Thiago Wild é um daqueles jogadores a quem, apesar da tenra idade (apenas 23 anos), já aconteceu de tudo um pouco. Nascido em Marechal Cândido Rondon, no estado do Paraná, a 10 de março de 2000, foi número um mundial de juniores e tornou-se no mais novo tenista brasileiro da história a disputar e a vencer uma final ATP. Mas nunca chegou a entrar no top 100 e poucos meses depois foi tornada pública a acusação da ex-mulher que levou o Ministério Público do Rio de Janeiro a denunciá-lo por violência doméstica e psicológica. Esta terça-feira, juntou mais um capítulo ao leque de acontecimentos que o marcam — este bem dourado.
Por Gaspar Ribeiro Lança, em Roland-Garros
Quem com ele já se cruzou, ou na televisão ou in loco, conhece-lhe a facilidade em imprimir rotações à bola e dispará-la sobretudo com o braço direito. Visto como um prodígio desde os tempos de júnior, este brasileiro que tanto tem dividido as opiniões dos compatriotas é, de longe, o mais talentoso desde um tal Gustavo Kuerten.
E esta terça-feira foi no mesmo palco em que o seu ídolo de infância mais brilhou que também ele se destacou: pela tarde dentro, com as bancadas praticamente preenchidas e a capacidade próxima dos cerca de 15.000 espetadores que o Court Philippe-Chatrier pode albergar, o número 172 do mundo foi quase sempre indiferente à ocasião e afastou Daniil Medvedev com pompa e circunstância — e muito apoio do público.
Os parciais de 7-6(5), 6-7(6), 2-6, 6-3 e 6-4 após 4h13 resolveram um choque frenético no qual o brasileiro mostrou ser de carne e osso ao acusar a pressão em momentos críticos que lhe podiam ter custado a ‘graça’. Mas o russo também tremeu, e bem, sendo apenas uma miragem do ‘Clayvedev’ que lhe valeu excesso de peso na bagagem durante a viagem de Roma para Paris, que fez após conquistar o maior título da carreira no pó de tijolo.
A subida vertiginosa de Wild ao longo dos primeiros cinco meses de 2023 já tinha deixado claro que o jovem brasileiro estava novamente pronto para lutar por um lugar entre a elite.
Mas subir de 418.º a 1 de janeiro para 172.º a 29 de maio não é o mesmo que chegar a um dos maiores palcos do mundo e, perante um dos melhores do mundo, fazer o que todos sonham fazer desde os tempos de criança. Muito menos estando a disputar, pela primeira vez na carreira, um quinto set que prolongou a duração do encontro para lá das quatro horas.
Para superar Medvedev, que ao longo das últimas semanas passou a ser apontado como um dos maiores candidatos a um título que em tempos não passava de uma miragem, Wild teve de superar-se.
Meros dias depois de ter ultrapassado os três desafios da fase de qualificação, o jovem brasileiro fez o impensável. Disparou 69 winners perante um dos jogadores que melhor se defendem, recuperou mentalmente de um colapso monumental no tie-break do segundo set, que liderou por 6-4 e perdeu graças a quatro pontos consecutivos em que se destacaram dois erros proibidos, e deu espetáculo com a pancada de direita, o serviço e os amorties que ‘partiram’ Medvedev.
Numa época em que o ténis brasileiro exulta com o sucesso de Beatriz Haddad Maia ao mais alto nível no circuito feminino, Thiago Wild fez recuperar os tempos em que Gustavo Kuerten brilhava entre os melhores do circuito feminino. E tornou-se, aliás, apenas no segundo homem do país a superar um adversário do top 2 mundial num torneio do Grand Slam (“Guga” fê-lo contra Marat Safin no US Open de 202 e Roger Federer em Roland-Garros 2004).
Não sendo possível alcançar a perfeição, este brasileiro destemido roçou-a em vários momentos para fazer história. Cuidado com ele.