Gael Monfils tinha contas a ajustar e acabou a fazer história em Roland-Garros

Há um ano, Gael Monfils transcendeu-se entre o surrealismo e assinou uma das vitórias mais épicas da carreira, mas a exigência foi tal que o privou de um reencontro com os compatriotas dois dias mais tarde. Agora de volta a Roland-Garros, “La Monf” ajustou contas com o corpo e, ao fazê-lo, tornou-se no francês com mais vitórias de sempre em torneios do Grand Slam.

Por Gaspar Ribeiro Lança, em Paris

O triunfo por 6-2, 3-6, 6-3 e 6-4 sobre Thiago Wild não teve nem de perto nem de longe os contornos dramáticos do de há um ano, quando ao som de Viva la Vida — o tema dos Coldplay que o público entoou alto e bom som por todo o Court Philippe-Chatrier — inverteu uma desvantagem de 0-4 para Sebastian Baez no derradeiro parcial.

Ainda bem, terão pensado todos os que o embalaram para o regresso vitorioso, não fosse o corpo voltar a ceder e dar-se uma repetição da saída pela sombra.

A viver os últimos cartuchos de uma carreira alegre e chegado a Paris depois de uma péssima época de terra batida que o viu somar apenas duas vitórias (uma delas no Millennium Estoril Open) e perder os últimos três encontros, Monfils queria mais uma oportunidade de jogar em casa, de brilhar em casa, de celebrar em casa. E assim foi.

Novamente em plena session de soirée e desta vez com muito frio em Paris, foi preciso o ténis sempre espetacular do artista gaulês para aquecer as bancadas, onde as mantas se destacaram e os cânticos se tornaram obrigatórios também para combater a acentuada descida de temperatura desde o pôr do sol.

Depois de um primeiro set de sentido único, Monfils esteve a perder por um break no terceiro e terão sido vários os espetadores a prever uma noite longa no palco principal, mas a reação foi imediata, praticamente exemplar e encaminhou-o para um triunfo relativamente controlado, sem percalços de maior e em cerca de duas horas e meia.

Privados de um duelo espetáculo com Holger Rune em 2023, os franceses terão um igualmente aliciante encontro com Lorenzo Musetti em 2024.

Mas antes disso, ainda sobre esta primeira ronda, há história a relatar: ao regressar a Paris com uma vitória, Gael Monfils tornou-se nada mais, nada menos do que no recordista francês de vitórias em torneios do Grand Slam.

A partir desta segunda-feira passam a ser 122 para o parisiense, mais uma do que o seu bom amigo Jo-Wilfried Tsonga (121), já retirado, e mais seis do que Richard Gasquet (116), ainda em prova. Para além deles, só Jean Borotra (103) ultrapassou a centena, mas ainda antes do início da Era Open.

O francês, nascido em 1898, fez parte dos “Quatro Mosqueteiros” originais — juntamente com Jacques Brugnon, Henri Cochet e, claro, René Lacoste — que habituaram os franceses a títulos e manchetes constantes ao conquistarem entre si 18 torneios do Grand Slam em singulares (13 em pares) e impressionantes seis edições da Taça Davis. Foi por causa deles, aliás, que a Federação Francesa de Ténis se apressou a construir o Stade Roland-Garros para defender a primeira “saladeira” , erguida em 1927.

E foi sempre com esse peso nos ombros que a geração de Monfils, Tsonga, Gasquet e até Gilles Simon cresceu e viveu, tantas vezes menosprezada e criticada por não estar à altura do que Borotra, Brugnon, Cochet e Lacoste fizeram há um século, ou até do que Yannick Noah alcançou há quatro décadas.

Mas os números são inequívocos e tal como comprovam as diferentes dimensões dos respetivos sucessos também reforçam a longevidade da segunda vaga de mosqueteiros, capazes de se estenderem pelo tempo como nenhuns outros e de assim darem aos franceses tantas ou mais razões para celebrarem, ainda que com menos entusiasmo.

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