Varvara Gracheva era russa, tornou-se francesa e agora ouve A Marselhesa

Varvara Gracheva nasceu e cresceu na Rússia, mas fez as malas e atravessou a Europa em busca de melhores condições de treino até chegar a França depois de uma breve escala na Alemanha. Do frio de Moscovo passou para o calor de Cannes e por lá vive há oito dos seus 23 anos, mais do que suficientes para em 2023 ter obtido a nacionalidade francesa que, um ano depois, lhe permitiu ser a heroína de um filme digno do festival ao carimbar a presença na quarta ronda de Roland-Garros.

A França lidera o número de representantes no top 300 ATP entre as quatro potências que organizam torneios do Grand Slam e surge no segundo lugar em relação ao top 300 WTA, mas é, de longe, o país que há mais tempo anseia por finais felizes e nem é preciso falar de títulos para sentir o desespero dos gauleses, que na sua catedral têm vivido tempos de seca.

Os anos pós-pandemia têm sido especialmente dolorosos em Paris e as últimas três edições de Roland-Garros não contaram com nenhum jogador da casa na segunda semana — que é como quem diz, na quarta ronda/oitavos de final de singulares. Quando se pensava que o cenário já não podia piorar, 2023 não teve qualquer elemento bleue na terceira ronda.

Por isso, qualquer vitória vivida nos primeiros dias de Roland-Garros é motivo de exultação para os já habitualmente entusiastas adeptos franceses, que por causa dessa seca se tornaram ainda mais vocais sempre que um compatriota lhes permite sonhar.

E em 2024, quando já nada o fazia prever, a maré mudou.

Primeiro com Corentin Moutet, agora com Varvara Gracheva, os franceses têm não um, mas dois representantes apurados para a quarta ronda dos quadros principais de singulares, um em cada. Ainda longe do que Austrália e sobretudo Grã-Bretanha e Estados Unidos da América conseguem fazer nas respetivas casas e até nesta terra batida, mas ainda assim um claro progresso na história recente.

Nenhum deles era o maior candidato a fazê-lo entre anfitriões, mas quer Moutet (que há um ano e meio perdeu o apoio da federação por causa do seu comportamento no circuito), quer Gracheva — pelo contrário cada vez mais apoiada num país desesperado por heróis e heroínas — agarraram as suas hipóteses.

Depois de Moutet o fazer no fecho da ação no Court Suzanne-Lenglen na noite de sexta-feira, Gracheva seguiu-lhe as pisadas na abertura da jornada de sábado no mesmo palco. Novamente com as bancadas incendiadas, ainda que o início do dia seja menos propício ao ruído descontrolado, até porque o álcool ainda mal começou a ser vendido.

Gracheva pode ter nascido e crescido na Rússia, mas é a França que vive e que respira. E a verdade é que a primeira participação em Roland-Garros como francesa (só obteve a nacionalidade em junho de 2023, depois da época de terra batida) já se transformou na melhor prestação da carreira em torneios do Grand Slam, ela que por duas vezes (em 2021 e 2022) já tinha alcançado a terceira ronda em Paris, o mesmo resultado que em Nova Iorque nos anos de 2020-2021 e Melbourne em 2023.

A tenista de 23 anos começou a campanha com um estrondo, ao surpreender a ex-semifinalista Maria Sakkari, e depois passou com distinção por Bernarda Pera. Já este sábado, no primeiro encontro do dia, a vitória fez-se por 7-5 e 6-3 sobre a romena Irina-Camelia Begu (127.ª WTA). Era favorita e não tremeu.

Desde cedo os franceses perceberam que podiam ter história à sua frente e por isso desde cedo começaram a entoar os cânticos que os caracterizam até que em conjunto com Varvara Gracheva cantaram, alto e bom som, A Marselhesa.

Há muitos anos que não se ouvia tantas vezes o popular hino francês no Stade Roland-Garros e one os franceses voltaram a sonhar. E se para Moutet o desafio é megalómano, um obstáculo chamado Jannik Sinner, para Gracheva sairá do encontro entre a jovem russa Mirra Andreeva (38.ª) e a norte-americana Peyton Stearns (62.ª).

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