Em dia de estreias, Alcaraz não olha a meios e arrasa no regresso a Roland-Garros

Quando aqui falei de “um reino sem rei onde a inevitabilidade do tempo nos traz de volta à realidade” também escrevi que “não faltam pretendentes ao trono” deixado livre pela inédita ausência de Rafael Nadal. O compatriota Carlos Alcaraz é um deles e fez questão de o deixar bem claro — para que não houvesse a mínima margem para dúvidas — na estreia desta segunda-feira, em que disputou pela primeira vez um torneio do Grand Slam como campeão de um Grand Slam e como primeiro cabeça de série.

Por Gaspar Ribeiro Lança, em Roland-Garros

Sem o lesionado Nadal e o já retirado Federer a fazerem as delícias dos fãs que tornam a circulação no extenso, mas apertado Stade Roland-Garros praticamente impossível durante a primeira semana, não restam dúvidas de que Alcaraz é um dos favoritos do público. Já tinha sido claro há um ano, quando a mais recente coqueluche do circuito mundial masculino arrastou multidões no dia das crianças e foi apoiado como um dos ‘da casa’ na primeira sessão noturna, e mais do que evidente era que assim seria este ano.

Em 2023, Carlos Alcaraz aterrou em Paris com a sua entourage pronto a fazer o que um par de lesões o impediram de realizar na Austrália: jogar pela primeira vez um torneio do Grand Slam como campeão de um torneio do Grand Slam, como número um mundial e como primeiro cabeça de série.

Três ‘pormaiores’ — entre tantos outros — que aos 20 anos já fazem dele o jogador que todos conhecem, que todos querem ver, que todos querem fotografar.

E foi com uma exibição digna de todo esse estatuto que regressou ao torneio que todos esperam que ele vença mais tarde ou mais cedo. Ici c’est Paris et lui c’est Carlitos, escrevi há um ano para o Expresso. E aí está ele: com os parciais de 6-0, 6-2 e 7-5, o melhor jogador da atualidade banalizou o qualifier italiano Flavio Cobolli (que em desespero celebrou efusivamente a conquista do primeiro jogo depois de perder oito de seguida).

Foi o primeiro passo de sete necessários para Alcaraz fazer em Paris o que já fez em Nova Iorque. O primeiro passo de sete necessários para Alcaraz fazer em Paris o que o seu treinador Juan Carlos Ferrero fez há exatamente duas décadas. O primeiro passo de sete necessários para Alcaraz fazer em Paris o que o seu compatriota Rafael Nadal fez por 14 vezes nos últimos 18 anos.

Ser pretendente ao trono de um reino como Roland-Garros é tanto um previlégio quanto um fardo, mas Alcaraz não tem medo de o assumir. A exibição desta segunda-feira, na qual colocou o pé no acelerador mesmo quando não precisava de o fazer (ao contrário do que aconteceu um ano antes), é a mais recente prova disso mesmo.

Vale sempre a pena lembrar que este pequeno-grande prodígio passou por Portugal quando ainda não estava no top 100. Foi com o título no Oeiras Open 125 em abril de 2021 que, aliás, entrou pela primeira vez na elite do circuito mundial masculino.

Tinha o ar de miúdo que vai para um treino divertir-se, mas a ambição já lhe preenchia parte do olhar. Da evolução que teve ao longo dos últimos 25 meses estamos todos a par, bem como dos resultados, dos títulos e da fama.

No sábado foram 10.000 pessoas a preencher o Court Suzanne-Lenglenpara o treino com Stefanos Tsitsipas que foi o mais popular do dia, no domingo e na segunda-feira as cadeiras dos pequenos courts secundários que ficam livres para sessões de treino ao mesmo tempo que já se jogam os quadros principais não chegaram nem para 10% dos que procuravam vê-lo por breves minutos.

O aquecimento desta segunda-feira obrigou, aliás, a um reforço da equipa de segurança que o acompanhava de forma a fazer um raro caminho ao ar livre (o Stade Roland-Garros tem vários túneis de ligação entre os campos principais), isto é, entre os fãs, a tempo de cumprir a meia-hora que tinha programada para preparar o duelo da primeira ronda.

E cenários como o de há um ano, quando disputou a segunda ronda de Roland-Garros no Court Simonne-Mathieu (o terceiro maior do complexo), dificilmente serão repetidos na próxima década. Mesmo se o ténis é um desporto de memória curta — ainda esta segunda-feira o austríaco Dominic Thiem, por duas vezes finalista, foi recambiado para o pequeníssimo Court 6.

Agora sim, Paris entrou, definitivamente, na era de Carlos Alcaraz.

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