A relva ainda verde, mas já desgastada pelos primeiros dias de ação, os courts exteriores totalmente preenchidos e a visita quase obrigatória da chuva. Teria sido mais um dia tão normal quanto possível numa edição de Wimbledon inevitavelmente atípica devido à exclusão dos tenistas russos e bielorrussos, que levou a ATP e a WTA a removerem os pontos do torneio, não fosse o alinhamento: Emma Raducanu e Andy Murray foram ambos a jogo no Centre Court e assim a jornada de quarta-feira tornou-se na terceira dos 100 anos de história do palco principal a lançar a jogo uma mulher e um homem britânicos campeões de torneios do Grand Slam em singulares.
A anterior foi na segunda-feira, quando Raducanu e Murray disputaram os encontros da primeira ronda.
A primeira em 1933, há longínquos 89 anos.
Dentro da normalidade expectável não houve, por isso, nada de normal. Tal como nada de normal houve na conquista de Emma Raducanu em Nova Iorque, onde aos 18 anos se tornou na primeira mulher britânica a conquistar um torneio do Grand Slam em singulares desde 1977 e, mais histórico ainda, na primeira qualifier de sempre — homem ou mulher — a vencer um torneio do Grand Slam.
O sucesso de Raducanu não é normal, tal como não foi a sua chegada ao circuito. Por isso, nada de normal poderá haver num percurso que é feito de improviso e de aprendizagem enquanto a carruagem continua a andar — porque o ténis não pára e parar é ficar para trás da concorrência.
Num verão marcado pelo Jubileu de Platina da Rainha Isabel II, o mini “jubileu” de Emma Raducanu foi celebrado esta semana. Um ano depois de ter brilhado a caminho da quarta ronda do torneio de Wimbledon, a que chegou com um wild card depois de uma surpreendente época de relva em que se apresentou ao mundo do ténis, o regresso a casa começou com uma marcante estreia no Centre Court.
Nenhum dos quatro encontros de Raducanu em Wimbledon 2021 aconteceu no palco principal do All England Club, mas o primeiro de 2022 só poderia ter um destino.
E assim, um ano depois de explodir para o estrelato, Emma Raducanu regressou. Não como uma jovem desconhecida, mas como uma teenage superstar. Não longe dos holofotes, mas com todos os caminhos que vão dar ao All England Club — e não só — preenchidos pela sua imagem. Desde as estações do metro e as próprias carruagens aos ecrãs gigantes de Picadilly Circus, que se replicam um pouco por toda a cidade, são poucos os cantos de Londres onde não se vê a imagem da britânica nascida no Canadá, filha de um pai romeno e de uma mãe chinesa.
Por esta altura o background já não é novo e o facto de responder a perguntas em mandarim em plena conferência de imprensa depois de um encontro em Wimbledon já só surpreende os mais distraídos, mas continua a ser essencial para explicar o fenómeno em que se tornou e que levou a que inúmeras marcas de gabarito, nas mais variadas áreas, tenham batalhado por ela.
Emma Raducanu passeia pelos corredores do All England Club como Roger Federer, Rafael Nadal, Novak Djokovic ou Andy Murray o fazem: raramente, porque as correntes de fãs o tornam quase impossível, e sempre rodeada de uma enorme entourage. Fá-lo de sorriso no rosto e genuinamente interessada em corresponder aos que por ela gritam, que por ela aplaudem, que por ela correm. Mas ainda o faz como quem vive tudo (quase) pela primeira vez. Afinal, como recordou durante uma das conferências de imprensa em Roland-Garros, só agora está a começar a viver experiências que já não são uma novidade, porque até aqui qualquer corredor que percorria em qualquer torneio por onde passava era para ela território desconhecido.
A conquista do US Open permitiu-lhe saltar etapas e marcar presença assídua nos grandes palcos (muito) mais cedo do que o previsto, mas os passos têm de ser dados e cada um tem o seu ritmo. Pelo menos no discurso, Raducanu tem o mindset necessário: “Porque é que haveria de existir pressão? Tenho 19 anos e já ganhei um torneio do Grand Slam, se há pressão deve ser para quem ainda não venceu”, desabafou, de forma humilde e sem malícia, depois da derrota desta quarta-feira, num encontro com Caroline Garcia em que não conseguiu encontrar-se.
Se “ignorados” o troféu e os 2.000 pontos que as três semanas de ouro em Nova Iorque lhe deram, Emma Raducanu é uma adolescente de 19 anos a dar os primeiros passos no circuito. E, para uma adolescente de 19 anos a dar os primeiros passos no circuito, ultrapassar a primeira ronda nos cinco primeiros torneios do Grand Slam da carreira (com uns oitavos de final e um título como “bónus”, mas continuemos a ignorá-los para este exercício) é um feito por si só.
Juntemos à aprendizagem em questão as várias lesões que a têm atrapalhado pelo mundo fora — e que a impediram de jogar mais do que sete jogos (jogos, não encontros) numa época de relva que esperava ser de lançamento — e a busca pela fórmula que lhe permita sentir-se confortável e confiante com uma equipa técnica que ainda não teve estabilidade, então, uma vez mais, a ascensão de Emma Raducanu não tem, definitivamente, nada de normal.
Sem aviso prévio do sucesso que aí vinha, Raducanu está a construir a carreira de forma invertida, primeiro triunfando num “Major” e depois aprendendo a viver no circuito. As derrotas são dolorosas e desapontantes, mas, acima de tudo, são parte importante da aprendizagem.
Nove meses depois do sucesso em Nova Iorque, a jovem britânica já não é novidade para nenhuma adversário — vídeos há aos milhares e, por isso, dificilmente surpreenderá quem do outro lado da rede surgir, razão pela qual agora é ela quem precisa de tempo para se encontrar, para se definir e para tirar proveito do que lhe estão a fazer: tudo o que as oponentes exploram são falhas que Raducanu tem de corrigir. E tem a sorte de o poder fazer aos 19 anos.
Enquanto o faz (e é uma tarefa que demorará o seu tempo), todas as expetativas serão, provavelmente, mais altas do que as conquistas, mas em quase todas as campanhas há aspetos positivos a retirar: em Wimbledon, a segunda ronda frente a Caroline Garcia expôs as dificuldades que Raducanu sentiu em fazer frente ao poder de fogo da adversária francesa, nove anos mais velha, que aproveitou todas as bolas curtas da jogadora da casa para a empurrar para o fundo do court. Mas a primeira ronda, perante Alison van Uytvanck, impressionou pela maturidade com que Raducanu batalhou para contornar uma adversária tão perigosa quanto a belga, sobretudo na relva.
Emma Raducanu não tem pressa. Então não a apressemos.