MAIA — Há poucos momentos mais característicos do ténis em terra batida do que aqueles que levam um árbitro a descer da cadeira para verificar uma marca, mas na sétima edição do Maia Open a tradição deu lugar à inovação e o gesto tão repetido pelo mundo fora há várias décadas foi substituído pelo sistema eletrónico de chamada automática das linhas. Uma antecipação do que será posto em prática ao mais alto nível já em 2025 e, acima de tudo, uma vontade dos jogadores, que querem e têm.
“É menos uma coisa em que temos de pensar e isso torna tudo um pouco mais fácil.” As palavras são de Damir Dzumhur, o novo campeão do torneio, que já tinha experimentado o sistema automatizado num torneio em Barletta, Itália, e esta semana voltou a comprovar a eficácia da tecnologia, agora instalada pela Bolt 6.
A empresa fundada em 2022 passou várias semanas instalada no Court Central do Complexo de Ténis do Jamor, em Oeiras, a realizar os testes necessários para obter a homulgação e juntar-se ao leque de confiança da ITF, da ATP e da WTA.
O ténis foi pioneiro no recurso à tecnologia para completar a arbitragem e implementou o famoso “hawk-eye” (olho de falcão) no início de 2006. O sistema permitia aos jogadores contestarem chamadas feitas pelos juízes de linha ou árbitros de cadeira, mas evoluiu e em setembro de 2020 substituiu o fator humano nos courts secundários do US Open, que se tornou no primeiro torneio do planeta a adotar sistema eletrónico de chamada automática das linhas.
Com diferentes tecnologias e empresas envolvidas, o futuro tornou-se presente e passou a ser habitual a realização de torneios sem juízes de linha.
Por cá, o Millennium Estoril Open já tinha dado um passo em direção ao futuro ao adotar a tecnologia Foxtenn em 2022, então como auxílio à equipa de arbitragem que continuou a ser presença assídua nos courts do Clube de Ténis do Estoril.
Três anos depois, o circuito masculino anunciou que todos os torneios ATP (250, 500, Masters 1000 e Finals) vão implementar o sistema eletrónico de chamada automática das linhas em 2025. Por outras palavras, os humanos darão lugar ao Electronic Line Calling Live (ELC Live).
Há várias empresas e, por consequente, várias tecnologias aprovadas. O Foxtenn garante uma precisão de 100% ao recorrer a 40 câmaras de ultra velocidade, instaladas ao nível do solo e em redor do campo, que captam 3.000 imagens por segundo, sincronizadas com um conjunto de 10 lasers de última geração que varrem todo o court e asseguram uma imagem real do exato momento em que a bola toca no solo e com o máximo de clareza — e não projetada ou calculada; o hawk-eye baseia-se num conjunto de câmaras colocadas em pontos altos ao redor do campo a transmitir as imagens para um computador que recria a trajetória da bola e produz uma imagem digital do ponto onde previu o contacto da bola com o solo;
O sistema instalado pela Bolt 6 nos três courts competitivos do Complexo de Ténis da Maia assemelha-se a esta tecnologia e exigiu a instalação de 14 câmaras por campo, supervisionadas por seis engenheiros presentes no local ao longo de toda a semana.
O resultado, esse, deixa os protagonistas em uníssono, levando a crer que seja uma questão de tempo até ser implementado por completo — para já, apenas os torneios ATP e os torneios do Grand Slam vão adotar o ELC Live de forma permanente, com os torneios WTA e Challenger (os custos associados tornam pouco viável a adoção de tal solução nos eventos ITF) a terem ao seu critério a substituição dos juízes de linha.
“Sem dúvida que é o futuro. Sei que ainda faz um erro ou outro, mas confio a 100% no sistema e de certa forma dá-nos alguma tranquilidade. Principalmente no piso rápido, em que há mais conflitos com os juízes de linha e bolas duvidosas que podem mexer connosco. Assim não há dúvida nenhuma, o jogo é limpo e quando mais limpo for, melhor, por isso fico contente e acho mesmo que é o futuro”, disse o jovem Henrique Rocha, número três nacional e o melhor português do torneio (foi quartofinalista).
Frederico Silva já tinha experimentado o sistema eletrónico de chamada automática das linhas em piso rápido, mas “em terra batida nunca tinha jogado assim” e reconheceu “uma sensação estranha.”
“Joguei duas horas e meia e acho que não houve nenhuma bola em que ficássemos com a sensação de que foi dentro e o sistema chamou fora ou vice-versa. Acho que não houve erros e isso é o mais importante para começar, o sistema tem de ser credível para estarmos confortáveis com isto. Mas não sei até que ponto não conseguiríamos manter os juízes de linha em terra batida. Em piso rápido concordo [com a implementação], porque às vezes acaba por ser difícil ver bolas milimetricamente de tão rápidas que são, mas aqui na terra batida tínhamos sempre a possibilidade do árbitro descer da cadeira para ver a marca e partimos sempre do pressuposto de que são competentes para saberem ver essas marcas”, desenvolveu o caldense de 29 anos.
A estranheza que Silva sentiu é transversal e foi apontada por Francesco Passaro, finalista do Maia Open, e Andrej Martin, semifinalista.
“É o mesmo para todos, deixa de haver erro humano e isso é bom porque todos podemos errar, é como quando nós falhamos alguma bola. Mesmo que haja, é justo para os dois porque é um erro de calibração [logo, com os mesmos resultados para todas as bolas na mesma linha]. Mas sei que isto retira o trabalho a muitas pessoas e esse é o lado mau”, reconheceu o italiano.
“Em terra é um pouco estranho, mas é o futuro do ténis e do desporto em geral, temos de o aceitar. No piso rápido apoio a 100%, é muito eficaz e não temos de pensar nos árbitros, em erros e nessas coisas. Na terra batida é mais difícil habituar-me e acho que podemos ter mais erros porque é possível ver a marca e então pode tornar-se frustrante, mas não acho que seja viável ter regras diferentes para superfícies diferentes, por isso sou um grande fã”, concluiu o eslovaco.
Os jogadores quiseram, os jogadores tiveram. O futuro vem aí e já passou pela Maia.