Especial portugueses em Roland-Garros: Luís Lopes prepara Karatsev para qualquer cenário, incluindo sofrer

Luís Lopes é preparador físico e ajudou Aslan Karatsev a tornar-se num dos melhores tenistas do mundo. Com muito trabalho à distância, o russo causou sensação no Australian Open de 2021 ao atingir as meias-finais e de Melbourne catapultou-se para o top 20, com uma final e três títulos conquistados ao mais alto nível — o mais recente já este ano, de regresso ao país onde saltou para a ribalta. Desta vez em Paris, para o segundo torneio do Grand Slam do ano, o português reencontrou-se com o Raquetc para mais uma conversa sobre o trabalho com o atual número 41 mundial, mas também acerca de dois jogadores que acompanha à distância, seja durante as viagens com Karatsev, seja quando está nos Países Baixos, para onde se mudou depois de deixar o Qatar.

Por Gaspar Ribeiro Lança, em Roland-Garros

Raquetc: Sei que estiveste com o Aslan na Austrália, mas que semanas fizeste desde aí?

Luís Lopes (LL): Depois de começarmos o ano na Austrália fiz Marselha, Roterdão, Miami, Madrid e na semana passada Lyon, que respeitando os compromissos com o torneio foi uma semana de preparação para Roland-Garros.

Aproveitando a tua deixa em relação ao torneio de Lyon, que diferenças existem no vosso trabalho ao nível do reforço e da prevenção por terem no horizonte um torneio do Grand Slam?

(LL): Queremos sempre respeitar os compromissos com o torneio, mas ao mesmo tempo tentamos olhar um bocadinho mais além e perceber que na semana seguinte vamos jogar um torneio do Grand Slam, por isso dentro das janelas de oportunidades que temos aproveitamos para fazer algum trabalo específico. Do ponto de vista competitivo a semana não correu da melhor maneira, o Aslan terminou a participação logo no domingo e viemos para Paris na segunda-feira. Entre terça e quinta-feira tivemos um bloco de trabalho com carga, enquanto na sexta-feira e no sábado fizemos dias de recuperação para o prepararmos para competir, porque havia a possibilidade de jogar logo no domingo e confirmou-se. Quando se compete semana sim, semana sim não há muitas oportunidades de fazer uma preparação mais detalhada, portanto foi isso que aproveitámos para fazer.

Fala-se muitas vezes da terra batida como uma superfície mais física, mas ao mesmo tempo diz-se que é relativamente melhor para o corpo. Concordas com esta avaliação? E o que é que o piso implica como preparação?

(LL): Talvez do ponto de vista osteoarticular seja menos agressivo, sim, mas não sei se será menos intenso, ou menos agressivo para o corpo do ponto de vista fisiológico e energético, porque os pontos são mais prolongados. Há um custo energético maior e sabemos que do ponto de vista da resistência temos de trabalhar tendo isso em conta, , mas de resto não deixa de ser um jogo de ténis com as características que o jogo tem. O que fazemos é muito trabalho específico em court para que do ponto de vista da movimentação o atleta se sinta adaptado às condições, mas do ponto de vista da força ou da prevenção de lesões não há uma abordagem muito diferente. Há sim do ponto de vista da movimentação e da resistência.

O Aslan costuma ser muito forte fisicamente, mesmo aqui teve cãibras, mas disputou um encontro de 4h17 e esteve até ao fim quase a vencer (perdeu por 6-3, 4-6, 6-4, 3-6 e 7-6[5] para Ugo Carabelli).

(LL): As cãibras são um padrão típico do Aslan. Há várias situações em que do ponto de vista emocional as coisas têm uma carga maior e ele ressente-se. Teve cãibras no primeiro encontro ATP que jogou em São Petersburgo, mas soube lidar com isso e levar o jogo até ao fim. Depois teve dois dias off e a partir do 4-4 do segundo set também teve full body cramps no encontro com o Khachanov. Já este ano, em Marselha, também teve muitas dificuldades para fechar o encontro contra o Rune e em Roma as pessoas não se aperceberam, mas voltou a estar mais ansioso contra o Lloyd Harris e isso também aconteceu aqui.

Sinceramente não vi uma razão aparente para isso acontecer, porque ele ultrapassou a fase menos bem conseguida do início, em que não entrou bem, e encontrou o seu ritmo e o seu plano tático para ganhar ascendente no encontro. Mas depois há uma altura em que passa um mau bocado no final do terceiro set e que se prolonga até ao iníco do quarto. Num encontro à melhor de cinco sets há sempre altos e baixos do ponto de vista emocional, mas ele aguentou-se e soube sofrer, que é o que ele faz neste tipo de circunstâncias. Ele tem essa característica, é muito competitivo e vende o mais caro possível a derrota do ponto de vista da sua entrega.

O que me pareceu foi que quando esteve na frente teve dificuldades em lidar com essa situação. Pode parecer estranho, mas por vezes quando perdemos um pouco o foco do encontro, do nosso plano estratégico e do que está a acontecer e começamos a pensar mais no resultado este tipo de situações acontecem. Já falámos sobre isso e ele sabe perfeitamente que a grande razão pela qual tem estas dificuldades é esta. O nosso momento também não é o melhor, vimos de uma sequência com muito poucas vitórias e tudo combinado acabou por resultar nisto. É um torneio do Grand Slam, há sempre mais tensão, mais ansiedade, por isso do meu ponto de vista a principal causa para isto acontecer é emocional. Temos que amadurecer. Não nos podemos esquecer de que apesar dos seus 28 anos, este é apenas o segundo ano do Aslan no circuito ao mais alto nível. Está a enfrentar pela primeira vez a situação de ter de defender pontos, de corresponder às expetativas que tem, que as pessoas têm, e tudo isto são emoções e experiências novas para as quais é preciso passar por elas. É uma aprendizagem, um percurso que para a maioria acontece em momentos mais precoces, mas que no caso do Aslan está a acontecer agora e estamos a fazê-lo e a aprender.

Sei que o Aslan esteve uns meses sem treinador, só a viajar contigo. Como foram esses tempos e qual é a situação atual?

(LL): Quando estou sozinho com o Aslan tenho um papel mais interventivo naquilo que é a organização do dia a dia. Estou com ele em campo a dar algum apoio, apesar de não ser a minha área de especialidade, mas ele de certa forma valoriza essa ajuda e pede-me para estar presente. Dentro daquilo que sei vou tentando dar-lhe algum suporte, mas quando é o treinador que está, e há uns meses começou a trabalhar com o alemão Jan de Witt [que arrancou 2022 com Andy Murray], é ele que conduz o processo e eu foco-me a 100% naquilo que é a preparação física.

Antes de nos despedirmos, gostava de te pedir um comentário sobre outros dois jogadores com quem trabalhas e que depois de algumas semanas complicadas tiveram boas notícias: o Frederico Silva, que voltou à competição, e o Sebastian Fanselow [que vive em Lisboa e treina com o português Manuel Costa Matos], que viveu a melhor semana da carreira ao alcançar as finais de singulares e pares do Challenger de Shymkent.

(LL): É verdade, o ténis é assim e penso muitas vezes nisso. Há duas, três semanas as coisas não estavam a correr muito ao Sebastian, que passou por alguns momentos mais difíceis, mas que são sempre oportunidades de crescimento e ele percebeu isso. Deu-lhe um click, é uma questão de confiança, de se ganhar um, dois, três encontros mais complicados e de as coisas encarrilarem e foi o caso dele. Já tinha feito alguns resultados interessantes no final de 2021 e no início de 2022 e espero que agora consiga ter mais continuidade para conseguir lançar-se para os objetivos que tem e começar a jogar qualifyings em torneios do Grand Slam.

Em relação ao Frederico, passou por mais uma lesão complicada de resolver, mas que está resolvida, e agora está à procura do seu ritmo competitivo. Com ele trabalho muito a parte preventiva, tudo o que é mobilidade, flexibilidade, alongamentos, trabalho de compensação, procurar equilibrar o corpo dele. Mesmo à distância procuramos fazer isso de uma forma muito cuidada e em equipa, com os treinadores e os fisioterapeutas, e esperemos que ele agora consiga ter a saúde física para competir de uma forma regular, porque é isso que tem limitado mais a progressão dele

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