LISBOA — Gonçalo Falcão deu por encerrada na oitava edição do Del Monte Lisboa Belém Open uma carreira de mais de duas décadas a competir a nível diário. Aos 36 anos, o lisboeta quis acabar no CIF, o seu clube de sempre, perante família e amigos numa despedida que se deu em dose dupla e em palcos distintos. Saturado da vida profissional, o especialista nacional de pares não lamenta muito, mas sabe que estendeu a manta desnecessariamente durante um par de anos pouco saudáveis mentalmente.
A vida segue também no CIF, mas agora num papel de treinador de clube, depois de um merecido “reset”, e com uma base estável e de poucas ou nenhumas viagens, essa palavra umbilicalmente ligada aos tenistas profissionais e que causa dores de cabeça a Falcão. O anúncio do novo papel foi dado pelo próprio Manuel de Sousa, diretor do torneio, pai de Pedro Sousa (também ele retirado do ténis neste mesmo palco, mas há um ano) e, sobretudo, novo chefe, já que é o coordenador da MP Ténis, escola sediada no CIF.
A despedida não tinha como ser noutro local. Três dias depois do último encontro individual em pleno court central do Club Internacional de Foot-Ball, o derradeiro encontro da carreira, ao lado do amigo de longa data Gastão Elias, realizou-se num dos campos indoor devido à intempérie que vai caíndo pela capital portuguesa. Não deixou de ser memorável, ainda que de forma diferente da imaginada inicialmente.
“Domingo houve ali um monento mais especial e uma quebra da minha parte no fim. Mas foi especial na mesma, ao fim ao cabo acabei a ter as pessoas que me acompanharam durante mais tempo, as pessoas do ténis e os meus amigos fora deste contexto. E por haver também o torneio feminino estavam aqui treinadores e jogadores que em condições normais não estariam a ver. Mas pronto, foi num campo em que treinei milhares de vezes, milhares de invernos. Acabou por ser sempre especial, obviamente não com o tempo ideal, mas com as pessoas que eu queria”, sublinhou na última conferência de imprensa como jogador profissional.
Para quem o viu nas últimas semanas, últimos meses ou até nos anos que findaram, as razões do abandono são fáceis de escrutinar. É, por isso, algo “natural” e uma decisão bem ponderada. “Estava saturado e não conseguia estar empenhado do início ao fim, que sempre foi uma coisa que fez parte de mim. Apesar dos maus resultados, eu ia sempre para dentro do campo dar o máximo do início ao fim e isso deixou de acontecer. E não falo só dos torneios, mas também dos treinos em que ia só um pouco e em que já estava a muito custo e não conseguia estar nem uma hora concentrado e preocupado com o que devia. Este é um argumento clássico de cada jogador que acaba, o de não conseguir estar dentro do campo e não ter vontade de o fazer”.
Mas há mais. “E depois o ténis durante 30 anos foi a coisa mais importante da minha vida e deixou de ser. Apareceram outras situações do dia a dia, outras pessoas, outros momentos e acho que isso indiretamente também me levou a tomar esta decisão. Preciso de mais tempo para mim, preciso de tempo para fazer outras coisas”, algo incompatível com a exigente vida profissional e com o método “hiper disciplinado” com que se auto-incutiu desde sempre. Desde o simples fazer o saco para o dia seguinte ao organizar a programação. “Atingi um ponto de saturação máxima e achei que não valia mais a pena” e agora o objetivo passa por ter estabilidade, por fim. E concretizar “sonhos que vão além do ténis”, como simplesmente construir família.
Gonçalo Falcão diz que já nem se recorda do último sorriso dentro de um campo de ténis, a paixão que se tornou somente trabalho há já algum tempo. A “aura negativa” que o circundava, unânime entre todos do meio, falava por si só. “Devia ter colocado um ponto final há dois, três anos”, admite, explicando o quão difícil é cortar com uma rotina de sempre. Ia constantemente “ao baú” encontrar motivos para prolongar o sofrimento, explica. Esse é, porventura, o maior arrependimento do experiente português. “Mas no geral valeu a pena”.
961.º da hierarquia individual masculina em 2012, 374.º em pares no ano de 2019, Falcão leva para coleção 15 troféus internacional na especialidade e um rico palmarés juvenil: campeão nacional de sub 12 (1999 e 2000), sub 14 (2002), sub 16 (2003) e sub 18 (2006). Na prova absoluta terminou como vice-campeão de singulares em 2011, venceu três (2008 com Nuno Páscoa, 2012 e 2018 com Gonçalo Pereira) das seis finais em pares masculinos e conquistou três títulos de pares mistos (em 2013 com Joana Valle Costa, em 2021 ao lado de Inês Murta e em 2023 com Ana Filipa Santos). Mais do que isso, leva “boas memórias” de um capítuo que se encerra.
“Aquilo que me deixa mais orgulhoso tem a ver com a minha postura ao longo destes anos, o facto de ter sido profissional ao máximo. Não me lembro de falhar um treino porque estava doente ou lesionado, com dores ou seja o que for. Isso é aquilo que vou guardar. Obviamente que a malta mais nova não vai ouvir falar de mim porque ganhei isto e aquilo ou fui top 100, seja o que for, mas gostava que os treinadores dos mais novos e as pessoas que me acompanharam ao longo destes anos consigam transmitir essa parte. Sei que isso não chama muita gente, o que chama é aparecer na televisão, jogar os grandes torneios, mas pelo menos que se consiga transmitir isso aos mais novos. Mais do que os resultados, o meu maior orgulho é ter conseguido arranjar motivos para me levantar da cama todos os dias”.
O “mítico”, a “lenda”, como é muitas vezes apelidado pelos seus pares, coloca assim um ponto final. E mesmo que a ideia não seja, no imediato (porque acredita que a sabedoria adquirida pode ser útil no futuro), andar de lés a lés, mas sim assentar arraiais, Gonçalo Falcão não vai abandonar os courts mais do que duas semanas. Haverá sempre CIF para ele, mesmo que noutras funções.