A “inveja saudável” que fez Tomeu Salvá deixar de jogar ténis e dedicar-se ao treino

Beatriz Ruivo/Lisboa Belém Open

LISBOA — É conhecido por alguns no mundo do ténis como Tomeu Salvá, mais a maioria denomina-o como “o melhor amigo de Rafael Nadal”. Bartomeu Salvá Vidal cresceu com o campeoníssimo, abandonou cedo a modalidade por culpa das comparações com Nadal e investiu na carreira de treinador. Actualmente, pertence à academia do melhor amigo e acompanha Jaume Munar na sua afirmação no circuito mundial.

“Cresci com o Rafa, conhecemo-nos aos 7 anos e vivemos sempre muito próximos. Tínhamos o ténis como interesse comum. Somos muito amigos, como irmãos. Chegámos a ser números 1 e 2 de Espanha no nosso escalão, fomos duas vezes campeões do mundo juvenis e crescemos juntos. Aos 14 anos eu fui para Barcelona e ele ficou em Maiorca com o tio, mas mesmo nessa altura jogávamos os mesmos torneios. Só que ele um par de anos depois estava no top 100 e eu continuei nos Futures e nos Challengers, até que aos 21 anos decidi deixar de jogar ténis. Não soube aguentar a pressão e a exigência. Cresci sempre ao lado do Rafa e a certa altura percebi que ele ia muitos anos à minha frente e isso foi muito duro para mim. Mas foi uma inveja saudável. No final de contas era o meu melhor amigo, mas ao mesmo tempo fazia-me duvidar de mim próprio. Acabei por ser pouco paciente e desistir. É certo que não era um grande jogador, mas teria sido um jogador interessante e podia ter feito algo mais. Faltou-me fazer o meu caminho e esperar o meu momento, aguentar a pressão. O Rafa chegou a convidar-me para viajar com ele e jogarmos pares, e se quisesse voltava ao individual. Mas não era o que eu queria para mim”, confessou o também maiorquino aos jornalistas no Lisboa Belém Open.

Tomeu Salvá chegou a ser finalista em dois torneios do circuito ATP ao lado de Rafael Nadal, mas o final da carreira de tenista profissional estava decidido. “Depois disso fui para a federação e gostei. Estou muito contente e não me arrependo nada. Podia ter sido mais paciente e esperar pela oportunidade, mas estou muito contente com estes 12 anos a trabalhar como treinador”.

Com 33 anos, Salvá esteve na capital portuguesa a acompanhar um dos maiores discípulos do detentor de 20 títulos do Grand Slam: Jaume Munar também nasceu e reside em Maiorca e este domingo bateu Pedro Sousa para conquistar o título na quarta edição do Lisboa Belém Open. “O primeiro set foi fundamental. O Pedro é muito bom jogador, mas o Jaume é superior a nível mental e a estratégia do encontro passou por aí. Tentar que a final fosse dura, com pontos longos, porque isso beneficiaria o Jaume, que tem mais paciência e uma parte competitiva muito boa que faz parte do seu perfil de jogo. A partir da troca d bolas, no sétimo jogo, o Pedro saiu beneficiado porque o seu estilo de jogo fica mais perigoso com a bola rápida. O Jaume podia ter fechado o set ao 5-2, ao 30-0 teve um volley fácil que falhou e isso deixou-o nervoso. O Pedro aumentou o nível, mas o Jaume terminou a jogar de forma corajosa e sólida, com poucos nervos, o que não é fácil quando se vê o adversário a crescer e o resultado a mudar”, resumiu, fazendo obviamente um balanço bastante satisfatório da prova. “Foi uma semana excelente em todos os sentidos. O Jaume já estava a jogar bem há algum tempo, tanto nos treinos como na competição, mesmo que não tenha tido como recompensa muitas vitórias consecutivas. Esta semana serviu para consolidar melhor o que estava a fazer bem. Ele jogou a um grande nível, sentiu-se cómodo e foi muito positivo.”

Apesar do pupilo ter estado à porta do top 50 em maio do ano passado, Tomeu Salvá considera que “o ranking não correspondia ao seu nível tenístico. Esteve a 52.º porque era competitivo e forte mentalmente, não não estava a jogar tão bem como atualmente. Não pegava na bola como agora, não tinha um jogo de ataque como possui neste momento. Afinal de contas, os melhores do mundo têm muito boas armas e o Jaume defendia muito bem, devolvia sempre mais uma bola, mas faltava algo. Actualmente está uma categoria acima nas suas pancadas.”

Porque ao longo da semana o próprio tenista de 23 anos realçou a boa relação que tem não só com o mentor, Rafael Nadal, mas com o próprio treinador, que define como a sua primeira escolha, também Tomeu Salvá foi chamado a comentar a ligação que os dois têm. “Treinei-o quando ele tinha 13 anos e aos 21, quando regressou do centro de alto rendimento de Barcelona para Maiorca, eu estava na academia e ele lembrava-se de mim.” Desde então, passaram-se quatro anos e apesar da evolução já alcançada o técnico acredita que o melhor ainda está para vir: “É um rapaz que se sacrifica muito no dia-a-dia e coloca o ténis como prioridade. É fácil trabalhar com ele e tenho a certeza de que se continuar por este caminho o sucesso vai chegar.”

Para que Munar atinja esse patamar, a ideia passa por continuar com o aconselhamento técnico actual, à imagem do que Nadal foi fazendo ao longo da sua já longa carreira. “Hoje em dia os jovens, jogadores ou não, gostam de mudanças. Mas em Maiorca não mudamos o que funciona. E o Jaume também pensa assim, não quer mudanças. Um jogador tem de acreditar em quem o rodeia, na sua equipa técnica, nos bons e maus momentos. E isto é uma mensagem positiva para os jovens, porque com muitas mudanças não consegues consolidar nada. Mudar é começar do zero”, apontou, não deixando de salientar que há sempre momentos de tensão, naturais para quem passa tanto tempo com o outro, até porque há várias decisões e entendimentos necessários, diariamente, neste tipo de relações.

Numa longa e rica conferência de imprensa, Tomeu Salvá frisou ainda o trabalho “dedicado” e “personalizado” feito na academia de Rafael Nadal, pois os jovens “necessitam de algo mais do que treinar ténis”, e debruçou-se sobre o trabalho feito na modalidade pelo país vizinho. “Em Espanha trabalha-se muito bem. Os treinadores têm conhecimento e temos um bom circuito. O conhecimento e a competição são as chaves para o desenvolvimento de qualquer desporto”, sublinhou, mostrando-se optimista quanto ao futuro pós-Nadal. “O Rafa é o presente, só que não vai durar para sempre. Espero que ainda jogue mais três, quatro ou cinco anos, mas mais do que isso não jogará. Esta nova geração, com o Jaume, o Alejandro Davidovich, o Pedro Martinez e o Carlos Alcaraz, é muito boa. As gerações mais novas estão a florescer”.

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