O russo Daniil Medvedev surpreendeu na sala de imprensa de Melbourne Park. Depois de ter deixado escapar a oportunidade de um segundo título do Grand Slam, o número dois mundial começou a conferência de imprensa com um monólogo, onde decidiu contar uma história.
“Peguei numa raqueta pela primeira vez com seis anos. O tempo passa muito depressa e aos 12 já treinava e competia em torneios na Rússia. Via os Grand Slam pela televisão e uma pessoa sonha em estar ali. Comecei a jogar alguns torneios pela Europa. Recordo-me dos Jogos Olímpicos da Juventude, onde fiz final, na Turquia. Diria que estavam umas mil ou duas mil pessoas ali. Foi fantástico. Esses são os locais em que sonhas estar. Creio que a grande parte de jogar no escalão de juniores são os Grand Slam, onde podes ver os profissionais. No US Open, eu comia com eles. Havia gente que te vinha apoiar, ainda que não te conhecessem. Dás conta de que queres jogar esses torneios, ser como eles e jogar contra os melhores do Mundo”, começou por contar.
“Depois disto, joguei muitos Futures, alguns Challengers, a tentar subir como podia. Depois começas a jogar torneios maiores. Há alguns momentos na minha carreira em que penso que esse rapaz que levo dentro de mim deixava de sonhar, duvidava de si, de chegar onde queria. Recordo um momento em concreto. Perdi dois jogos duros em Roland-Garros e eu falo francês. Na minha idade, nessa altura, acho que era top 5 ou algo assim. Temos um grande geração, como se pode ver agora. Perdi contra o Benjamin Bonzi, que está no top 100 agora. Havia, se não me recordo mal, só um jornalista russo na sala. Era um Grand Slam. Eu estava perto do top 50 e era muito jovem. Foi muito surpreendente para mim. Falámos durante cinco minutos. Gosto de falar com os jornalistas. Recordo também uma derrota com o Pierre-Hugues Herbert em que estive a vencer 2-0 em sets. Ele jogou de forma incrível. É por esses jogos que gosto tanto do ténis”, continuou o russo a desabafar.
“Mais tarde, eu já estava quase a chegar ao top 10. Entre a minha geração, seria já top 3. Estariam à frente o Zverev e o Dominic [Thiem], que é mais velho. Fui à sala de imprensa. Sentia-me um pouco frustrado com os jornalistas e os adeptos. Tentava responder com poucas palavras, não mais de duas ou algo assim. Só havia um jornalista, creio que italiano. E outros russos, que me perguntaram algumas coisas e já está. E, de novo, estava ali o rapaz a duvidar sobre se continuava a sonhar”.
A história chegou então ao encontro deste domingo: “Hoje, durante o encontro, apercebi-me do porquê de estar a jogar. Estava a referir-me com esta história aos jornalistas, mas não me refiro realmente a vocês, que estão aqui a ver-me. Estava a referir-me a esses momentos em que esse rapaz deixou de sonhar e hoje foi um desses dias. Não vou dizer o porquê. A partir de agora, vou jogar para mim mesmo, para a minha família, para provar à minha família, para a gente que confia em mim e para toda essa gente da Rússia que sinto que me apoia muito”.
“E vou dizê-lo da seguinte maneira. Se há algum torneio em piso duro em Moscovo, antes de Roland-Garros ou Wimbledon, penso em ir lá e não me vou importar se perder esses torneios ou o que seja. O rapaz deixou de sonhar. O rapaz agora vai jogar por si mesmo. Essa é a minha história”, terminou Medvedev, num discurso emotivo.
Depois de ter ainda falado um pouco sobre o embate diante de Rafael Nadal, o tenista russo mostrou-se descontente com o comportamento do público e revelou que não sabe se estará no circuito durante muito mais tempo. “Por exemplo, num momento em que o Rafa estava a servir, já no quinto set, havia alguém a gritar ‘vamos, Daniil’. E umas mil pessoas a dizer ‘siiiiu, siiiiu’. Esse barulho, antes do meu serviço, não o escutei. É muito perturbador, desrespeitoso. Não tenho a certeza de se com 30 anos estarei a jogar ténis. Volto a dizê-lo, o rapaz que estava dentro de mim, já não está mais. Será difícil continuar a jogar ténis desta forma”, disse.