Su-wei Hsieh nasceu no Taipé, tem 35 anos e tornou-se na tenista mais velha a chegar pela primeira vez aos quartos de final de singulares de um torneio do Grand Slam na Era Open. Mas a jogadora-sensação deste Australian Open tem muito mais para contar além da biografia tradicional com que é apresentada ao mundo do desporto.
Número 71 do ranking de singulares, Hsieh é nada mais, nada menos do que a número um do mundo em pares, posição que ocupou pela primeira vez no ano de 2014. Na variante soma três títulos do Grand Slam (Wimbledon 2013 e Roland-Garros 2014 com Peng Shuai e Wimbledon 2019 ao lado de Barbora Strycova, com quem perdeu a final do Australian Open em 2020) e um no WTA Finals, em 2013 (perdeu a final do ano seguinte, também com Shuai, e a de 2019, com Strycova).
Sempre sorridente, é considerada pelas colegas uma das jogadoras mais divertidas do circuito e nesse capítulo não há como enganar — a alegria de Hsieh é contagiante e chega ao seu estilo de jogo bem característico, apoiado em pancadas de fundo do court executadas com as duas mãos (tanto do lado direito como do esquerdo) que varia na perfeição, e de forma muito perigosa para quem está do outro lado da rede, com um enorme leque de soluções de todos os aspetos e velocidades, desde direitas a esquerdas cortadas a amorties, os vóleis que fazem dela uma das melhores duplistas do mundo e um à vontade e capacidade de variar o ângulo como resposta às mais variadas pancadas que lhe cheguem.
O “estilo Su-wei”, como lhe chamou numa conferência de imprensa em 2018, já lhe valeu elogios das mais variadas jogadoras e por si só faz com que valha a pena ligar a televisão.
Mas a popularidade que a boa disposição, o estilo de jogo e até os bons resultados (só agora chegou a uns quartos de final, mas já por sete vezes tinha alcançado a terceira ronda em Majors, para além de vitórias sobre Simona Halep em Wimbledon e Garbiñe Muguruza no Australian Open, entre outras) lhe dão são insuficientes para Su-wei Hsieh conseguir o que para qualquer outro tenista do top 100 mundial (e não só) é básico: contratos com fabricantes de equipamento desportivo e raquetes.
Parece difícil de acreditar, mas está bem à vista: ainda no sábado, quando carimbou uma das vitórias mais importantes da carreira em plena Margaret Court Arena, num encontro jogado “à porta fechada”, mas perante dezenas de milhares de espetadores um pouco por todo o mundo (ou até mais devido à sua popularidade na região asiática), Hsieh tinha calçados uns ténis da Nike, saia e top da New Balance, chapéu/pala da Adidas e punhos da Yonex, a marca da raquete.
Não uma marca, como é habitual em tantos jogadores, não duas, como se vê com alguma frequência e, curiosamente, em três dos quatro “Big Four” (Djokovic veste Lacoste e calça Asics, Federer veste Uniqlo e calça Nike, Murray veste Castore e calça Under Armour), não três, mas quatro marcas diferentes, o que significa que cada peça que Su-wei Hsieh veste e leva para o court, onde é vista por milhares de pessoas, é comprada por si. Tal como as raquetes.
Paul McNamee, o treinador australiano com que trabalha desde 2017, resume a situação numa curta frase: “É demasiado tarde.”
Aos 35 anos, a tenista do Taipé é “demasiado velha” para reunir interesse das grandes marcas, que vêem na nova geração uma aposta mais rentável.
“Houve uma altura em que a magou saber que ninguém a queria, mas agora aceita-o. Lembro-me que em 2019 tivemos de ir a uma loja comprar equipamento para a final de pares”, recordou o treinador à Australian Associated Press, a agência noticiosa do país.
“Ela vai às compras algumas vezes por semana para escolher equipamentos. Não tem nenhum tipo de contrato e é por isso que quando está no court parece a Times Square, cheia de logótipos de várias marcas”, acrescentou McNamee, que esta semana também deu a conhecer outro episódio que espelha bem a personalidade da sua jogadora.
“Um dia, em Eastbourne, ela estava a bater bolas e de repente falhou duas seguidas por três metros. Depois mudou de lado e continuou a falhar bolas por muito. Isso não é normal nela, costuma falhar por milímetros. E então reparei que estava a jogar literalmente com as cordas partidas.”
O também especialista na variante de pares (conquistou quatro Grand Slams nos anos 80 e chegou ao top 25) prosseguiu com a explicação que está a deixar o mundo do ténis perplexo: “Ela não partia as cordas há três anos. Digam-me um jogador que use a mesma raquete há três anos e não troque as cordas. Simplesmente não existe. Ela não sabia o que era jogar com cordas partidas, por isso não reparou que as tinha partido. Uma das razões prende-se com a forma com que bate a bola mesmo no centro da raquete, enquanto a maioria dos jogadores parte a encordoação quando bate a bola próximo da moldura da raquete.”
Descrita como “um espírito livre”, Su-wei Hsieh está a jogar o seu melhor ténis. E perder é certamente a última coisa em que quer pensar enquanto se prepara para o encontro com Naomi Osaka, na madrugada desta terça-feira, mas mesmo em caso de derrota não perderá o otimismo com que encara a vida: “Sei onde ir comer depois do jogo e se não jogar bem vou aproveitar para ter uma boa refeição. Sei como aproveitar a vida e o ténis”, tinha dito depois da primeira vitória da semana.