Martina Trevisan tem 26 anos e até ao início da semana contava com dois dedos o número de vitórias em encontros de singulares ao mais alto nível. Mas de repente tudo mudou: na terre batue de Roland-Garros, a praticamente desconhecida italiana reinventou-se, somou a primeira vitória da carreira em quadros principais de torneios do Grand Slam, depois a segunda e agora a terceira — e é assim que está a causar sensação em Paris e a dar a conhecer uma verdadeira história de superação.
Nascida em Florença, a italiana destacou-se nos juniores e deixou no ar a promessa de um futuro promissor aos jogar duas meias-finais de pares em torneios do Grand Slam em 2009, mas no ano seguinte tudo mudou. Problemas familiares (o pai foi diagnosticado com uma doença degenerativa, a mãe encontrou outro parceiro) levaram-na a uma espiral de emoções e, com apenas 16 anos, Trevisan decidiu deixar o ténis para regressar à “vida normal”.
Mas a ausência de suporte emocional envolveu-a numa luta com o próprio corpo: começou a odiá-lo e a rejeitar comida — não comia mais do que 30 gramas de cereais e uma peça de fruta à noite, “o suficiente para me manter de pé”, como contou, vários anos mais tarde, na primeira pessoa ao The Owl Post.
Chegada ao “ponto sem retorno”, viu a luz ao fundo do túnel e procurou ajuda numa clínica especializada. Dos primeiros dias, em que durante uma hora olhou para um prato com comida e não lhe tocou, aos últimos, em que foi reeducada a alimentar-se, Martina Trevisan recuperou.
E o gosto pelo ténis voltou: primeiro, deu aulas para “recuperar alguma independência financeira”; depois, escreveu no Facebook que estava preparada para “começar outra vez”. E voltou a competir pela primeira vez em quatro anos.
Se durante uma mão cheia de anos os resultados foram modestos (conquistou nove títulos nas provas mais baixas do circuito ITF), em 2020 tudo mudou: em Melbourne, qualificou-se pela primeira vez para o quadro principal de um torneio do Grand Slam. Nove meses depois, em Paris, repetiu a proeza — e não se ficou por aí.
Para lhe ser feita justiça é preciso dizer que o percurso em Roland-Garros tem sido verdadeiramente notável: no qualifying afastou duas das cabeças de série (Sascha Vickery e Astra Sharma) e chegada ao quadro principal não olhou a favoritismos: na primeira ronda vencia Camila Giorgi por 7-5 e 3-0 quando a compatriota desistiu, lesionada; na segunda surpreendeu a sensação norte-americana Coco Gauff (4-6, 6-2 e 7-5); e na terceira, já esta sexta-feira, deu a volta à grega Maria Sakkari, 20.ª cabeça de série, para vencer por 1-6, 7-6(6) e 6-3 depois de vencer dois match points consecutivos no tie-break do segundo set.
E agora? “Com 189 mil dólares compro um loft na Piazza delle Cure”, brincou — ou talvez não — a propósito do prize-money que já garantiu com a histórica caminhada em Roland-Garros. No panorama desportivo, segue-se o maior desafio da semana: Kiki Bertens, a única top 100 que já tinha defrontado que lhe impingiu uma das 16 derrotas consecutivas contra jogadoras do top 100 antes de chegar a Paris.