Metade YouTuber, metade tenista: Karue Sell surfa em cima do sucesso em vídeo

Beatriz Ruivo/FPT

OEIRAS – Karue Sell seria mais um de muitos e bons tenistas que se esfolam diariamente para escalar na hierarquia ATP a tentar ter uma vida melhor. Seria um de muitos bons valores a dar a vida para somar um ponto aqui e ali porque o topo é estreito e nem todos lá cabem. Mas o brasileiro de Jaraguá do Sul é mais do que isso. Bem vistas as coisas, o ténis é apenas uma parte da vida. Ou metade dela.

Aos 31 anos, a história de Karue Sell é bastante curiosa e, de certa forma, até inspiradora. Depois de anos e anos sem entrar sequer nos 350 melhores – pelo meio, como tantos outros, tirou os livros da arrecadação e foi para o circuito universitário norte-americano, para a Califórnia – e depois de ajudar Naomi Osaka a sagrar-se duas vezes campeã de provas do Grand Slam, o brasileiro deu mais uma chance à sua carreira, a última. O resultado? Ainda não está onde quer, mas está mais perto do que alguma vez esteve.

“O que eu quero este ano é jogar os Grand Slams, quero entrar no top 200 para os jogar pela primeira vez. Tenho 31 anos, não tenho muito mais tempo e quero ter essa experiência”, contou no Jamor há cerca de uma semana quando passou pelos dois primeiros Indoor Oeiras Open, onde contou com uma ajuda técnica de Filipe Brandão, compatriota que vive em Portugal há vários anos e treina a internacional portuguesa Ana Filipa Santos.

Recentemente dentro do ATP Challenger Tour, uma novidade aos 31 anos, Karue Sell tem os pés assentes no chão e sabe “que não sou o João Fonseca nem vou ganhar os maiores torneios”, até porque nem todos o podem atingir. Atualmente no posto 260 do ranking (em novembro foi 258.º), alcançar os quatro maiores torneios da modalidade seria benéfico, igualmente, para a grande obra de Sell: o canal de YouTube que conta com 155 mil inscritos, quase todos provenientes dos Estados Unidos da América.

Na verdade, o regresso aos courts mais a sério, em 2023, teve origem virtual. “O meu canal no YouTube cresceu bastante e eu consigo pagar minhas contas hoje em dia, por isso voltei”, contou. “Tenho duas profissões. Saio daqui e vou para casa editar. Gosto disso, porque senão ia para casa e ficar a ver Netflix, ou ia para o Instagram, então pelo menos tenho algo para fazer em casa ou no hotel. Gosto de criar, gosto dessa parte de criador de conteúdo”.

“Esta é uma carreira difícil para a maioria, perdemos todas as semanas. Tento ser o mais honesto possível. Poder jogar o meu melhor ténis e contar essa história no canal tem sido bem legal, gratificante. E é o que paga as minhas contas. Agora já não preciso de dar aulas, tenho um suporte legal e parece que a galera curte, vou continuar a fazer”.

Não só dar aulas como a própria incursão como parceiro de treino foi muito devido a questões financeiras. Os elogios a Osaka e a Wim Fissette (um dos melhores técnicos do circuito feminino, antigo treinador da japonesa) são muitos e o que conseguiu beber do contacto com outros nessa outra vida fê-lo aperfeiçoar os dotes tenísticos para agora escalar no ranking, bem como a maior maturidade entretanto adquirida. Desde o regresso, Karue Sell já amealhou três títulos ITF em quatro decisões disputadas e o Australian Open não ficou muito longe.

O canal também salvaguarda planos para um futuro não muito longínquo. “Quero ter guests para falar de ténis. Essa é a minha especialidade. Não sou alguém que faz entrevistas, a minha especialidade é jogar ténis, entender o que você faz bem e aprender sobre o jogo com esses jogadores. No futuro é isso que quero fazer”, explicou, sempre de modo apaixonado e de como quem fala para mais de 150 mil seguidores da sua conta, só que neste caso em língua portuguesa.

Para já, o regresso à competição “é uma boa história para o canal”, até porque as duas vidas andam lado a lado como uma só. “O canal consegue, pelo menos, pagar as minhas próprias contas enquanto viajo sozinho. E contar esta história online tem sido gratificante e em termos de ranking tem sido tudo melhor do que eu imaginava”.

Quem sabe se a história não será mais vezes contada no nosso país. É verdade que Sell não ficou para o terceiro e último Indoor Oeiras Open e que os resultados a abrir 2025 não foram os desejados, mas os elogios a Portugal foram imensos e apesar de viver e dever muito aos EUA, o sangue continua a ser brasileiro e sente-se em casa.

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Total
0
Share