Atrapadas sem Quartos

Quando Iga Swiatek e Coco Gauff se defrontaram na final de Roland-Garros em 2022, pensou-se logo aí que estava encontrada a rivalidade do futuro no circuito feminino. Não só pela juventude (a polaca então com 21 anos, a norte-americana com 18), mas também pela evidente margem de progressão. De certo modo, ambas confirmaram os vaticínios à sua maneira: Iga ganhou essa final e mais três títulos do Grand Slam (US Open nesse mesmo ano, Roland-Garros em 2023 e 2024) para um total de cinco; Coco venceria o US Open em 2023. No que diz respeito à rivalidade propriamente dita, os duelos entre as duas têm sido relativamente frequentes — mas a americana só ganhou um encontro de 12 que ambas protagonizaram desde 2021 e não jogaram mais qualquer outra final. Também não será na presente edição de Wimbledon que o irão fazer.

Numa quinzena que prossegue particularmente chuvosa, e nunca choveu tanto desde que o torneio avançou uma semana no calendário em 2014!, os quartos-de-final femininos vão arrancar sem a número um mundial Iga Swiatek e a número dois Coco Gauff. É verdade que várias outras tenistas credenciadas e potenciais candidatas ficaram pelo caminho, com as oito sobreviventes a apresentarem entre si somente três títulos do Grand Slam (distribuídos por três jogadoras que até estão na mesma metade do quadro: Jelena Ostapenko, Barbora Krejcikova e Elena Rybakina). Mas o modo como Swiatek e Gauff foram eliminadas foi mais relevante do que as derrotas em si, claudicando ambas tecnicamente e terminando os respetivos embates sem conseguirem bater uma direita de jeito. E com reações algo bizarras durante e após os desaires.

No caso da polaca, derrotada por uma Yulia Putintseva que até este ano parecia alérgica à relva, o modo de digerir o desaire foi afirmar que cometeu erros nas semanas de preparação que não irá cometer no próximo ano, dizendo que fez demasiadas coisas fora do court e que possivelmente para o ano vai passar férias a seguir a Roland Garros. Disse também que não ia analisar o encontro, porque era o último torneio em relva de 2024 e que só teria de se preocupar em comer a relva no próximo ano.

E esta é a altura em que devo integrar aqui uma confissão. Há muita gente que pode não acreditar, mas a maior parte dos comentadores não tem favoritos porque o estado de espírito é diferente de um qualquer espetador ou fã e não há preferências especiais ou antipatias particulares — há é gente do outro lado mais suscetível a críticas ou elogios da nossa parte relativamente a um(a) ou outro(a) jogador(a). A nós, tanto se nos dá. Mas tenho de admitir que ocasionalmente já senti ter sido muito duro com Iga Swiatek. Porque quando a vejo atuar sinto sempre haver ali uma zona muito vulnerável que nem sempre é explorada pelas suas adversárias, porque muitas vezes é forte com adversárias fracas e nem sempre é forte com opositoras fortes. E digo-o sabendo perfeitamente do seu elevadíssimo índice de aproveitamento em finais, de encontros ganhos após anular match points e de sets 6-0 aplicados.

Iga Swiatek modelou muito o seu jogo no do seu ídolo, Rafael Nadal; em muitos aspetos, o espanhol é exemplar e a polaca bebeu do melhor que essa inspiração pode proporcionar em diversos setores. No entanto, não consegue revelar a versatilidade que o campeoníssimo espanhol denotava na transição para a relva nem está a atribuir a Wimbledon a importância que ele sempre lhe deu. Quando havia somente duas semanas entre Roland-Garros e Wimbledon, Rafa estava a competir na relva logo a seguir a vencer em Paris. Iga quase que fala de Wimbledon e da relva como uma pílula que tem de engolir entre a terra batida e os hard courts. E se Nadal melhorou a direita tornando a sua pega um pouco menos fechada, inspirando-se no follow-through mais para a frente do rival Roger Federer e encurtando o backswing na relva para fazer face aos ataques profundos, rápidos e rasantes sobre a sua direita, Swiatek continua a parecer muito vulnerável nessas circunstâncias.

A técnica da polaca também não é a mais fluída ou elegante, pelo que a rigidez a leva a cometer muitos erros num dia menos bom. E na relva ela tem tido mais dias menos bons, perdendo duas vezes na terceira ronda, uma nos oitavos e outra nos quartos-de-final nas suas últimas quatro participações em Wimbledon. Perdendo sempre claramente no último set com que foi derrotada (três vezes no segundo set, uma vez no terceiro), completamente subjugada pelas vicissitudes do seu jogo na relva. E pela crise psicológica que a constatação de que o ponto forte do seu jogo, a direita, é também o seu ponto fraco na relva. Ainda é jovem, mas para começar a fazer devidamente a fotossíntese na relva tem de mudar o chip e melhorar a direita.

Também Coco Gauff precisa de melhorar a direita. Se a direita de Iga Swiatek nem é reconhecida pela maioria dos analistas como sendo vulnerável, a da norte-americana é reconhecidamente perfectível e muitas vezes apontada como pouco fiável. Ela soube melhorar o serviço de modo a evitar aquelas comprometedoras fases de duplas-faltas e também melhorou a técnica de direita, ajudada por subterfúgios que mascaram de algum modo as suas lacunas — como as bolas muito bombeadas com margem sobre a rede e a maior insistência em trajetórias cruzadas para haver maior margem para erro. O problema é que a relva é menos tolerante, especialmente nas primeiras rondas, quando os courts ainda estão relativamente novos e a bola desliza mais e ressalta menos. E Coco Gauff até começou por dar nas vistas precisamente em Wimbledon, quando saiu do qualifying para os oitavos-de-final na sua primeira participação, em 2019 e com apenas 15 anos. Depois de perder na primeira ronda em 2023, este ano quedou-se pelos oitavos-de-final.

Coco Gauff pareceu completamente perdida diante da excelente Emma Navarro, sem conseguir meter uma direita e interpelando os seus treinadores sobre a tática certa a tomar. Iga Swiatek também pareceu perdida, primeiro no court e depois na sala de imprensa. Duas raparigas às direitas com as respetivas direitas completamente atrapadas, como se diz na gíria. O resto do elenco agradece essas debilidades das duas primeiras do ranking mundial. E Elena Rybakina prefigura-se como principal favorita à conquista de um troféu que já ergueu em 2022.

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