Entrevista a Frederico Marques

Com apenas vinte e sete anos, Frederico Marques já percorreu os quatro cantos do mundo e desde 2011 que exerce funções de treinador de João Sousa, melhor tenista português da actualidade e o primeiro a vencer um torneio de singulares da categoria ATP e a entrar e terminar uma temporada no top50 mundial. Esta semana, o treinador lisbonense concedeu-nos uma entrevista onde recorda alguns dos momentos de 2013 e fala sobre a sua relação profissional com o tenista vimaranense, entre muitos outros aspectos.
Ao longo desta entrevista poderá, também, ficar a conhecer as expectativas da dupla para a próxima temporada e os primeiros torneios para os quais os dois pretendem viajar no início da época.
ENTREVISTA
  • Ténis Portugal (TP): Foi em 2011 que tudo começou. Na altura, o Frederico tinha apenas vinte e cinco anos e o João estava fora do top200 mundial. Quais são as maiores diferenças entre os vossos primeiros momentos juntos enquanto treinador/jogador e agora, já depois de terem alcançado todo este sucesso?
Frederico Marques (FM): A meu ver não existem muitas diferenças desde 2011 até aos dias de hoje. Continuamos com a mesma ambição, amizade, respeito e profissionalismo de quando estávamos a competir a nível Future. Desde o primeiro dia em que começámos a trabalhar que acreditamos que podíamos estar entre os melhores do mundo com muito trabalho e humildade.
  • TP: Dado que são ambos bastante novos, é justo dizer-se que têm vindo a aprender um com o outro? Se sim, qual o aspecto em que considera isto reflectir-se mais?
FM: É óbvio que temos vindo a aprender um com o outro. Digamos que todos os treinadores aprendem com os jogadores e vice versa. Esta mentalidade aberta do treinador é muito importante, visto que o atleta é quem tem as verdadeiras sensações. A meu ver sempre se pode aprender e ensinar quando se quer melhorar.
  • TP: Melbourne, Guimarães, Nova Iorque, Kuala Lumpur. Ao longo de uma temporada foram muitas as cidades em que teve razões para celebrar. De forma geral, que avaliação faz ao ano de 2013 ao lado de João Sousa?
FM: O ano de 2013 foi, em termos gerais, um ano muito completo e ao mesmo tempo complicado: nos primeiros três meses, onde aprendemos muito a nível técnico e táctico, apenas jogámos torneios ATP e o nível era outro – já que vínhamos do circuito Challenger; nos três meses seguintes, aprendemos imenso a sofrer e superar algumas adversidades devido à lesão que [o João Sousa] teve no pé, porque não pudemos competir durante cerca de dois meses e foi a primeira vez que isso se sucedeu na carreira do João. Nos últimos seis meses foi um acelerar constante cheio de energia e confiança depois de tudo o que passámos. Podem sempre tirar-se ilações positivas de todas as adversidades, foi o que fizémos e conseguimos acabar bem o ano.
  • TP: 2013 foi, claramente, o ano de maior sucesso para a dupla, mas em 2012 João Sousa já havia mostrado bom ténis em grande parte dos torneios que disputou (inclusive no Estoril Open). Quais considera terem sido os pontos que mais evoluíram de um ano para o outro e como foi feito esse trabalho?
FM: A grande diferença de um ano para o outro foi a estabilidade emocional do João. Essa mesma estabilidade emocional fez com que ele pudesse trabalhar com mais tranquilidade nos treinos e competição. Digamos que o João do dia de hoje é um jogador muito mais completo e equilibrado.
  • TP: Ao longo da época, o João defrontou grandes jogadores (como o Andy Murray, o Novak Djokovic e o David Ferrer). De que forma considera que estes encontros o podem ajudar a evoluir, dado que o próprio afirmou que só ao defrontar o sérvio se apercebeu verdadeiramente do que é preciso para estar no topo?
FM: A meu ver todos os encontros são importantes para analisar e com isso evoluir. Ao finalizar todos os jogos fazemos uma análise do jogo e assim podemos tirar algumas ilações. Mas também é óbvio que ao defrontar jogadores de ranking superior, como é o caso dos top10, vamos obter mais informação, visto que nos vão dificultar mais a tarefa e assim expor alguns pontos menos positivos.
  • TP: Focamo-nos agora em Kuala Lumpur. Primeiro Harrison, depois Cuevas, Ferrer, Melzer, e , por fim, Benneteau. Não foi um percurso ‘qualquer’ e o João Sousa acabou por conseguir fazer história e conquistar o seu primeiro troféu. Consegue descrever-nos as suas (vossas) emoções ao longo de toda a semana?
FM: Foi, sem dúvida, uma semana especial, mas apenas especial quando acabou o torneio. Afrontámos o torneio com muita tranquilidade, os dias iam passando e só pensávamos em como utilizar as nossas armas no dia seguinte. Apenas pensávamos dia a dia e sem olhar para nomes nem pontos. Preocupámo-nos em comer e descansar bem e lutar imenso com a famosa estabilidade emocional.
  • TP: De um ponto de vista mais nacional, como pensa estar a evoluir (se é que concorda com a afirmação) o ténis português? Até onde e como pode ‘avançar’ a modalidade no nosso país? Como treinador de um desportista que apostou no estrangeiro para evoluir, qual é a sua opinião em relação a este assunto? É possível fazer-se carreira em Portugal?
FM: Penso que o ténis em Portugal está no bom caminho, mas ainda nos falta algo de base e profissionalismo. Considero muito importante o tema educação ([ligação]escola-ténis) e é necessário estarem juntos desde o começo. Sempre tivémos jogadores a bom nível nas camadas jovens mas acabam por perder muitas horas de treinos e descanso sem essa ligação. Tem de existir uma maior flexibilidade, para se poder treinar e estudar com tranquilidade e também competir com essa tranquilidade. Ainda existe muito o “primeiro estudas, depois treinas e por último competes”… Neste processo perde-se muita melhoria que no futuro irá ser crucial.
Claro que se pode fazer carreira em Portugal, mas com algumas mudanças tudo seria mais fácil e poderíamos ter mais jogadores seniores com a base correta. Com o exemplo do João Sousa, Rui Machado e Frederico Gil, que já tiveram alguns ingressos no mundo do ténis, eu penso que os pais dos atletas jovens também podem começar a ver o ténis como opção de futuro para os filhos e não só a carreira universitária.
  • TP: Falando ainda de Portugal, qual é a sua opinião acerca das mais recentes movimentações na selecção nacional masculina? Gostaria de, um dia, vir a ocupar o cargo de seleccionador nacional?
FM: Penso que a eleição foi a correta, visto que o Nuno Marques é uma pessoa com personalidade, carácter e com muita experiência dentro de campo dado que foi um grande jogador. O cargo de selecionador nacional está muito bem entregue e é um assunto que não está neste momento no meu horizonte.
  • TP: Com os olhos postos na próxima temporada, quais são os aspectos que tem trabalhado mais com o João ao longo desta pré-temporada? Como se tem desenvolvido todo o ‘processo’?
FM: A pré-temporada do João foi dividida em três fases: a primeira contou com treinos de muito volume para ganhar alguma base perdida com o desgaste dos últimos meses de competição e melhorar o plano físico; na segunda, trabalhámos com o objectivo de ganhar alguma ‘explosividade’ nos seus golpes assim como alguns aspectos técnico e tácticos; por último, na terceira fase (pré-competição), que corresponde às duas últimas semanas, muitos jogos de treino, ou seja, treinar o mais parecido à competição.
  • TP: Para 2014, quais são as grandes expectativas?
FM: O que mais queremos para 2014 é continuar a evoluir como pessoas e jogador/treinador. Nunca falamos de números e rankings, pois não é algo que se possa controlar, mas gostaríamos de ver o nome do João nos 40 primeiros do ranking no final do ano.
  • TP: E do calendário, já nos pode avançar alguns detalhes sobre as cidades para as quais planeiam viajar?
FM: O calendário do João será: primeira semana do ano em Doha, Qatar (ATP250), segunda semana em Sydney, Austrália (ATP250) e, depois, o Australian Open. Após os torneios na Austrália, jogará a Taça Davis na Eslovénia e depois tudo indica que vai para a América do Sul, onde jogará em Viña del Mar, Chile (ATP250), Buenos Aires, Argentina (ATP 250), Rio de Janeiro, Brasil (ATP 500), Acapulco, México (ATP500), e Indian Wells e Miami, Estados Unidos da América (Masters 1000).
  • TP: A todos aqueles que gostariam de seguir as suas pisadas, tem algum conselho que gostaria de deixar? Como e onde começar?
FM: O importante não é onde se trabalha mas como se trabalha. Não é possível ter-se êxito se não se ama este desporto, porque os sacrifícios são muitos. ‘Ser humilde e aprender sempre alguma coisa todos os dias’, este é o meu lema de viver e eu vivo ténis.
  • TP: Para terminar, qual é a sua opinião sobre o Ténis Portugal? Em que aspectos considera que devíamos evoluir mais?
FM: Penso que fazem um excelente trabalho, adorava que estivessem nas bancas. Sou da opinião que uma revista entra mais pelos olhos e ajudaria mais a modalidade.
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