Rafael Nadal ainda jogava sem mangas, com calções abaixo do joelho e o cabelo comprido. Já era um fenómeno na terra batida, mas ainda não tinha qualquer título do Grand Slam fora de Paris. Foi ali, na relva do All England Club frente a Mikhail Youzhny, que a 5 de julho de 2007 registou a última vitória depois de estar a perder por dois sets a zero. Até que este domingo, 5324 dias depois, o voltou a fazer. Frente a outro russo, Daniil Medvedev, mas em condições bem diferentes: para conquistar o Australian Open pela segunda vez e tornar-se no novo recordista de títulos em torneios do Grand Slam.
São 21 títulos, um registo que o coloca pela primeira vez à frente do adversário que perseguiu durante toda a carreira, Roger Federer, e também do que entretanto tudo indicava ser o grande candidato a fazê-lo, Novak Djokovic.
Apenas quatro meses e meio depois de ter publicado nas redes sociais uma fotografia para a qual pousava com o pé esquerdo enfaixado e o apoio de duas canadianas, o impensável aconteceu.
E aconteceu de forma dramática, com o maiorquino de 35 anos a fazer o que nunca tinha feito — recuperar da desvantagem de dois sets a zero na final de um torneio do Grand Slam: 2-6, 6-7(5), 6-4, 6-4 e 7-5 foram os parciais que lhe permitiram ouvir o histórico "game, set and match" ao cabo de 5h24.
Mais fresco fisicamente, Medvedev até foi quem se aproximou primeiro de um lugar na história (seria o primeiro homem de sempre a conquistar o segundo título do Grand Slam no torneio logo após o da primeira conquista). O russo, que quatro meses antes impediu Djokovic de alcançar o 21.º título ao vencer o US Open, entrou solto, autoritário e confiante e chegou a liderar por 6-2, 7-6(2) e 3-2 com um 0-40 no serviço de Nadal que lhe poderia ter dado o break no terceiro set. Mas do outro lado da rede tinha o maior competidor da história do ténis, que nunca se deu por vencido.
Tal como contra Denis Shapovalov, nos quartos de final, Nadal foi à luta, ganhou o ascendente psicológico sobre Medvedev (que entre seleções de pancadas questionáveis, devaneios com o árbitro de cadeira e o público e ressentimentos físicos não capitalizou o que não podia deixar escapar) e iniciou a missão impossível.
O espanhol, que abraçou o desconhecimento ao viajar para a Austrália depois de cinco meses sem competir e um teste positivo à covid-19 que lhe atrapalhou a pré-época, transcendeu-se — como tantas vezes admitiu — e deu o tudo por tudo. Era o último esforço e Nadal não abdicou dele, não podia. "Podia perder, ele podia vencer-me, mas não podia desistir. Mesmo estando destruído, não podia destruir", confessou mais tarde, numa das primeiras análises à reviravolta.
Para além do espírito de sacrifício houve vários fatores que lhe permitiram dar a volta ao marcador, nenhum deles surpreendente: a direita ao longo da linha e o serviço aberto do lado das vantagens são armas bem conhecidas, mas o passar do tempo não lhes diminui a eficácia.
E assim, 5h24 depois de se ouvir o último "Ready? Play!" deste Australian Open, Rafael Nadal fez história.
Aos 35 anos, o jogador maiorquino lidera pela primeira vez na carreira a tabela de jogadores com mais títulos em torneios do Grand Slam, com duas conquistas em Melbourne, 13 em Paris, dois em Londres e quatro em Nova Iorque.
Última atualização às 15h10.