A mão esquerda aproximou-se da barriga, o corpo curvou-se e cedeu até as lágrimas lhe caírem, entre o colocar da máscara e a saída para os balneários. Naquele 5 de julho que deveria ser histórico, Emma Raducanu sentiu dificuldades respiratórias e não conseguiu regressar ao Court No. 1 do All England Club para concluir o encontro da quarta ronda frente a Ajla Tomljanovic.
Apoiada por muitos, incompreendida pelos habituais — numa já habitual demonstração do escárnio descabido que podem ser as redes sociais —, a jovem britânica terminou ali, sem o “game, set and match” ou o aperto de mão tradicionais, a campanha histórica que fez dela a britânica mais nova desde 1959 a chegar à segunda semana do torneio de Wimbledon, que dias antes lhe reconheceu o talento e fez um upgrade ao convite que lhe entregara: em vez de jogar o qualifying, a “miúda” de 18 anos saltou diretamente para o quadro principal.
E se as imagens com que se despediu da primeira experiência ao mais alto nível transmitiram preocupação, a forma como enfrentou a situação foi como que um presságio do que estaria para vir: serena, realista e otimista, Emma Raducanu abordou foi a estúdio, colocou-se frente a frente com as câmaras de televisão e de cara voltada para os olhares atentos de um país (e de um Mundo) curioso afirmou, sem rodeios, que a falta de experiência a afetou. Assunto gerido e encerrado como se não fosse a primeira grande crise que resolvia. E sem clichês.
Porque aqueles quatro encontros em Wimbledon constituíram apenas o terceiro torneio da jovem Emma Raducanu desde o regresso à competição, depois de uma longa pausa entre março de 2020 e junho de 2021 — motivada pela pandemia — para se dedicar à escola e aos exames, que concluiu com nota máxima a matemática e economia.
Foi esse sucesso — e exigência, porque como a própria tanto afirma não consegue considerar outra nota que não a máxima — que um par de anos antes a deixou ligeiramente para trás em relação às conterrâneas na iniciação ao circuito júnior, mas mesmo de livros na mão Emma Raducanu conseguiu ser bem sucedida entre as melhores do mundo no escalão de sub 18 e no final de 2018 chegou ao 20.º lugar do ranking — a sua melhor classificação.
Nesse mesmo ano conquistou os primeiros títulos enquanto profissional, primeiro em Tiberias (Israel) e depois em Antália (Turquia), com uma breve passagem pelo qualifying de Wimbledon e outra por Lisboa (caiu na segunda ronda do qualifying do ITF de 25.000 dólares organizado pelo Lisboa Racket Centre) pelo meio. E a partir daí o sucesso foi uma constante (conquistou mais um título em 2019, o primeiro em torneios de 25.000 dólares) até que a pandemia lhe deu o timing perfeito para encerrar o capítulo escolar com distinção, mas não só.
A longa ausência do circuito profissional fez crescer em Emma Raducanu uma “fome” em ser bem sucedida e foi assim que, enquanto 366.ª classificada no ranking WTA, abordou o verão de ténis na relva do seu país. Deu-se Wimbledon, depois atravessou o Atlântico e jogou a final do WTA 125 de Chicago (que só perdeu para a igualmente talentosa Clara Tauson, também ela uma das futuras estrelas do circuito) e marcou o voo de regresso para a Europa para o fim de semana entre o qualifying e o arranque dos quadros principais do US Open.
E o resto… É história. Ao longo de três semanas non-stop, Emma Raducanu apresentou uma maturidade impressionante não para a idade, porque (e sobretudo) no circuito feminino são precisas várias mãos para contar as histórias de sucesso escritas por jovens como ela, mas para a falta de experiência: Emma Raducanu conquistou o US Open antes de ganhar um encontro em torneios do circuito WTA e com apenas cinco torneios disputados a esse nível. Emma Raducanu chegou a Nova Iorque (e a Wimbledon) sem tempo para se ajustar ao mais alto nível, mas ainda assim dominou-o com distinção.
O resultado foi a “história Disney” de que todos falam, expressão reforçada pelos contornos vintage e multiculturais de uma final inesquecível frente a Leylah Fernandez, e uma partida instantânea para o estrelato. Da Rainha Isabel II a estrelas do mundo do desporto (como os compatriotas Lewis Hamilton e George Russell) e da música (Liam Gallagher é um fã assumido) que se tornaram incontáveis, a popularidade de Emma Raducanu atingiu níveis proporcionais ao cargo histórico da sua conquista e refletiu-se, também, nas audiências televisivas.
Este domingo, no rescaldo da grande final, o Channel 4 anunciou que a aquisição dos direitos da final à Amazon Prime — o serviço por subscrição que teve a seu cargo a transmissão do torneio no Reino Unido — resultou num pico de audiência de 9,2 milhões, equivalente a 39,9% de share, isto é, reuniu as atenções de 39,9% das pessoas que, àquela hora, viram televisão.
Numa quinzena “cozinhada” quase em uníssono ao som da possível conquista histórica de Novak Djokovic, foi Emma Raducanu quem escreveu o capítulo mais surpreendente. Agora, três meses depois de ter começado o verão como a 366.ª classificada e com 29.800 euros como prize-money de carreira, a jovem britânica prepara-se para subir ao 23.º (!) lugar da mesma tabela, com um acréscimo de 2,12 milhões de euros no extrato. E uma particularidade: mesmo que defenda o título em 2022, Emma Raducanu perderá pontos, visto que em Nova Iorque se tornou na tenista da história a pontuar mais num só torneio — 2.000 pela vitória e 40 por passar o qualifying, em que não voltará a competir no próximo ano.
Resta ao ténis — e ao desporto — saber gerir os acontecimentos e deixar Emma Raducanu crescer, sem lhe exigir vitórias e títulos nos próximos torneios do Grand Slam.