Nuno Borges em entrevista: “Tenho tido muitos momentos especiais, mas esta é a minha maior conquista”

Millennium Estoril Open

Nuno Borges e Francisco Cabral chegaram ao Millennium Estoril Open como convidados da organização e saíram como campeões. Amigos de infância, o maiato e o portuense viveram uma semana de sonho que só terminou com a conquista do primeiro título no circuito ATP — um feito histórico que o atual número dois nacional (quer em singulares, quer em pares), em entrevista ao Raquetc, não hesitou em classificar como a maior conquista da carreira. E agora quer mais.


24 horas depois, mais coisa menos coisa, já assentou que és campeão de pares do Millennium Estoril Open?

Já, já, mais ou menos (risos). Por acaso ainda ontem à noite [domingo, dia do título] comentei que parecia que já tinha passado tanto tempo que já nem parecia que tinha jogado naquele mesmo dia. De vez em quando ainda me dá assim um momento de alegria, principalmente quando vi as capas dos jornais com a nossa fotografia.

E houve tempo para celebrar?

Não, não tive tempo nenhum. Nem fiquei no hotel, voltei logo para o CAR porque tinha de fazer a mala para viajar hoje de manhã. Tinha de acordar de madrugada e não queria estar a stressar, portanto não tive assim tanto tempo. Nem jantei com eles, mas é mesmo assim. Vou celebrando esta semana, devagarinho.

E recebeste muitas mensagens desde ontem?

Foram muitas, muitas, muitas.

Mais do que nunca?

Acho que sim. Mesmo nas redes sociais foi uma enchente. Até no Twitter, que normalmente fica sempre mais esquecido, está aos saltos.

Houve alguma mensagem inesperada?

Se houve é possível que ainda não tenha visto, porque ainda não consegui dar vazão às mensagens todas. Mesmo aquelas a que respondo às vezes têm uma resposta e segue-se toda uma conversa, por isso ainda não tive oportunidade de responder a tudo. Tive um comentário do Frederico Marques, do surf, e também da Marta Freitas, do atletismo. O Bruno Nogueira também me lembro que comentou os portugueses, não só nós, mas sim, têm sido muitas mensagens.

E o [primeiro-ministro] António Costa a tweettar, conta?

Conta pois.

Tive de retweetar [risos].

Ainda assim acredito que os parabéns mais especiais tenham sido aqueles dos teus pais logo ali. Apercebi-me de que quando ganhaste começaste logo à procura deles.

Eles não são muito efusivos a celebrar e não foram logo ali para a berma, gostam de estar um bocadinho mais pacatos e ainda bem, mas depois deixaram-nos entrar no túnel e foi muito especial tê-los a todos ali. Estavam lá ao lado quando o Marcelo estava a falar connosco, até me lembro de estar a ir disparado para os meus pais e uma câmara intercetar-me logo para uma entrevista [risos].

No campo apercebes-te da presença de pessoas como os teus pais e tentas procurá-los ou evitas?

Não sabia mesmo onde é que estavam os meus pais, mas por exemplo o pai do Cabral, como já tinha estado naquele sítio, comecei a aperceber-me. O mesmo com a equipa do CAR [Centro de Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis], que esteve sempre no mesmo cantinho, e o presidente da FPT, mas mais do que isso não.

Estava casa praticamente cheia desde o início do encontro. Olhas para cima quando entras no court, não olhas, pensas nisso?

Penso um bocadinho. Estava um bocadinho mais nervosos, mas não sei se era o público em si, porque nos singulares também tive mais ou menos aquele público e consegui lidar bem com a situação. Ainda assim apesar de estar mais nervoso senti que entrei bem na mesma e assim que a final começou a desenrolar-se comecei a sentir-me mais confortável.

De fora deu a sensação de que o que estava a acontecer era natural ao ponto de nem precisarem de pensar muito. Estavam quase em transe, com tudo a correr bem. Também sentiram isso, que as coisas fluíram e que nem era preciso pensarem muito no que estavam a fazer?

No fundo já jogámos tantas vezes juntos… É verdade que não eram encontros tão importantes, todos os torneios são diferentes e este é muito maior, mas o campo tem as mesmas medidas, a mesma terra batida, eu do mesmo lado do court e nós as mesmas estratégias e estilo de jogo, à procura daquilo que temos procurado. Foi só cingirmo-nos a isso e acho que quando o fazemos as coisas acabam por acontecer. É possível que às vezes o pensamento fuja um pouco, mas temo-nos um ao outro para nos ajudarmos a manter na linha.

Qual é que foi o primeiro momento em que pensaste no título?

Quando ganhámos o primeiro set. Sentei-me e pensei ‘ok, ganhámos o primeiro set, isto é possível’. Mas foi breve, porque depois voltei outra vez ao encontro e fiquei pronto para continuar sem lhes dar hipótese.

E antes da final, pensaste nisso? Lembro-me de que em 2018 o Frederico Marques nos disse que depois de o João Sousa ter ganho ao Tsitsipas, nas meias-finais, sentiu que era difícil o título escapar-lhe. Vocês tiveram algum momento desses no torneio?

Não falámos muito sobre isso. Se fomos para o campo na final foi porque ganhámos o encontro anterior e por isso podemos perfeitamente ganhar a final, mas não é uma coisa de que falemos. Sentimos um no outro que vamos para ganhar, porque é a mesma mentalidade com que entramos para todos os encontros. Mesmo na primeira ronda foi isso, vamos sabendo que é para ganhar, mas tentamos não falar muito sobre isso porque pensar demasiado e criar expetativas não ajuda. Antes da final combinámos que íamos manter as mesmas rotinas em vez de fazer algo de especial só porque era o Millennium Estoril Open.

Há um ano jogaste o Millennium Estoril Open pela primeira vez e só tinhas uma pessoa a acompanhar-te — o Francisco [Cabral], que esteve em todos os encontros. Vocês tinham a esperança de jogar pares, não aconteceu, e um ano depois transformam o nada, de nunca terem disputado um ATP, num título. Como é que explicas isto?

Nós já vínhamos com uma sequência muito boa desde o ano passado, por isso isto foi o dar continuidade esses resultados. Era um torneio maior, mas queríamos continuar a fazer aquilo que vínhamos a fazer, com muita coisa em comum por ser em terra batida, em casa… claro que havia a possibilidade de perdermos à primeira, pode sempre acontecer, mas entrámos com a mentalidade de aproveitar e olhar para o que pode acontecer de bom. Estivemos sempre os dois na mesma página.

Foi a vossa estreia a nível ATP e cruzaram-se com outro tipo de jogadores de pares que habitualmente ainda não defrontam. Eles falavam com vocês, sentiam que vos conheciam, procuravam vocês falar com eles e ganhar experiência ou isso durante a competição não existe?

Com os jogadores de pares em concreto acho que não. Há jogadores muito mais expressivos que outros e uns que gostam mais de falar, mas não é por serem mais ou menos simpáticos, é por personalidade. E eu também não sou muito falador. O Francisco depois conta-te, mas chegou a falar com o [Pierre-Hugues] Herbert e teve a coragem de lhe perguntar uma ou duas coisas que eu achei interessantes. Acho que muitos deles não nos conheciam. Não lhes perguntei se nos conheciam ou não, mas partimos sempre do princípio de que os conhecíamos melhor a eles e até como pré-jogo gostávamos sempre de acreditar que sabíamos sempre mais sobre eles do que eles sobre nós.

Nas meias-finais derrotaram o Jamie Murray e o Michael Venus, dois campeões de torneios do Grand Slam que tiveram a preocupação de assistir ao vosso encontro dos quartos de final. O que é que significa para vocês saber que jogadores de topo como eles procuraram saber mais sobre vocês?

Acho que faz parte da preparação deles e se calhar à custa disso ganharam muitos encontros. Não vejo isso propriamente como um respeito extra por estar preocupado connosco, mas sim como a rotina dele, que quer ser profissional e encontrar uma estratégia para o dia seguinte. Não acredito que tenha tido a preocupação por sermos nós especificamente, mas sim por serem as meias-finais de um ATP.

Consideras que essa foi a grande vitória da semana?

Achei que a primeira vitória [6-3, 3-6 e 10-5 contra Ivan Dodig e Austin Krajicek] foi a mais encorajadora. Foi um encontro em que eles nos deixaram muito desconfortáveis. Também foi o nosso primeiro jogo, podíamos estar com mais nervos, menos limpinhos, mas senti que foram os adversários que nos causaram mais desconforto. Eles complementavam-se bastante bem, o Dodig é inacreditável à rede e o outro estava a servir muito bem e na frente também não é nenhum tosco. Metem sempre muita pressão. Achei que jogámos um super tie-break quase perfeito para ganharmos aquele encontro e isso desbloqueou-nos outras oportunidades. Na minha opinião aquela primeira ronda foi a maior conquista, porque foi a que demonstrou que já pertencemos ali, àquele nível, e que podemos ganhar jogos destes.

Aproveitando a tua deixa, o que é que vos passou pela cabeça no momento em que fizeram alguma força para o encontro ser interrompido? Pergunto isto porque no fundo é um grande risco, no dia seguinte vocês voltaram e fizeram um grande super tie-break, mas podia ter corrido mal. Falaram sobre isso, foi automático, como é que chegam à sintonia de querer suspender o encontro?

Foi uma situação bastante rara, principalmente por ser num torneio deste nível não achei que nos fossem pôr a jogar num campo que não tivesse luz a dar os mínimos. Eu estava a queixar-me do facto do marcador estar tão forte, porque contrastava imenso com o fundo do resto do campo e não via bem o lançamento do adversário. Se bem me recordo, o Francisco já se tinha queixado no 3-2, depois fomo-nos queixando, mas não conseguia perceber porque é que não era interrompido. Os outros não disseram nada, estavam “na zona”, e nós pelo contrário sofremos o break e começámos a tentar perceber o que é que se estava a passar. Eu fui à procura de soluções e reparei que não estava a ver tão bem. E foi graças a eles [que foi suspenso], eles foram muito simpáticos e concordaram em parar, porque na minha opinião o árbitro não tomou uma posição correta. Não falou com eles, quase que fez com que fossemos nós a perguntar-lhes se estavam dispostos a parar. Foi uma coisa pouco habitual e saí do segundo set com uma sensação horrível, mas no dia a seguir conseguimos entrar muito bem.

Vou-te fazer uma pergunta que tenho feito várias vezes nos últimos meses — é bom sinal: é certo que o teu foco e o grande objetivo são os singulares, mas em que patamar é que colocas esta conquista?

Lá em cima, lá em cima. Tem um valor emocional gigante. A Davis também foi as estrelas a alinharem-se e tem sempre um carinho especial mas é um espaço à parte na carreira, mais do ponto de vista de equipa. Este título de pares, apesar de ser com o Francisco acaba por ser também a carreira individual e ponho lá em cima. É a minha maior conquista e coloco-a acima de ganhar um Challenger. É o Millennium Estoril Open e nota-se também nas redes sociais e por aquilo que fomos recebendo e ouvindo, o peso que teve no nosso país. É como dizes, tens vindo a fazer-me essa pergunta várias vezes e ainda bem, porque ultimamente tenho tido muitos momentos especiais, mas este foi sem dúvida o maior.

E estarias disposto a jogar pares sem ser com o Francisco, ou é só com ele?

Estaria, mas acho que não faz sentido, porque já não jogo todas as semanas e o meu foco continua nos singulares. Se ele estivesse sempre ocupado eu provavelmente não jogaria também tantas semanas e enquanto não está comprometido a 100% com outro acho que faz sentido jogar com ele, porque tem corrido muito bem. E não vejo razão para jogar com outro. Pode vir a surgir, mas para já é com ele.

Já tiveste alguma abordagem de jogadores que querem jogar contigo?

Tenho, tenho tido muitos convites. E ou digo que não jogo, ou que jogo com o Cabral. Já aconteceu dizer a dois ou três que não vou jogar e depois apareço num torneio com o Cabral [risos], porque também não me lembro de os avisar. Mas eles já sabem e acho que o pessoal pergunta cada vez com menos confiança. Se calhar também vou receber cada vez menos convites, porque estou sempre a nega-los, mas não me preocupa muito.

Top 100 e título de pares primeiro do que top 100 e título de singulares. Surpreendido?

De certa maneira sim. Lá está, acho que o processo de pares… Não quer dizer que seja mais simples, mas sinto que é preciso ganhar menos jogos. É completamente diferente, mesmo dentro do campo, mas ainda bem que me tem corrido bem, porque continua a ser gratificante poder subir assim no ranking. E entrar no top 100 de pares também é muito especial para mim. Sinceramente gostava mais de entrar no top 100 de singulares, porque esse continua a ser o meu foco principal, mas top 100 de pares também é ótimo. Acho que o número 100 nos pares não significa o mesmo que nos singulares, porque não desbloqueia o mesmo tipo de coisas, mas continua a ser um marco muito bom, sobretudo sendo em conjunto com um título ATP.

E porque estamos a falar de títulos ATP… Quando é que vais começar a apostar mais nestes torneios relativamente aos singulares?

É difícil. Já andei a fazer as contas e não sei até que ponto compensa jogar o qualifying de torneios ATP. Acho que ainda tenho algumas etapas para desbloquear em Challengers. Só ganhei dois, tenho sido consistente nos resultados e ainda bem, mas sinto que preciso de ter mais conforto nesta fase para depois poder investir a 100% nos torneios ATP e não olhar para trás, mas sim estar tranquilo e saber que posso perder alguns jogos e tentar habituar-me ao nível e ao ambiente antes de realmente fazer o salto.

Isso quer dizer que não pensas arriscar alguns qualifyings?

Pode vir a acontecer, mas o problema é que para isso também tenho de abdicar da semana antes para uma eventual entrada num qualifying. Vou ter oportunidades, porque há torneios que não fecham tão fortes, mas é preciso saber escolher a altura certa. E se calhar não faz sentido eu jogar só um torneio e depois voltar aos Challenger, porque os calendários não estão assim tanto em sintonia.

Se formos a ver, fazer uma meia-final num Challenger dá praticamente os mesmos pontos que passar o qualifying e uma ronda num ATP. Ganhar mais um ou dois jogos em torneios ATP, sem dúvida, mas aí já estarei a jogar contra top 100 constantemente e não é a mesma coisa. O que quero dizer é que não estou com pressa. Comecei há pouco tempo a jogar Challengers e estou tranquilo. Sinto que se continuar a trabalhar bem os ATP hão de vir.

Hoje, quando já passaram alguns dias, consegues arranjar uma explicação mais detalhada para aquela quebra do segundo para o terceiro set contra o Tiafoe?

Acho que no dia seguinte já me tinha apercebido. Na altura o Rui também falou comigo e acho que bate certo: as pessoas podem não se aperceber, mas eu estava sempre sob pressão. Não estava sempre confortável, não dá para estar contra um top 30. Consegui desenrascar-me bastante bem, até podia ter ganho o primeiro set se tivesse feito mais dois ou três pontos aqui e ali, mas da maneira como o encontro se desenrolou, mesmo quando ganhei o segundo set, estive sempre no limite. É isso que um top 30 te obriga a fazer e o terceiro set foi a prova disso, porque ele subiu um bocadinho e eu comecei a servir pior, porque a querer fazer mais sob pressão isso pode acontecer. Acho que o 6-0 não representou totalmente aquilo que aconteceu, mas ele esteve muito bem ao subir um patamar e eu acabei por ceder porque já estava a puxar a corda e rebentou. Nem foi tanto desgaste físico, foi mesmo emocional e psicológico, porque estava sob stress.

Para terminar, onde é que está o troféu?

Está no CAR. Não ia trazer o troféu para Praga [risos], por isso deixei-o no Jamor, no meu quarto. Mas hei de levá-lo para a Maia e para o meter no meu sítio especial.

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