Cagla Buyukakcay. A pioneira que quer “fazer tudo outra vez” antes de contribuir para que outros a superem

A tranquilidade do The Campus, na Quinta do Lago, convida a longas conversas e é este o cenário da entrevista a que Cagla Buyukakcay acede com muita simpatia. Nascida e criada na Turquia, fez história ao entrar no top 100 e ao tornar-se na primeira mulher do país a vencer um torneio WTA. Agora, aos 33 anos, tem como objetivo voltar à elite do circuito mundial feminino antes de dedicar o futuro a ajudar a nova geração a superar os seus melhores resultados, assuntos sobre os quais fala com uma enorme paixão.

“Acima de tudo eu adoro este desporto. Adoro jogar ténis, competir, conhecer novas pessoas e ter amigos pelo mundo fora. No fundo, gosto mesmo muito do meu trabalho.” O segredo não poderia ser mais conhecido: é a paixão que move Cagla Buyukakcay depois de tantos anos — e sobretudo depois de um ano muito difícil, primeiro com o falecimento do treinador de longa data e depois com uma suspensão por doping que conseguiu provar tratar-se de contaminação por ingestão de carne, mas só após oito meses de ausência do circuito.

Esses assuntos ficaram, por opção minha, de fora desta entrevista, mas ajudam a entender a determinação extra apesar da idade já relativamente avançada para uma tenista profissional.

“Este é o meu nono torneio do ano e quero ganhar o máximo de encontros que conseguir, mas sei que o meu nível nem sempre vai ser bom. O primeiro passo é melhorá-lo. E trabalhar para melhorar é algo que eu adoro fazer. O meu objetivo é voltar a jogar os grandes torneios”, explica com a ambição de quem sabe o que tem de fazer, a começar pelo circuito ITF.

“Estou pela segunda vez em Portugal em poucas semanas e tenho gostado muito. São torneios muito bem organizados e este é um dos melhores clubes que já vi, por isso é claro que é uma motivação extra. São os meus primeiros dias em piso rápido depois de muito, muito tempo, por isso viajei sem expetativas e só com o objetivo de estar no court e jogar bons pontos com boas jogadoras, porque o nível dos torneios é bastante bom. Estou contente com as minhas vitórias”, acrescentou Buyukakcay a propósito da semana no The Campus, onde alcançou as terceiras meias-finais desde o regresso ao circuito internacional, em julho.

Para além de motivação, Cagla Buyukakcay tem as memórias de uma época de 2016 brilhante: foi nesse ano que se tornou na primeira mulher turca a entrar no top 100 do ranking mundial e na primeira mulher turca a vencer um torneio WTA — e logo em Istambul. A esses feitos juntou a participação nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

E não tem dúvidas em considerar a semana em Istambul como aquela que mudou a sua vida: “A partir daí mudou tudo. E foi além das minhas expetativas. É claro que queria entrar no top 100 e ganhar um título WTA, mas acontecer em casa… É a prova de que com trabalho e dedicação as coisas boas podem acontecer. Istambul teve uma enorme importância na minha carreira. Passei a disputar os quadros principais de torneios do Grand Slam e a jogar várias vezes contra jogadoras do top 10 mundial. Gostava que essa fase tivesse durado mais tempo, mas sei que se trabalhar para melhorar posso lá voltar. Saber que já o fiz dá-me muita motivação.”

Mas não é só o amor pelo ténis que mantém acesa a chama de Cagla Buyukakcay: “Representar o meu país na Fed Cup e nos Jogos Olímpicos foi uma enorme honra e sempre tive como motivação dar o meu melhor pelo ténis na Turquia. Somos um país com mais de 80 milhões de habitantes, mas não temos muitos tenistas profissionais e acredito que isso pode mudar.”

“Tens razão quando dizes que a tradição tenística nos nossos países é bastante parecida”, diz-me, “mas a população de Portugal é inferior à de Istambul (risos).”

“Fico muito feliz por ver que agora vocês têm muitos torneios e mais patrocinadores. É um luxo e é algo que gostava que também fosse possível na Turquia, porque ia ajudar muito as novas gerações. Temos jovens muito bons, mas muitos deles não têm possibilidades de competir a um nível internacional. A Turquia tem uma população muito jovem, por isso espero que possamos melhorar para mostraros às pessoas que podemos ter mas atletas e mais jogadores de ténis. Depois do que eu alcancei, as pessoas começaram a acreditar que é possível ser bem sucedido no ténis, por isso tento encorajar os mais jovens. A educação é a grande prioridade na Turquia e o que acontece é que quando estão a preparar-se para ir para a universidade muitos deles largam o desporto, mas eu espero conseguir transmitir-lhes que também é possível ter sucesso no desporto e que nos pode dar uma boa vida.

Orgulhosa de ser “100% turca” e de ter trabalhado “sempre com uma equipa turca”, Buyukakcay destaca o empenho como chave para o seu sucesso: “É claro que para além disto olhei sempre para o que os outros estavam a fazer. Hoje em dia consegues aprender muitas coisas no Youtube, mas quando eu era mais nova não havia tantos recursos, por isso o essencial é empenhares-te e procurares formas de aprender. Dedicação e empenho são as coisas mais essenciais e eu sempre tive muita vontade de melhorar.”

A conversa prolonga-se e a ex-top 60 mundial revela-se uma verdadeira apaixonada pelo ténis a todos os níveis: “Estou sempre a ver ténis. Vejo os encontros, vejo as entrevistas, vejo tudo. Sempre gostei muito do Federer e do Nadal, mas atualmente quase todos os encontros do circuito masculino são imprevisíveis e acho isso entusiasmante. Há uma geração muito boa a surgir e o mesmo acontece no ténis feminino, com estrelas novas em todos os torneios.”

A pergunta seguinte é, por isso, inevitável: como é que Cagla Buyukakcay vê o sucesso de Ons Jabeur, que tal como ela foi bem sucedida num país com pouca (ou nenhuma tradição tenística)?

“Para ser sincera, ela é uma das minhas melhores amigas no circuito. É um ser humano maravilhoso e sempre foi muito talentosa. O que tem feito é sensacional porque vem de uma cultura em que não há muitos atletas e na qual as mulheres não estão muito envolvidas no desporto. Ao virmos de países como os nossos começamos a perder 0-2, porque enquanto crescemos não acreditam que podemos ter resultados ao nível internacional. Ela é um excelente exemplo e uma excelente líder para a Tunísia e para o mundo árabe e muçulmano de que mesmo não havendo uma tradição é possível ter sucesso.”

A explosão de Jabeur — que em 2022 disputou duas finais de torneios do Grand Slam (em Wimbledon e no US Open) e chegou a número dois do Mundo — leva-nos novamente aos primeiros anos da carreira de Buyukakcay.

“Como disse antes, a prioridade na Turquia é conseguir uma boa educação e há muitas crianças que são encorajadas a perseguir bolsas de estudo nos EUA, porque é uma excelebte oportunidade. Eu também tinha este sonho, mas depois percebi que quando voltasse seria demasiado tarde para mim. Então pensei ‘e porque não tornar-me numa boa jogadora no meu próprio país, na minha própria cultura?’ Tive de trabalhar muito mais do que as outras jogadoras, porque aos 12, 13 anos já viajavam para competir e eu só comecei aos 17 e logo no circuito ITF, mas acreditei e tive sempre como motivação mostrar à Turquia que é possível termos bons jogadores e chegarmos aos torneios do Grand Slam. Quando eu comecei, jogar o qualifying de um era um sonho. Estamos a falar de ser top 250 do Mundo. Foi deste mundo que vim e é por isso que, mesmo sendo uma pessoa muito humilde, ao mesmo tempo estou muito orgulhosa do que conseguimos fazer. Agora as crianças acreditam desde o primeiro dia e eu encorajo-as, mas não o faço só com palavras: elas vêem o que eu fiz e sabem que o podem fazer também.”

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