Aslan Karatsev tem 27 anos e é o jogador sensação desta edição do Australian Open. Nascido em Vladikavkaz, a poucas dezenas de quilómetros da fronteira com a Geórgia, o russo já tinha dado nas vistas na segunda metade da temporada de 2020, mas foi ao chegar aos oitavos de final em Melbourne que se apresentou às grandes audiências. O sucesso é alcançado com a ajuda do preparador físico português Luís Lopes e esta é a história de como tudo começou e continua a acontecer — à distância.
“Conheci o Aslan em dezembro de 2019, quando ele veio ao Qatar jogar torneios Future, e começámos a trabalhar juntos nessa altura”, contou ao Raquetc o português, que se licenciou em Ciências do Desporto na Faculdade de Motricidade Humana, teve o primeiro desafio como preparador físico na Team Lagos e depois no Centro de Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis e no CIF, de onde partiu rumo a Doha para uma experiência de um ano (em 2007-2008). Seguiu-se, em 2014, a que o fez voltar e ficar na capital do Qatar: é o Head Fitness Coach da federação local e trabalha com a equipa da Taça Davis e os jogadores sub 18 e 16.
Desde o início que o trabalho de Luís Lopes com Aslan Karatsev é feito com recurso à tecnologia, através de várias vídeo-chamadas, e com um acompanhamento à distância de encontros em vários países e fusos horários: “A ideia é tentar substituir o melhor possível o trabalho presencial e fazemos esse trabalho diariamente, quer seja em semanas de treino ou de competição. Em função do momento da época treinamos uma ou duas vezes por dia e durante as semanas de competição preparamos os jogos diariamente. Se por algum motivo o Aslan ficar fora da competição, aproveitamos esse período de treino para implementar blocos de treino e continuarmos o processo. Tem corrido bastante bem.”
E tem mesmo: desde que o circuito mundial masculino foi retomado, em agosto de 2020, Aslan Karatsev só sabe quebrar barreiras. Logo na primeira semana jogou a primeira final da semana em torneios do circuito Challenger, em Praga, onde só perdeu para Stan Wawrinka e depois de derrotar dois jogadores do top 100 mundial (Jiri Vesely, na segunda ronda, e Pierre-Hugues Herbert, nas meias-finais). Na semana seguinte foi um passo mais longe e conquistou o segundo torneio organizado na capital checa, sucesso que repetiu oito dias mais tarde, em Ostrava.
Com três finais em torneios do circuito secundário, o russo saltou para outro patamar e foi até Paris jogar o qualifying de Roland-Garros. Foi travado, mas só na ronda de acesso e pelo norte-americano Sebastian Korda, que chegou aos oitavos de final e entretanto já jogou uma final ATP.
Na reta final da temporada, Karatsev aproveitou o wild card para chegar à segunda ronda do ATP 500 de São Petersburgo e só perdeu para o compatriota Karen Khachanov em três sets. Logo depois, passou o qualifying em Nur-Sultan, no Cazaquistão, e ainda atingiu a segunda eliminatória de ATP 250 de Sófia, na Bulgária.
Fast forward para o início de 2021 e mais um momento de glória: de regresso a Doha (há coincidências felizes), passou as três rondas do qualifying do Australian Open para chegar pela primeira vez ao quadro principal de um torneio do Grand Slam e um mês depois está nos oitavos de final, após vitórias sobre Gianluca Mager, Egor Gerasimov e Diego Schwartzman, número oito do mundo, sempre em três sets. Na madrugada deste domingo segue-se Félix Auger-Aliassime e independentemente do que aconteça já tem assegurada a estreia no top 100 (pelo menos 85.º), quando há um ano era o 297.º.
“Procuro sempre que o trabalho que realizo com qualquer atleta seja específico para as necessidades de cada um. No caso do Aslan, é um atleta muito forte e uma das principais preocupações que temos é mantê-lo o mais simétrico e equilibrado possível. Há um cuidado diário com rotinas preventivas e protetoras para que ele se mantenha o mais saudável possível do ponto de vista da prevenção de lesões”, explicou o especialista português.
“Durante a pré-temporada procurámos potenciar a capacidade de resistência dele para que possa enfrentar da melhor forma possível todos os desafios. Fez uma pré-temporada muito boa em dezembro e já tinha feito uma preparação muito boa durante o confinamento, entre junho até regressar à competição em agosto”, acrescentou Luís Lopes, que só tem elogios a partilhar sobre a nova sensação do ténis russo: “É um atleta exemplar na sua dedicação, na forma como se entrega ao treino. Ouve e acima de tudo garante uma qualidade média diária elevada no seu trabalho, o que é uma grande mais valia”.
Mas como é, afinal, trabalhar à distância com um atleta profissional e o que é que isso implica?
“Acho importante declarar que o teletrabalho não substitui o trabalho presencial, mas é um formato que tem corrido bastante bem e que neste período de pandemia que estamos a viver é uma clara vantagem, porque me permite fazer um acompanhamento maior aos atletas com quem trabalho. Também me permite dar uma supervisão mais próxima ao processo de treino e comunico de uma forma mais eficiente com o atleta, com o treinador e os restantes elementos da equipa técnica. Permite-me, também, exigir mais do atleta e garantir os resultados pretendidos. Por outro lado, também exige um planeamento atempado e muito rigoroso das sessões de treino: temos de ter tudo devidamente organizado no que respeita a recursos de material para as sessões dos dias seguintes, ou blocos de treino das semanas subsequentes. Implica uma organização boa com a restante equipa técnica, temos de estar bastante coordenados e é mais exigente para o atleta, porque está sozinho e é ele que tem de preparar os exercícios que fazemos. Acaba por ser uma opção muito válida quando o preparador físico não está presencialmente com o atleta.”
Preparar a primeira participação em quadros principais de torneios do Grand Slam sem a presença do preparador físico no terreno não foi, por isso, um obstáculo para Aslan Karatsev — uma situação, aliás, comum a Frederico Silva, que também trabalha à distância com Luís Lopes.
“No caso do Frederico acho que o nosso treino online representou uma grande mais valia porque nos permitiu trabalhar com mais dedicação aspetos que durante o ano não nos é possível trabalhar. E também foi uma forma de minimizar possíveis perdas ao nível da condição física. Acho que deste modo conseguimos garantir um dia-a-dia mais organizado e um melhor equilíbrio diário do atleta, que esteve confinado 24 horas por dia durante duas semanas. Foi uma grande vantagem já termos essa experiência”, completou o preparador físico, que mais recentemente também começou a acompanhar Sebastian Fanselow, tenista alemão que se mudou para Portugal e treina na Lisbon Tennis Academy.
Este domingo, quando forem 12 horas em Melbourne e 4h em Doha (1h em Lisboa), Aslan Karatsev regressará à ação e lá estará Luís Lopes outra vez — a 12.000 quilómetros de distância, mas bem presente.