A terra prometida coloca Nuno Borges e Francisco Cabral no Olimpo do ténis nacional

O ténis não é o mais tradicional dos desportos olímpicos e apesar de ter feito parte da edição inaugural dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, em Atenas 1896, foi descartado por desentendimentos relacionados com regulamentos após a edição de 1924. Regressou como desporto de demonstração em 1968 e em 1984, mas foi apenas em 1988 que retomou a construção de um legado na maior cimeira desportiva e em 2024, cumpridos 100 anos desde a primeira participação de um tenista português, Nuno Borges e Francisco Cabral enriquecem o Olimpo do ténis nacional. Mas primeiro um pouco de história.

Para o ténis português, a história em Jogos Olímpicos começou em Paris 1924, há quase 100 anos. Um ano antes da fundação da então Federação Portuguesa de Lawn-Tennis, António Casanovas e Rodrigo Castro Pereira solicitaram ao Comité Olímpico de Portugal as suas inscrições.

O primeiro acabou por não participar devido a problemas de saúde, mas o segundo fez a viagem e tornou-se no primeiro tenista olímpico português, perdendo na primeira ronda com o argentino Arturo Hortal (6-1, 6-4 e 6-2) no Stade Yves-du-Manoir quatro anos antes da construção do Stade Roland-Garros onde um século depois competem Borges e Cabral.

À estreia de Rodrigo Castro Pereira em 1924 seguiu-se um longo interregno do ténis como desporto olímpico devido a desentendimentos entre a Federação Internacional de Ténis e o Comité Olímpico Internacional.

Só em Seul 1988 é que se voltaram a fazer serviços olímpicos e para o regresso muito contou a determinação de Philippe Chatrier, presidente da Federação Francesa de Ténis que foi determinante para a reintrodução do ténis nos Jogos Olímpicos e que em 2001, um ano após o falecimento aos 72 anos, foi homenageado com a rebatização do court principal de Roland-Garros como Court Philippe-Chatrier.

Marco Seruca tentou o apuramento, mas perdeu na qualificação que se realizou em Budapeste, na Hungria.

1992 foi o ano que assinalou o regresso do ténis português aos Jogos Olímpicos. Bernardo Mota (então 196.º ATP) foi repescado como lucky loser após perder na qualificação de Lillehammer, na Noruega (onde também jogaram Emanuel Couto e Vasco Gonçalves), e estreou-se com pompa e circunstância ao enfrentar logo na primeira ronda o croata Goran Ivanisevic (que três semanas antes chegara à final de Wimbledon) e a oferecer resistência ao longo de cinco sets, até que o resultado final de 6-2, 6-2, 6-7[5], 4-6 e 6-3, sorriu ao então número quatro mundial.

Nesse mesmo ano, Bernardo Mota e Emanuel Couto furaram a qualificação e tornaram-se nos primeiros portugueses a ir a jogo em pares, perdendo por 6-1, 6-3 e 6-1 com os franceses Guy Forget e Henri Leconte, campeões da Taça Davis.

Curiosamente, a qualificação para o quadro feminino dos Jogos Olímpicos de 1992 aconteceu em Lisboa e foi nesse ano que Portugal esteve mais perto de contar com representação, mas Sofia Prazeres foi a única a passar uma ronda, enquanto Tânia Couto e Inês Drummond perderam logo nos singulares e Joana Pedroso em pares, ao lado de Sofia Prazeres.

Quatro anos depois, em Atlanta 1996, Bernardo Mota e Emanuel Couto repetiram a presença nos pares e foram novamente derrotados por dois especialistas, Mark Knowles e Roger Smith, com os parciais de 7-6[6] e 7-6[4].

No ciclo seguinte, em 2000, Bernardo Mota viajou até Sydney e tornou-se no primeiro português a participar em três Jogos Olímpicos, desta vez ao lado do estreante Nuno Marques, com quem ficou muito perto da primeira vitória lusa: Mark Knowles e Mark Merklein só venceram por equilibrados 6-7[7], 6-4 e 7-5.

Depois, seguiram-se 16 anos de ausência até que no Rio de Janeiro de 2016 se fez história: João Sousa (36.º) e Gastão Elias (64.º) garantiram, pela primeira vez, a participação de dois portugueses em singulares e foram um passo mais longe ao assinarem as primeiras vitórias: esse feito coube a Elias, que derrotou Thanasi Kokkinakis por 7-6[4] e 7-6[3] (depois perdeu com Steve Johnson por 6-3 e 6-4) um dia antes de Sousa repetir a proeza ao superar Robin Haase por 6-1 e 7-5 (na segunda eliminatória deu trabalho ao futuro medalha de prata, Juan Martin del Potro, até perder por 6-3, 1-6 e 6-3).

O sucesso dos singulares replicou-se nos pares e Sousa e Elias venceram os eslovacos Andrej Martin e Igor Zelenay por 6-4 e 6-2 para alcançarem a segunda ronda (derrota por 6-1 e 6-4 para os canadianos Daniel Nestor e Vasek Pospisil, que perderam no encontro da medalha de bronze).

Em Tóquio 2020, o adiamento de um ano colocou em risco a presença de tenistas portugueses, mas o tempo fez justiça aos feitos de Pedro Sousa (que desde que celebrou 30 anos celebrou vários feitos históricos e no Japão se tornará no sétimo tenista olímpico de Portugal) e João Sousa (que praticamente garantira a participação em 2020 ao chegar à quarta ronda de Wimbledon no ano anterior, antes da pandemia interromper o circuito e baralhar as contas do ranking e do apuramento) e Portugal voltou a estar representado por dois jogadores.

As passagens dois dois jogadores lusos pela capital japonesa na triste edição de 2021, sem público e altamente restrita por causa da pandemia de covid-19, não foram memoráveis. João Sousa cedeu a reviravolta para o checo Tomas Machac, que venceu por 6-7(5), 6-4 e 6-4, enquanto Pedro Sousa não teve argumentos para o espanhol Alejandro Davidovich Fokina, os parciais de 6-3 e 6-0 a darem-lhe uma vitória clara. Nos pares, Kei Nishikori e Ben McLachlan deram ao público da casa razões para celebrar ao vencerem a dupla portuguesa por 6-1 e 6-4.

Paris 2024, a terra prometida

Três anos depois, a mais portuguesa das capitais europeias transforma-se e a sua terra batida torna-se na terra prometida de dois tenistas que cresceram juntos e que agora cumprem juntos o sonho.

Os resultados de Nuno Borges no primeiro semestre de 2024 permitiram-lhe ficar tranquilo em relação ao apuramento olímpico, mas Francisco Cabral viveu semanas e meses mais desafiantes e esteve até à última hora a aguardar pela notícia com que mais sonhava, até que a conjugação do ranking de pares com o ranking de singulares do amigo acabou com as dúvidas.

E porque uma situação leva a outra, graças à entrada em pares o portuense acabou por também ser chamado a singulares, entrando como lucky loser para o lugar de Alex de Minaur ao responder sem hesitações à oportunidade que outros especialistas de pares rejeitaram.

Assim, ao Rio de Janeiro 2016 e a Tóquio 2020 seguiu-se Paris 2024 como a terceira edição dos Jogos Olímpicos a contar com dois tenistas portugueses em ação em singulares e pares.

Nem Borges (que tinha nessa variante o maior foco) nem Cabral (que não jogava sem um parceiro há mais de dois anos) foram felizes nas estreias em singulares, mas horas depois encontraram razões para sorrir nos pares.

Dois anos após fazerem história ao vencerem o Millennium Estoril Open, o maiato e o portuense passaram pelos irmãos Stefanos Tsitsipas e Petros Tsitsipas num encontro dramático e tornaram-se apenas na segunda dupla lusa a vencer um encontro olímpico, assinando o quarto triunfo português na competição para ficarem com mais história à vista — ou neste caso um diploma.

Os dois portugueses enfrentam os alemães Dominik Koepfer e Jan-Lennard Struff na segunda ronda e se passarem aos quartos de final conquistam o primeiro diploma olímpico da história do ténis português, reconhecimento reservado aos oito melhores de cada competição.

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Total
0
Share