OEIRAS — Noah Rubin conquistou o torneio júnior de Wimbledon e foi uma das grandes esperanças do ténis norte-americano da última década, mas é pelo discurso que mais dá que falar: born and raised em Nova Iorque, o jogador de 26 anos criou a página Behind the Racquet e tem alertado para os que considera serem alguns dos maiores problemas do ténis, papel de ativista que há um par de anos lhe valeu a distinção, pelo jornal L’Équipe, de uma das 20 pessoas mais influentes da modalidade. A competir no Oeiras Open, passou pela sala de imprensa para dar voz às várias preocupações e ideias que lhe preenchem o tempo quando não está no court.
“Sou um New Yorker, gosto de falar e às vezes falo alto, o que pode fazer com que as pessoas percam o interesse, mas acho que com a minha página demonstrei que não estou a fingir, preocupo-me realmente com estes assuntos”, reconheceu já a meio da conversa que se prolongou por mais de 20 minutos e que aconteceu após carimbar a segunda vitória da semana no Complexo Desportivo do Jamor, avançando para o quadro principal.
Entre muitos elogios ao torneio e à primeira experiência no país, que estava “desejoso de conhecer”, Noah Rubin aceitou o desafio e desenvolveu sobre alguns dos assuntos que o inquietam, desde o calendário dos circuitos mundiais, ao atraso de um par de décadas que entende existir entre o ténis e os restantes desportos.
“Ao longo dos últimos tempos falei de muitos assuntos diferentes. Sem considerar uma mudança total no desporto, acho que uma coisa que tem de acontecer é uma melhor distribuição e organização geográfica dos torneios. Ou seja, não forcem os tenistas norte-americanos a viajar para fora dos EUA, não forcem os europeus a viajar para fora da Europa, deixem os portugueses, por exemplo, competir em Portugal, em Espanha, nos arredores. Com as restrições atuais ficou tudo mais difícil e mais caro para os jogadores, mas já era difícil e todos os outros desportos acontecem mais perto de casa, o que faz com que os jogadores poupem muito dinheiro e tenham menos dores de cabeça”, adiantou.
Rubin chama a atenção para a falta de torneios em determinados países ou zonas do planeta, uma das razões pelas quais “gostava que existisse um circuito europeu, um circuito norte-americano, um circuito australiano, talvez combinado com o asiático, porque isso permitiria que os jogadores evitassem viajar tanto pelo mundo fora. Isto resolveria muitos problemas e depois poderíamos juntar-nos todos na mesma num país para os Masters 1000 e o mesmo com os torneios do Grand Slam.”
Mas o calendário, chamemos-lhe assim, é apenas uma das preocupações de Noah Rubin, que considera que o ténis não é suficientemente atrativo para as novas gerações:
“Se alguém leva o filho de oito anos a ver um encontro e ele faz barulho, o árbitro de cadeira vai logo pedir ‘silêncio, por favor’. E esse miúdo nunca mais vai voltar a ver um encontro de ténis, o mesmo acontece com os pais e depois a criança acaba a jogar futebol, se estiver na Europa, ou basquetebol ou futebol americano, se estiver nos Estados Unidos. Estamos a falhar nessa parte, mas também nos horários, porque ninguém quer ou consegue ver um encontro às 10h da manhã de uma segunda-feira. E isto faz-me voltar à questão geográfica, que torna tudo mais complicado de seguir para os adeptos normais. Eles não sabem para onde é que vamos a seguir porque estamos sempre a viajar pelo mundo fora. Se fosse tudo em Portugal, por exemplo, os fãs, os amigos e as famílias dos jogadores portugueses iam segui-los com mais atenção.”
A conversa já vai longa, mas as ideias de Noah Rubin são muitas, variadas e o norte-americano gosta da oportunidade de as partilhar. Por isso, também fala do marketing que o ténis não explora: “Não vendemos bem o desporto, porque gostamos é de vender alguns jogadores — os Big 3, a Serena Williams, a Venus Williams, a Maria Sharapova… É por isso que eles estão tão bem e acho ótimo que assim seja, mas não fomos capazes de vender o desporto, por isso as pessoas não se entusiasmam. Lembro-me de jogar contra o Fognini na segunda ronda de um ATP 250 em Genebra e estavam 50 pessoas a ver… Vejo demasiados casos em que os fãs não estão entusiasmados, não estão envolvidos, e isso faz com que seja impossível os torneios mais pequenos aumentarem o prize-money.”
“A ATP e a WTA já demonstraram que não se preocupam”, acrescenta, antes de lamentar que apesar da qualidade dos torneios — e faz um novo parêntesis para realçar a qualidade do Oeiras Open — os jogadores continuem a jogar “por 100 ou 200 euros”.
E foram estas razões que o levaram a desenvolver “um circuito alternativo para competir com a ATP”. Ainda numa fase embrionária, Noah Rubin quer tornar o desporto mais atrativo e introduzir aplausos, coaching, comida e até música — uma visão que acredita ter de ser construída “de fora para dentro” para combater o “atraso de 25 anos que temos em relação a todos os outros desportos”.
Mas Rubin sente que terá de trilhar grande parte do caminho sozinho: “Neste momento temos duas gerações de jogadores: a mais nova, com quem cresci a jogar e que vê a necessidade de mudanças e está aberta a elas, e a do Federer e do Nadal, que tomaram uma posição muito forte ao assumirem que não se vão pronunciar. Torna-se muito difícil envolver os jogadores de topo, porque uns estão ocupados a perseguir recordes e os outros estão ocupados a perseguir o primeiro Grand Slam. Para muitos deles o futuro do ténis não é uma prioridade e, mesmo que seja, estão a fazer dinheiro. Quando eu alerto para estes problemas é porque não tenho dinheiro na minha conta bancária, mas se o Medvedev falar sobre isto… Acho que ele se está a safar bem (risos).”
A saúde mental como foco
Noah Rubin criou o projeto Behind the Racquet em janeiro de 2019 com o objetivo de “dar aos jogadores uma plataforma para partilharem as suas histórias nos seus próprios termos ao mesmo tempo que dava aos fãs uma oportunidade de se relacionarem com os jogadores a um nível mais aprofundado.”
Ao fazê-lo, procurou combater o estigma de falar sobre saúde mental no desporto profissional e demonstrar que os problemas existem, independentemente de se tratar de um número 50, 100 ou 700 mundial.
“Vimo-lo a acontecer com a Osaka, no ano passado, e mais recentemente com a Barty, que ganhou três torneios do Grand Slam e depois admitiu que o ténis estava a deixá-la esgotada. Isto demonstra o quão duro é o ténis e que é preciso combater este problema, mas a ATP e a WTA simplesmente não se preocupam. Não acho que os jogadores sejam uma prioridade neste momento. A pandemia teria sido uma oportunidade incrível, mas tudo o que fizeram foi reagir, nunca foram proativos. Falei sobre isto algumas vezes, mas percebi rapidamente que não só não ia mudar nada, como na verdade o ténis ia numa direção pior.”