Há um ‘português’ campeão de títulos do Grand Slam e entronizado no Panteão da Fama do Ténis. Quem? Vic Seixas, que nos deixou recentemente — com 100 anos de idade. Aqui está um texto de 2022 em sua homenagem.
Por Allen M. Hornblum; tradução de Miguel Seabra (publicado originalmente no website Tennis Take)
Os conhecedores do desporto português serão lestos a reconhecer os nomes de João Sousa e Gastão Elias enquanto dois dos melhores tenistas profissionais do seu país, enquanto se vão familiarizando com os progressos de Nuno Borges e o emergir de outras promessas nacionais. Infelizmente, muito poucos reconhecerão hoje em dia o nome de Vic Seixas. Mas aqueles que se recordam podem considerá-lo o melhor tenista português da história.
Elias Victor Seixas Jr. nasceu em Filadélfia (Estados Unidos) em 1923 — cumpre o seu 99º aniversário a 30 de agosto, durante o US Open — e é o mais velho campeão de Wimbledon ainda vivo, sendo também o mais idoso membro do International Tennis Hall of Fame. É também alguém que tem orgulho nas suas origens portuguesas.
Vedeta multidesportiva na sua adolescência, Seixas cresceu na zona de Overbrook em Filadélfia e desenvolveu um gosto especial pelo ténis — modalidade que o seu pai praticava regularmente com os amigos nos courts públicos da cidade. O jovem Vic juntava-se frequentemente ao pai nessas saídas, participava como apanha-bolas nos torneios da vizinhança e foi gradualmente aperfeiçoando a sua habilidade com a raqueta ao observar os encontros do progenitor e a jogar com ele.
O pai de Vic, Elias Victor Seixas Sr., nasceu em 1893 em Porto Plata, na República Dominicana, e foi levado para os Estados Unidos pelos pais por volta de 1900. Vic Sr. Ganhava a vida no negócio do fornecimento de canalizações; apaixonou-se e casou com Anna Moon, uma atraente rapariga americana de ascendência irlandesa que lhe deu um filho. Tal como o progenitor, o jovem Vic desenvolveu um grande interesse pelo desporto das raquetas e, embora inexperiente, logo se tornou num dos melhores jogadores nos courts locais. “Aos dez anos”, gaba-se Vic, “já era tão bom como qualquer outro na vizinhança e ganhava encontros a jogadores muito mais velhos”.
No liceu Penn Charter, uma das mais prestigiadas escolas secundarias de Filadélfia, Vic desenvolveu a reputação de atleta extraordinário que brilhou no basquetebol, basebol, atletismo e squash. Mas era no ténis onde ele mais se evidenciava e passou a jogar a nível nacional. Entrou na Universidade da Carolina do Norte em 1941, tendo-se destacado nas equipas de basquetebol e ténis. O seu percurso desportivo e académico foi, no entanto, interrompido pela Segunda Guerra Mundial. “Tinha 18 anos e esperava ser alistado”, recorda Vic; “por isso, entrei para o corpo aéreo”.
Reconhecendo a inteligência e excelente coordenação olho-mão do jovem, o exército considerou que ele daria um bom piloto. Ensinaram-no a voar e a sua destreza era tal que fizeram dele um piloto de testes. A sua missão consistia em tentar manobras suficientemente complicadas para determinar se os novos aviões de combate estavam prontos para as batalhas aéreas. Colocado no Pacífico do Sul, passou quase quatro anos a aprumar a pilotagem de 14 diferentes tipos de aviões e assegurando-se de que estariam prontos para combater o exército imperial japonês.
Depois da guerra, Vic regressou à Carolina do Norte e completou o seu curso BS em negócios. Enquanto estudava foi recuperando o amor pelo ténis. Competiu pelo título universitário em 1948 e 1949, e no arranque da década de 1950 tornou-se mesmo num dos jogadores mais dominantes da altura. Viajou pelo mundo fora e colecionou triunfos sobre reputados campeões como Pancho Gonzalez, Rod Laver, Ken Rosewall, Lew Hoad e tornou-se num dos melhores servidores-voleadores do seu tempo. Tenista de inigualável capacidade atlética, a abordagem tática de Vic ao jogo era baseada na ofensiva constante. Tornou-se num talentoso jogador de rede que batia o mais cedo possível na bola para desequilibrar os adversários.
Richard Hillway, antigo jogador universitário e historiador da modalidade, descreveu Vic como “um temível jogador de serviço-vólei e a sua longa e distinta carreira ao mais alto nível”. Diz que “Vic jogou o US Open 28 vezes entre 1940 e 1969, tendo ganho dois torneios do Grand Slam — em Wimbledon e nos Estados Unidos. Para além disso, venceu também cinco títulos de pares masculinos e oito de pares mistos em torneios do Grand Slam. Como tantos outros familiarizados com essa época, Hillway ficou muito impressionado com Vic Seixas e Tony Trabert enquanto dupla. Afirma que era o único par capaz de rivalizar com os temíveis australianos, como Sedgman, Laver, Rosewall e Hoad. Hillway também indica que Seixas era igualmente um exímio jogador de squash, tendo ganho três campeonatos norte-americanos para jogadores com mais de 40 anos”.
Ao longo dos anos 50, Vic estabeleceu-se como um dos protagonistas do circuito e cotou-se entre os dez melhores tenistas americanos durante mais de uma década. Os pontos altos da sua carreira incluem o sucesso em Wimbledon no ano de 1953 e o título no Slam americano um ano depois. Outra das suas mais celebradas vitórias foi o duro encontro com Ken Rosewall em solo australiano na decisão da Taça Davis de 1954. “Foi a única vez que o derrotei”, relembra Vic; “jogávamos o mesmo tipo de ténis, mas ele tinha uma esquerda melhor e melhores passing-shots”. O suado triunfo materializou a passagem da Taça Davis da Austrália para os Estados Unidos após anos a fio de domínio australiano na relva. A rara proeza foi devidamente celebrada no regresso à América — e Seixas, Tony Trabert e os restantes membros da equipa foram homenageados com um cortejo nas ruas de Nova Iorque.
Exceptuando troféus e medalhas, as recompensas de Vic consistiam em títulos nos jornais. Estava-se ainda na era do amadorismo; os jogadores não podiam receber premiação monetária. Vic ia-se sustentando com o trabalho no negócio de fornecimento de canalizações do pai. Grande contador de histórias, gosta de recordar o episódio do cliente que lhe disse que há muito que não o via na loja. “Estive a jogar três meses na Austrália”, respondeu. “Não precisavas de ter ido para tão longe”, retorquiu o cliente; “há courts de ténis ali em baixo, entre as ruas 33 e Columbia”.
As muitas décadas de Vic no ténis enquanto jogador e observador fizeram dele um fiável depositário da história da modalidade e sua evolução. A par das enormes somas de dinheiro que os jogadores de topo recolhem hoje em dia, Vic destaca a diferença nas raquetas do seu tempo e as que são agora utilizadas. “São muito mais leves e potentes do que as do tempo em que eu jogava”, diz. “Na altura, as raquetes eram uns matacões, feitas de madeira pesada e pouco manejáveis. Não se conseguia bater na bola com a força que hoje se consegue com as raquetes mais leves de fibras compostas”. Outra mudança significativa: “Atualmente todos dão porrada na bola no fundo do court, enquanto no meu tempo a maior parte dos jogadores, e em especial os melhores como Jack Kramer e Pancho Gonzalez, estavam sempre à rede. Tinham excelentes mãozinhas, reflexos rápidos e acabavam o ponto à rede. E não há faltas de pé hoje em dia. Quando eu jogava, pelo menos um dos pés tinha de estar em contacto com o solo durante o serviço. E os courts de relva eram predominantes; agora, a temporada de relva dura pouco mais de um mês”.
As origens étnicas e religiosas de Vic Seixas são menos conhecidas, apesar de muita especulação à sua volta. O pai de Vic deixou bem claro ao filho que as raízes da família estavam em Portugal. “O meu pai orgulhava-se muito da sua herança portuguesa”, diz; “contou-me que nasceu na República Dominicana e que veio para os Estados Unidos enquanto criança, mas que a família Seixas já tinha centenas de anos em Portugal”.
Mesmo que pouco se saiba da história da família Seixas, várias fontes — incluindo a Wikipédia — citam as origens portuguesas e judias de Vic. Um historiador de ténis estudou a árvore genealógica da família até um certo Isaac da Costa Mendes Seixas, nascido em Lisboa em 1708. Foi para a América ainda jovem, casou-se com Rachel Franks Levy em 1740 e morreu em Newport, Rhode Island, em 1780. As gerações seguintes do clã Seixas estabeleceram-se tanto nos Estados Unidos (Carolina do Sul, Nova Iorque, Nova Jérsia) como nas Caraíbas (Índias Ocidentais, Ilhas Virgin). Quanto à associação judaica, deixa bem claro que foi educado como presbiteriano (“mais devido à proximidade da igreja do que por alguma ligação teológica) mas admite abertamente que “é muito possível que há 500 anos a família Seixas em Portugal fosse judia; não tenho razões para duvidar disso”.
Quase com 99 anos e esperando chegar ao século de vida, Vic Seixas já não é o extraordinário atleta que foi. Afetado por um rol de enfermidades e confinado a uma cadeira de rodas, o espírito jovial e positivo de Vic mantém-se inalterado. Atleta de classe mundial, piloto de caça patriótico e sobretudo boa pessoa, Elias Victor Seixas Jr. teve uma vida plena e excitante. Mas um dos seus poucos lamentos é nunca ter jogado um torneio em solo português.
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Allen M. Hornblum é um autor com livros publicados sobre o crime organizado, espionagem soviética, ética da medicina e desporto. O seu livro ‘Colosso Americano: Big Bill Tilden e a Criação do Ténis Moderno’ é o mais recente e exaustivo retrato do melhor jogador de ténis da primeira metade do século XX.
Obrigado por este pedaço de História!