ninguém que tenha atingido o patamar místico ao qual Bjorn Borg se alcandorou. Ninguém antes ou depois de Bjorn Borg se lhe pode equiparar. Porque era frio, porque era introvertido, porque tinha a aura do “I vant (sic) to be alone’ de Greta Garbo, porque tinha fama de extraterrestre, porque o seu misterioso distanciamento gerou toda uma série de mitos urbanos, porque ganhava oito escudos por minuto (um balúrdio, na altura), porque tinha uma catrefada da patrocinadores de toda a ordem e até mesmo mudava de marca consoante o continente (nos EUA chegou a jogar com raquetes Bancroft e no resto do mundo usava Donnay…) até à uniformização global dos seus parceiros comerciais a partir do final da década de 70. Porque era sueco e na altura os Abba, a Volvo e a revolução sexual escandinava também contribuíam para essa mística tão especial… Sim, os tablóides britânicos chegaram mesmo a utilizar o termo ‘Borgasmo’ relativamente ao efeito que tinha sobre as suas fãs!
Um elenco consistente
O filme de Janus Metz, sendo de produção escandinava e falado maioritariamente em sueco, centra-se naturalmente mais em Bjorn Borg – o título original até é ‘Borg’, sendo depois transformado em ‘Borg vs McEnroe’ para uma melhor abrangência global e potenciação da famosa rivalidade. A grande maioria dos actores são suecos, incluindo Bjorn Borg, interpretado por um muito convincente Sverrir Gudnason, e Lennart Bergelin, o lendário treinador e faz-tudo que é interpretado pelo consagrado Stellan Skarsgard, sem esquecer Tuva Novotny, que faz de Mariana Simionescu – a jogadora romena tornada namorada e depois mulher de Bjorn Borg, que me confessou ter gostado do modo como foi interpretada e que ficou siderada com as semelhanças entre Sverrir Gudnason e o seu ex-marido.
E, claro, Leo Borg. Que interpreta o próprio pai quando era jovem (até aos 13 anos) e que é para mim a grande revelação do filme – até mais pela representação plena de intensidade e densidade do que pelas excelentes qualidades tenísticas, conseguindo replicar de maneira perfeita (e com raquetas de madeira!) a inconfundível esquerda a duas mãos do progenitor com largada da mão de apoio na parte final do follow-through.
O norte-americano Shia LaBeouf, um actor relativamente conhecido internacionalmente, está razoavelmente bem como John McEnroe, tentando apanhar os tiques semi-paranóicos que chegaram a inspirar Tom Hulce para a representação de Wolfgang Amadeus Mozart em ‘Amadeus’ (já agora, o tema ‘Don’t Get Me Wrong dos Pretenders também foi inspirado por McEnroe!)… embora a produção o devesse ter posto mais louro para ficar mais parecido com Big Mac. Curiosamente, Jimmy Connors – que surge fugazmente no filme e com os seus maneirismos bem apanhados por Tom Datnow, aparece com o cabelo castanho que passou a ter a partir da década de 90 em vez do cabelo preto que tinha na altura. E Peter Fleming, o habitual parceiro de pares de John McEnroe e que o defronta nos quartos-de-final de singulares, não é suficientemente alto…
Já Robert Emms surge perfeito na pele de Vitas Gerulaitis – o louro norte-americano de origem lituana que chegou a ganhar o Open da Austrália e que foi grande amigo tanto de Bjorn Borg como de John McEnroe; aliás, na altura todos eram ou queriam ser amigos do popular Gerulaitis, que era a personificação do playboy tenista e o rei de todas as festas, incluindo as noites loucas novaiorquinas do mítico Studio 54. Robert Emms apanhou incrivelmente bem o olhar e os trejeitos do malogrado Vitas (morto em 1994 na sequência da inalação de gás enquanto dormia), que também participou no conjunto de exibições protagonizadas por Bjorn Borg e organizadas por João Lagos em Portugal no ano de 1982, numa altura em que o campeoníssimo se debatia com os regulamentos e a intransigência do MIPTC (Men’s Internacional Professional Tennis Council, que dirigia o circuito antes do advento do ATP Tour) relativamente à participação num determinado número mínimo de torneios que o sueco não queria jogar e que também contribuíram para a sua saída precoce do circuito.
Outro pormenor que me impressionou muito no elenco foi o facto de tanto os pais de Bjorn Borg como de John McEnroe no filme estarem muito parecidos com os reais progenitores – pelo menos são quase iguais à ideia que eu tinha deles a partir das transmissões televisivas e de fotografias da altura.
O que podia ser melhor
Mas, ao contrário do que se vê no filme, McEnroe não teve só o pai a vê-lo na final de 1980. Teve também pelo menos o irmão Mark e a namorada Stacey Margolin, que na altura jogava no circuito feminino. Aliás, o que para mim saltou à vista na réplica do Centre Court montada em Praga para as filmagens foi a existência de um anel de camarotes à volta do Centre Court – e no verdadeiro Centre Court não há sequer camarotes regulares delimitados, havendo apenas a Royal Box (Camarote Real) e um Players’ Box com duas fileiras de cadeiras compartilhadas por ambas as entourages dos jogadores em acção no campo. Esse é, para mim, um pormenor incompreensível: se se deram ao trabalho de preparar uma espécie de réplica do Centre Court, porque não fazê-lo mais fidedignamente? Mesmo o espaço à volta do campo é demasiado exíguo, com as cadeiras dos jogadores excessivamente perto dos espectadores…
Outro detalhe que poderia facilmente dar mais credibilidade à reconstrução histórica é o dos equipamentos. Ok, possivelmente não surgem os logótipos da Fila e da Sergio Tacchini por alguma razão contratual que me escapa. Mas poderiam ter escolhido equipamentos com o tamanho certo e ajustado típico da altura e não um tamanho acima, como se passaria a usar mais tarde na década de 80 (na de 90 até se usavam três números acima…)! Para além disso, Shia LaBeouf, no trajeto para a final, usa réplicas de camisas Sergio Tacchini de anos seguintes, nomeadamente a camisa que Big Mac usaria na final de 1981, quando se vingou de Ice Borg!
Esse desfasamento no tempo relativamente a John McEnroe não se confina aos equipamentos – também surge nas birras que deram fama e infâmia ao novaiorquino. Logo no primeiro trailer que vi constatei que estava a ser utilizada e situada nessa edição de Wimbledon de 1980 uma tirada do Super Brat relativa aos quartos-de-final do torneio de Estocolmo de 1984 diante de Anders Jarryd: a do “answer the question, jerk!”. Após ver o filme constatei que outras tiradas da edição de 1981 também foram ‘puxadas’ para 1980: as celebérrimas “you can not be serious” e “chalk flew up” da primeira ronda face a Tom Gullickson. Possivelmente a realização quis ‘apimentar’ o filme alargando o catálogo de diatribes de McEnroe, mas quem tem uma perspetiva histórica mais apurada vê logo que a coisa não bate certo…
… tal como a famosa frase do poema ‘If’ de Rudyard Kipling presente no All England Club e que por isso passou a simbolizar o ideal amador (‘If you can meet with triumph and disaster, and treat those two impostors just the same’… uma espécie de ‘perder ou ganhar, tudo é desporto’) não está por cima dos dois jogadores sentados na antecâmara para o Centre Court, como se vê no filme – está por cima de uma das portas!
O famoso placar electrónico de Wimbledon surge convincente, sendo que tinha sido adoptado um ano antes dessa final de 1980 em substituição dos tradicionais scoreboards manuais. E o nome Rolex surge em destaque e lá se mantém no torneio ‘verdadeiro’, numa das mais antigas parcerias no universo do desporto. Presumo que a Rolex terá dado a sua contribui$$ão ao filme, já que é patrocinadora de Wimbledon desde 1978 e que nos últimos anos juntou Bjorn Borg ao seu rol de velhas glórias como embaixadores da marca; Sverrir Gudnason usa um Datejust aço/ouro com bracelete Jubilee que é várias vezes visível e Shia LaBeouf também enverga ocasionalmente um Rolex… com uma nuance que detectei: na verdade, e mesmo sendo esquerdino, McEnroe punha o relógio no pulso esquerdo – e não no pulso direito como se vê no filme!
A acção e a ‘Guerra de 1816’
Quanto ao ténis propriamente dito… é minimamente aceitável. A maior parte dos filmes de ténis é pouco verosímil aos olhos de um aficionado e não vi sequer ainda o ‘Guerra dos Sexos’, entretanto também estreado e que recorda o lendário encontro entre Bobby Riggs e Billie Jean King no Adstrodome de Houston em 1973 (as críticas parecem boas!). Por exemplo, o mais ou menos recente ‘Wimbledon’, uma comédia romântica de 2004, revelou-se uma tragicomédia no plano da qualidade de jogo (computorizada) e da verosimilhança (meias-finais ao mesmo tempo em courts diferentes, etc, etc, etc, etc, etc… e ainda etc).
No filme Borg vs McEnroe há tenistas ‘verdadeiros’ que fazem de duplos nas filmagens das jogadas (que reconstroem as jogadas originais) e os dois rapazes que representam Bjorn Borg enquanto jovem sabem mesmo jogar (incluindo o filho Leo Borg). Os movimentos dos personagens de Bjorn Borg e de John McEnroe no court são típicos deles, desde o bambolear do sueco na resposta à colocação lateral do norte-americano no serviço. Todas as jogadas emblemáticas da final foram replicadas fielmente na medida do possível, tanto que eu próprio reconheci imediatamente a maior parte delas – incluindo aquelas que integram o âmago da cimeira: o tie-break do quarto set que tanto contribuiu para a lenda e só foi resolvido por 18-16 em favor de McEnroe no seu quinto set-point… depois de Borg ter desperdiçado sete set-points (dois deles antes do tie-break, quando serviu a 40/15).
Esse mítico tie-break, apelidado de ‘Guerra de 1816’ pelo meu saudoso colega Bud Collins devido ao suspense e ao extenso marcador, teve índices dramáticos elevadíssimos e o facto do norte-americano o ter ganho de maneira tão marcante fez com que muita gente ficasse a pensar que ele é que tinha ganho a final, depois de assentada a poeira da memória. Miguel Sousa Tavares é uma dessas pessoas. Já por várias vezes, nas suas crónicas no jornal A Bola, relembrou vivamente essa final de Wimbledon que ele diz ser capaz de recordar quase ponto por ponto, referindo que McEnroe se atirou para a rede em todas as jogadas para bater Borg em cinco sets. Ora McEnroe nunca ganhou em cinco sets a Borg em Wimbledon; a final que ganhou, no ano seguinte, foi em quatro sets… e é por isso que, quando Miguel Sousa Tavares fala de outros temas mais sérios, não consigo confiar nele!
Conclusão/Conclusões
E certamente haveria muito mais para contar e que recordei durante os dois visionamentos que fiz e que entretanto esqueci. Para além de informação básica sobre o filme e que fui vendo aqui e ali nos meses que antecederam a estreia, não quis estar a ler qualquer observação ou crítica entretanto feitas pelos especialistas – e optei por escrever este texto de uma assentada até porque tenho outros deadlines para cumprir, mas também é bom que fiquem coisas por recordar e por dizer porque conto voltar a ver o filme após já o ter feito por duas vezes aquando do visionamento para a imprensa (ainda foi possível ajudar a corrigir alguns erros de tradução) e da ante-estreia…
Também acho bom ficar por aqui porque a peça já vai muito longa (até tenho receio de contar os caracteres) e os futuros espectadores não podem ir ver o filme de cabeça demasiado cheia de informação. Mas cabe-me aqui deixar uma nota específica: mesmo sendo de natureza pessimista, Bjorn Borg parece excessivamente vulnerável na película e os seus temores/receios/angustias poderão defraudar a recordação ou as expectativas de quem se habituou a endeusá-lo ou a vê-lo caraterizado como uma máquina infalível, implacável e incansável. Como um rei. Como um Cyborg, vindo de outro planeta – embora eu sempre suspeitasse, tendo depois vindo a confirmar em entrevistas que lhe fiz, que muita da ‘inacessibilidade’ que lhe era atribuída se devia ao facto de… ele ser distante precisamente por não ter nada de muito interessante ou de muito filosófico para dizer, como se viu recentemente enquanto foi capitão da equipa europeia na Laver Cup.
De qualquer das formas, Bjorn Borg foi mesmo um fenómeno extraordinário que influenciou decisivamente uma geração e que mudou o ténis para um jogo mais no fundo do court, em topspin e sobretudo com esquerdas a duas mãos. A aura do sueco transformou-o num mito que ultrapassou em muito a sua personalidade e o seu (chato) estilo de jogo que brilhava sobretudo diante de fogosos opositores como os ofensivos Jimmy Connors e John McEnroe. O nórdico jogou apenas 27 torneios do Grand Slam entre 1973 e 1981 (menos dois do que o total de finais do Grand Slam jogadas por Roger Federer!), atingindo a final em 16 ocasiões e ganhando 11. Só competiu no Open da Austrália uma vez, ainda muito novo, e deu-se mesmo ao luxo de optar por jogar exibições lucrativas nos Estados Unidos em vez de defender o título de Roland Garros em 1977 – nessa altura, o Open da Austrália e Roland Garros eram eventos do Grand Slam quase só em nome. Que se pense no índice de sucesso de Bjorn Borg quando se fala em ‘Melhor de Todos Os Tempos’… como ele próprio me disse certa vez quando veio jogar o Vale do Lobo Grand Champions, “naquela altura ninguém pensava nisso, em perseguir recordes de títulos do Grand Slam”, um reparo que serve bem para relativizar a comparação que se teima fazer entre campeões de várias eras de realidades tão distintas.
E, havendo muito mais por dizer sobre o mito transformado em ídolo de pés de barro após a sua saída precoce do circuito e consequentes problemas financeiros (houve uma bancarrota) e amorosos (falou-se de tentativa de suicídio), concluo esta viagem no tempo muito pessoal com um episódio que mostra bem o nível de adulação que Bjorn Borg suscitou. Na sequência da sua tentativa de regresso em 1991, primeiramente mais parecendo um fantasma e usando a mesma raqueta Donnay de madeira para seguidamente voltar um ano depois já com uma raqueta de grafite midsize normal para a época, vi Bjorn Borg perder com Wayne Ferreira na primeira ronda do Open de Monte-Carlo de 1992… defendeu melhor as suas hipóteses, mas voltou a ser derrotado (perderia todos os seus 12 encontros na tentativa de regresso entre 1991 e 1993, sendo que aquele que mais perto esteve de ganhar foi diante de… João Cunha e Silva). E, no fim desse encontro com o sul-africano, saltou um lunático das bancadas do Monte-Carlo Country Club com uma coroa na mão… para a colocar na cabeça do Rei Borg. Bem tentou coroá-lo, mas o antigo monarca foi afastando a cabeça e depois lá tiraram o sujeito do court. Rei ‘morto’, rei ‘posto’…
Façam por ver o filme (se não ficaram com anti-corpos após este meu loooongo ensaio) e depois tentem apanhar a final real de 1980 em Wimbledon no YouTube. Porque vale mesmo a pena. Se são amantes da modalidade, têm a obrigação de lhes prestar a homenagem de ir ver a sua gesta à sala de cinema mais próxima porque o que o ténis é hoje em dia deve-lhes muito. Bjorn & John forever!
PS: Escrevi o texto de afilada e não queria voltar a ele, mas senti-me na obrigação de acrescentar esta adenda para fazer justiça à película de Janus Metz – porque, conhecendo bem a final e relativamente bem os protagonistas, me centrei demasiado nos detalhes e no que estaria bem ou mal. A conclusão que se deve tirar é a de que se trata de um bom filme e ainda bem que a realização é europeia e não uma produção de Hollywood; claro que há situações adaptadas e exageradas para potenciar o fio da narrativa, mas há uma força psicológica importante e a excelente seleção musical contribui para a densidade da trama. Na verdade, Bjorn Borg e John McEnroe já se conheciam razoavelmente bem; o americano já o havia derrotado por três vezes em sete embates anteriores e as palavras que o sueco lhe dirige numa troca de lado no filme tinham sido proferidas antes – num equilibrado duelo de 1979 em New Orleans e quando o resultado estava em 5-5, o plácido Borg chamou o turbulento McEnroe à rede e disse-lhe “isto é só um jogo… relaxa, acalma-te”. O novaiorquino fez o que o seu ídolo de juventude lhe disse e não só ganhou esse embate como nunca mais se portou mal em confrontos com ele. E na sequência dessa final de 1980 à volta da qual anda o filme, perceberam ambos que eram enormes vedetas à escala mundial separadamente mas que eram ainda maiores em conjunto – tal como Roger Federer e Rafael Nadal cedo perceberam isso, muito possivelmente a partir do momento em que a sua final de Wimbledon em 2008 passou a ser comparada à de 1980 entre o escandinavo e o novaiorquino. Para finalizar, aqui ficam os números das lendárias cimeiras de Wimbledon: 1-6, 7-5, 6-3, 6-7 e 8-6 para Bjorn Borg em 1980; 6-4, 6-4, 6-7, 6-7, 9–7 para Rafael Nadal em 2008.