60 anos de Billie Jean King Cup, 60 anos de jornada pelo empoderamento feminino

Matt McNulty/Getty Images

Ainda se contam pelos dedos de uma mão as edições ao abrigo a atual denominação, que surgiu na sequência da revolucionária reforma levada a cabo a par com a Taça Davis, mas a cronologia do ‘Campeonato do Mundo de ténis feminino’ tem um passado muito mais recheado. São vários os lembretes que por estes dias sinalizam no Estádio Olímpico da Cartuja o redondo 60.º aniversário da competição que em 2020 adotou o nome daquela que tem sido presença assídua na tribuna presidencial: Billie Jean King, figura incontornável do desporto mundial que desde a fase embrionária do torneio não só deixou cunho dentro de court, como se enobreceu fora dele para dar voz à defesa da igualdade de género.

Por Daniel Baltazar Basto, em Sevilha.

E é, justamente, sob o mote ‘Advantage All’ que se tem guiado a primeira de duas edições de Billie Jean King Cup a fazer as margens do Guadalquivir sua casa. Destacada premissa desde a renovada mudança imagem, o empoderamento feminino passou do papel à ação através do aumento dos prémios monetários, que já se equiparam aos distribuídos pela competição congénere, pelo segundo ano consecutivo. Mas King relembra, vezes sem conta, que muito ainda resta por desbravar no caminho pela paridade e se seis décadas de reivindicações não foram suficientes, prova que a dias de cumprir 80 anos ainda está ‘na flor da idade’ para dar o rosto pelas suas causas.

A génese da criação de uma prova feminina que reunisse as federações de todo o globo remonta a 1919, quando tudo não passava de um sonho idealizado por Hazel Hotchkiss Wightman até que, 44 anos depois e na ocasião do 50.º aniversário da Federação Internacional de Ténis, o passo definitivo foi dado. As primeiras participantes foram o Reino Unido e os Estádios Unidos da América, mas os novos ares alastraram-se a 14 outras nações que também deram às mulheres o privilégio de defender a bandeira.

Derrubada a primeira barreira de dissonância com o cenário masculino, a escassez de patrocínios e a ainda frágil visibilidade internacional serviram de entraves ao progresso: os prémios monetários eram inexistentes e cada equipa tinha de cobrir os seus gastos. O florescimento foi-se verificando entre os vários formatos numa escalada que mobilizou cada vez mais seleções. Seis decénios volvidos, foram 134 os países que competiram entre os vários escalões da Billie Jean King Cup numa jornada audaz de celebração do ténis feminino.

À entrada para a Fan Zone, criada nas galerias de um estádio que há cerca de dois anos e meio testemunhava a frustração portuguesa após a eliminação no Europeu de futebol, não passa despercebido um alongado mural que tem como ‘intrusa’ uma das que mais deu à modalidade. Figurante de incontáveis molduras que compõem o ‘álbum’ de recordações de 60 anos de vida da competição, Billie Jean King transparece a mais apurada ética do desporto que inspirou gerações e não deixa indiferente ninguém que passe ao seu redor — seja na tentativa de pedir um autógrafo, seja para deixar uma palavra de agradecimento.

A pioneira da luta pela igualdade de género no desporto foi calorosamente recebida na cerimónia de apresentação que aconteceu no Real Alcazar e tem tido tanto ou mais protagonismo que aquelas que atuam dentro de campo. Contam-se poucos segundos para se formarem aglomerações de fãs quando percorre a zona comum do Estádio Olímpico com relva coberta pelas alcatifas, e nulas foram as vezes em que não recebeu uma ovação na chegada aos camarotes tanto do court central como do secundário (onde assistiu à eliminação dos ‘seus’ EUA).

A programação agendava um sábado destinado a conhecer as duas finalistas da primeira de duas edições recebidas na Andaluzia, mas no interlúdio entre as duas meias-finais Billie Jean King voltou a ser chamada a pisar o palco onde há dias treinava “no caso de se precisar de uma alternate. Num dia de comemoração dos 60 anos de ‘Campeonato do Mundo de Ténis’ feminino, foi aclamada ao lado de duas das destacadas figuras do desporto espanhol, Aranxta Sanchez-Vicario e Conchita Martinez, numa singela homenagem que contou com o presidente da ITF, David Haggerty.

Já a caminho da ‘terceira idade’, a cimeira de seleções femininas que este ano coroará a Itália ou o estreante Canadá — digladiam-se na final marcada para a tarde deste domingo de emoções fortes — denota o porquê de o ténis ser um das modalidades mais igualitárias. Mas compete saber-se que o percurso não se fez num só dia e que ainda há uma longa carreira a trilhar em prol da paridade de condições tanto no desporto, como na sociedade.

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