Holger Rune. O “miúdo” das cãibras explodiu na sombra de Alcaraz, mas agora já não há como ser ofuscado

A máscara que lhe tapava a cara (a pandemia assim o exigia) escondia as lágrimas que escorriam, quase audíveis tal a ausência de público numa altura em que as restrições apertadas ainda impediam a presença de espetadores nas bancadas, mas o olhar revelava a dor sentida por Holger Rune, que naquela tarde de verão do dia 30 de maio de 2021 tinha acabado de perder a primeira final da carreira no circuito Challenger para o português Gastão Elias. Um ano depois, as máscaras já caíram e o público regressou em pleno ao circuito mundial, por isso foi à vista de todos, e em uníssono com um enorme rugido das bancadas, que o jovem dinamarquês outrora cabisbaixo ergueu os braços e, de sorriso rasgado, celebrou. A 30 de maio de 2022, a festa foi dele com uma vitória sobre Stefanos Tsitsipas, um dos grandes candidatos ao título em Roland-Garros.

Holger Rune não é um nome novo para os seguidores mais atentos do circuito mundial masculino: apesar da tenra idade (apenas 19 anos), o tenista nórdico tem vindo a destacar-se nos últimos três anos, desde que conquistou o torneio júnior de Roland-Garros em 2019. Mas a transição para o circuito profissional começou com um par de decisões precipitadas (contudo difíceis de rejeitar), a constatação de que entre graúdos a competição é de outro nível e, uma vez identificados e superados os primeiros obstáculos, aconteceu na sombra de outro rapaz da mesma idade. Falo de Carlos Alcaraz, claro, o prodígio-tornado-superestrela da noite para o dia que em tudo foi ainda melhor do que Holger Rune, o que nada deve retirar à evolução do tenista de Gentofte, nos arredores de Copenhaga, como explicarei mais à frente.

Motivado pela precoce conquista em Paris, Rune já só jogou torneios juniores em Roehampton, Wimbledon, US Open e no Masters. Depois, fez o que qualquer jovem número um mundial de sub 18 aos 16 anos quereria fazer: saltou etapas. Chegou ao circuito ITF, no qual o nível foi correspondido com resultados, e depois ao Challenger, mais exigente e desafiante, no entanto bem sucedido. Após a interrupção dos circuitos por causa da pandemia, o dinamarquês só precisou de quatro desses torneios para explodir. E fê-lo em Portugal.

Ainda sem ranking para disputar o qualifying de Roland-Garros, no entanto já como 313.º do mundo quando nove meses antes estava fora do top 800, alcançou a final do Oeiras Open 4, organizado pela Federação Portuguesa de Ténis no Jamor.

Esses sete dias no nosso país foram um curso avançado sobre quem é Holger Rune.

Agressivo, exploviso, destemido, ambicioso e sem medo de o partilhar. Por vezes, essa ambição é de tal forma excêntrica tal que pode ser confundida com uma alucinação, como quando em outubro de 2020 afirmou à imprensa dinamarquesa que acredita ser capaz de um dia superar o recorde de títulos (13) que Rafael Nadal tinha acabado de aumentar em Roland-Garros. Mas o tempo tem provado que habitualmente sabe do que fala.

Depois de vencer a primeira ronda no Jamor disse-me que queria entrar no top 100 e ganhar um Challenger em 2021. Ambicioso? Bastante. E também realista: a conquista não aconteceu logo ali, mas não andou longe — perdeu a final para Gastão Elias por 5-7, 6-4 e 6-4 em 2h46 — e concretizou-a por quatro vezes entre junho e novembro; e se a estreia entre a elite não se consumou nesse ano, tornou-se uma realidade logo na terceira semana de 2022.

Mas Holger Rune também tem fraquezas, como a atitude que ainda não limou totalmente e que já resultou em episódios graves, como os comentários homofóbicos que mancharam a conquista do primeiro título Challenger, ou as críticas que teceu à ATP na reta final da temporada transata, acusando o circuito masculino de impedir a conquista de pontos para o ranking a jovens jogadores devido ao congelamento dos rankings depois de um ano em que beneficiou de nove wild cards para torneios ao mais alto nível, em vários casos em detrimento de tenistas locais — foi convidado para os ATP 250 de Buenos Aires, Santiago, Marbelha, Bastad e Umag, para o ATP 500 de Barcelona (qualifying) e para os ATP Masters 1000 de Monte-Carlo e Indian Wells.

Aqui e ali há pequenos indícios de que a personalidade do jovem nórdico será sempre propícia a algumas polémicas, normalmente (nem sempre) inofensivas e aduçadas pelo apetite de adolescente para não só navegar, como fazer-se ouvir nas redes sociais. Um mal menor para a sua vida no circuito sobretudo se comparado com aquele que tantas vezes se transforma em auto-sabotagem.

As cãibras, sim, são o maior dos problemas de Holger Rune, que com demasiada frequência cede à vontade do seu corpo. Foi assim nas meias-finais e na final daquele Oeiras Open. Foi assim na primeira ronda do US Open, que perdeu em quatro sets para Novak Djokovic. E na primeira ronda do Australian Open. Foi assim em Lyon, antes de chegar a Paris. O desespero tem sido tal que em março de 2021 chegou a recorrer às redes sociais para pedir ajuda.

Curiosamente, este problema físico não o atormentou nem em Munique, onde já este mês conquistou o primeiro título em torneios ATP, nem nas quatro primeiras rondas em Roland-Garros, onde o maior susto foi a queda que teve no encontro da segunda ronda, ao tropeçar numa das lonas de proteção enroladas no fundo do court, entre os juízes de linha e os painés publicitários.

Pode ser o stress, pode ser a alimentação, pode ser a transpiração — Holger Rune ainda não encontrou solução para o seu problema, mas em Paris está não só a conseguir evitá-lo, como a sair da sombra de quem o ofuscou durante os últimos dois anos, durante os quais escalou 800 lugares no ranking.

Os dados oficiais (nem sempre de confiança) indicam que Rune é mais alto e mais pesado (1,88m e 77kg) do que Carlos Alcaraz (1,85m e 72kg). Números que poderiam refletir-se quando os dois passaram pelo Jamor em ocasiões diferentes (antes do dinamarquês ser finalista do Oeiras Open 4, o espanhol conquistou o Oeiras Open 3), mas que levantam dúvidas nos dias de hoje, com o segundo jogador mais robusto, os músculos à vista a fazerem lembrar um certo compatriota.

A evolusão física de Alcaraz foi acompanhada pela explosão de resultados do último ano, que o catapultou para a ribalta — ao ponto de já ser popular mesmo fora da esfera do ténis — e tomou conta dos destaques de toda a imprensa em todos os países. Ao mesmo tempo, as horas que Rune passa a pensar sobre ténis (questionado sobre qual seria o seu dia ideal sem o desporto, respondeu que o passaria… a ver ténis) não foram em vão e a dedicação do dinamarquês está, agora mais do que nunca, a ser recompensada.

O paralelismo entre ambos não mais é do que uma forma de contextualizar o crescimento e evolução de Holger Rune, mas entrar num jogo de comparações será sempre inútil. Porque não só os dois são bem diferentes, como há espaço para ambos e o ténis agradece — Roland-Garros 2022 é o primeiro torneio do Grand Slam a contar com dois adolescentes nos quartos de final masculinos desde Roland-Garros 1994.

Por último, nada melhor do que a história contada pela mãe/agente, Aneke Rune, ao L’Équipe para dar a conhecer o grande objetivo do filho: ser o melhor do mundo. “Ele é obcecado com ténis desde pequeno. Aos 7 anos terminou um torneio em segundo lugar e rejeitou levantar o troféu, estava a chorar muito. Quando chegou a casa, rasgou todos os pósteres de Nadal e disse-nos que a partir de agora ia ser fanático pelo Federer, que naquele momento era número um.” É esse o ídolo de Rune, é esse o objetivo.

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