Do zoom para o court, Maria João Koehler é peça fundamental na metamorfose de Ellen Perez

Maria João Koehler é portuguesa, Ellen Perez australiana e bem ao estilo de 2020-2021 as duas conheceram-se por zoom, software através do qual partilharam visões, alinharam objetivos e definiram um plano de trabalho até se reunirem pessoalmente pela primeira vez em Paris, antes de Roland-Garros. Depois de pendurar a raquete de jogadora e agarrar a de treinadora, em dezembro de 2018, a portuense de 29 anos está pela primeira vez no circuito profissional e em Loulé falou com o Raquetc sobre os primeiros meses do novo desafio.

“Fui ter com ela a Paris e começámos a trabalhar uns dias antes de Roland-Garros. As primeiras semanas correram bem, obviamente mais a observar e a perceber como é que ela competia e que coisas fazia ou não sentido mencionar, mas tive a oportunidade de ver jogos dela e de falar com a treinadora anterior e demo-nos bem”, explicou Koehler, que depois de dois anos a trabalhar na Academia de Rafael Nadal, em Maiorca, esteve alguns meses na sua cidade, o Porto.

O combinado entre a portuguesa (que atingiu o 102.º lugar no ranking WTA em fevereiro de 2013) e a australiana (que atualmente ocupa o 236.º posto, mas chegou ao 162.º em agosto de 2019) foram as semanas de competição na Europa, mas o vínculo prolongou-se e trouxe-as a Portugal, onde no início de julho Ellen Perez disputou as primeiras meias-finais e a primeira final em exatamente dois anos ao sagrar-se vice-campeã do Open de São Domingos, em Lisboa.

O intervalo de tempo entre essa e a final no 60.000 dólares de Ashland (EUA), em julho de 2019, é grande, mas um olhar atento revela o que também Maria João Koehler concluiu: “Ela é top 50 de pares e nos singulares acaba por não jogar muitas semanas porque está no limite [em termos de ranking]. Em Santarém contámos e ela tinha nove torneios jogados. Contam os melhores 16 e a maior parte das jogadoras não tem 16, mas sim cerca de 25, por isso há muitas semanas em que ela pode jogar e tendo como objetivo ser jogadora de singulares era preciso fazer um investimento diferente [no número de torneios].”

Na variante de pares os resultados falam por si: só este ano, Ellen Perez conquistou o WTA International de Guadalajara ao lado de Astra Sharma, disputou a final do WTA International de Charleston com Storm Sanders e a final do WTA Premier de Birmingham com Ons Jabeur e também se destacou em Madrid, Montreal (quartos de final), San Diego (meias-finais) e nos Jogos Olímpicos, em que alinhou ao lado de Samantha Stosur e só perdeu para as futuras vice-campeãs Belinda Bencic e Viktorija Golubic.

O reconhecimento da Tennis Australia, que através da capitã Alicia Molik convocou Ellen Perez para as Billie Jean King Cup Finals (antiga Fed Cup) de novembro, em Praga, ajudou ao planeamento necessário para subir no ranking de singulares: “Tínhamos falado de fazer mais duas ou três semanas de competição, mas de repente ela foi convocada, por isso decidimos jogar mais alguns torneios e de repente estamos na nossa 10.ª semana seguida”, explicou Koehler, que em Loulé viu a sua jogadora chegar a uma segunda final — perdeu para a primeira cabeça de série Harmony Tan [fotografia em cima].

Ainda a meio de um processo que passa por “fazê-la entender a importância do trabalho diário, de ser consistente todos os dias e de ter disciplina”, Maria João Koehler partilhou que à australiana de 26 anos faltavam “a intensidade e a disciplina necessárias para se tornar numa jogadora de top, porque ela é bastante completa, mas faltavam-lhe várias rotinas próprias dos singulares.”

Mas as qualidades da australiana saltam à vista em relação às companheiras de profissão a este nível: “É muito rápida, adapta-se muito bem a qualquer superfície, pode servir muito bem e também joga muito bem à rede. Pode melhorar nas trasições, porque é diferente estar e jogar à rede nos pares ou nos singulares. Tem uma boa direita, uma muito boa esquerda e é agressiva, portanto não acho que seja aquela jogadora para a qual olhas e digas ‘é por ali que tens de ir’. Claro que há coisas em que pode melhorar e que tem momentos em que está mais frágil, mas não há muitas jogadoras que sejam tão completas em tantas coisas.”

Sobre a sua abordagem, Maria João Koehler explicou que se tem focado “em fazer com que ela entenda a importância da prepreparação e das rotinas e a encarar a frustração e pensar no tipo de jogadora que quer ser e como é que vai chegar lá. Mentalmente acredito que a vou pôr no estado certo. Nos meus últimos anos obviamente que isso não estava tão presente porque tinha muitas coisas a acontecer e não sabia lidar muito bem com a frustração, mas a parte mental, a determinação, a persistência sempre foram as minhas maiores armas e acho que estou a ser capaz de lhe passar um bocadinho dessa mentalidade.” 

A proximidade entre ambas — Koehler tem 29 anos, Perez 26 — é um desafio, sobretudo para quem começou por treinar adolescentes: “O primeiro grande desafio que encontrei foi perceber que é muito mais difícil mudar hábitos em adultos do que em adolescentes e que a influência que temos nos miúdos, que ainda estão a crescer, tem uma proporção maior em relação a um adulto já formado. No início tive dificuldades em adaptar-me nesse sentido e isso fez-me pensar fora da caixa para perceber como é que a ia convencer nos termos dela, mas sem perder a minha identidade. Como treinadora e como pessoa foi muito desafiador e muito motivante.”

“Para além disso estamos há nove ou 10 semanas seguidas sempre juntas, muitas vezes em situações de bolha, e ela não vai à Austrália há cerca de nove meses, o que faz com que haja situações em que está mais cansada ou mais frustrada e eu tenho de saber quando e como falar com ela sobre determinadas situações. Apesar de termos uma diferença de idades muito pequena tenho sempre de ter algum filtro para que ela perceba que não sou uma amiga dela no sentido em que estou aqui para a ajudar a ser melhor e que se fizer isso sim, estou a ser amiga dela”, acrescentou.

Volvidos seis meses meses, o balanço de Maria João Koehler é extremamente positivo: “No último mês e meio, dois meses deu um salto muito grande ao nível da disciplina e do compromisso mental e o nível de jogo é uma consequência disso.” 

Agora, o plano passa por apontar o foco à participação da australiana nas Billie Jean King Cup Finals, depois no regresso da jogadora à Austrália pela primeira vez em nove meses e, após uma quarentena de duas semanas, na (curta) preparação para o qualifying do Australian Open, que será jogado na semana de 18 de dezembro… No Médio Oriente. Só depois, em data ainda a definir uma vez que as as viagens para os antípodas estão praticamente proibidas, é que Maria João Koehler e Ellen Perez voltarão a estar juntas. Até lá, o zoom voltará a ser a solução.

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