Regressos em alta, o desfile de uma aniversariante-candidata e um crítico polémico no primeiro dia de Roland-Garros

Quatro meses depois da data original, Roland-Garros começou. Adiado pela pandemia e resgatado pela necessidade de amortizar o pesadelo financeiro para desenvolvimento do ténis francês, o Grand Slam trocou o elegante sol de primavera pelo arrepiante frio de outono — mas começou. Em jeito de novidade, a recém-inaugurada cobertura do Court Philippe-Chatrier foi útil, muito útil, mas nem assim a jornada inaugural se livrou da já bem tradicional suspensão.

Logo pela manhã, um dos pratos fortes do dia: Jannik Sinner, uma das grandes estrelas da NextGen, nunca tinha pisado a terra batida parisiense enquanto profissional, mas exibiu-se como se a ela estivesse habituado e, em menos de duas horas, derrotou o número 12 mundial e ex-quartofinalista, David Goffin, por 7-5, 6-0 e 6-3 no primeiro encontro dos 129 anos de história do torneio a jogar-se sob uma cobertura (e iluminação artificial).

Apesar da tenra idade (apenas 19 anos) e da experiência muito inferior em relação ao adversário, o jovem italiano não surpreendeu. Sinner já se tinha destacado e apresentado na reta final do último ano (venceu o Next Gen ATP Finals como wild card e logo a seguir conquistou o Challenger de Ortisei) e a vitória da última semana sobre Stefanos Tsitsipas, no Masters 1000 de Roma, tinha servido de alerta, mas a forma como se desenvencilhou do experiente oponente deixou bem patente que pode ser um dos nomes em destaque ao longo da quinzena.

Quanto ao Belga, foi para casa sem a chave para o maior desafio da temporada: “A minha grande dificuldade tem sido a motivação. Sinto-me preocupado a toda a hora e antes de cada torneio perco-me a pensar se o meu teste vai dar positivo ou negativo. Tem sido difícil manter a minha mente fresca e conseguir dar tudo em campo. Sinto-me vazio, não tenho energia”, admitiu à saída de Paris.

Porque uns saem e outros chegam percurso inverso terão ainda de fazer Andrey Rublev e Stefanos Tsitsipas. O russo e o grego duelaram pelo título do ATP 500 de Hamburgo já depois de Roland-Garros começar e exibiram-se como se nada fosse, empenhando espadas e cruzando escudos até à última gota numa final emocionante que, apesar de longe da maioria dos olhares, proporcionou um dos melhores (senão mesmo o melhor) encontro do dia. A vitória sorriu a Rublev, que só é superado em vitórias e títulos em 2020 por Novak Djokovic, mas a dificuldade do próximo “nível” é igual para os dois: aos 900km que separam as duas cidades ter-se-à seguido um teste imediatamente à chegada ao hotel oficial do Grand Slam francês, e depois uma quarentena de aproximadamente 24 horas à espera de um teste que, caso seja negativo, lhes permitirá realizar uma, talvez duas sessões de treino antes de se estrearem… Já na terça-feira.

Com o mau tempo como tónica das primeiras horas da jornada, Victoria Azarenka foi a primeira tenista a marcar posição. A bielorrussa não ficou satisfeita com as condições que se sentiam no momento em que lhe ordenaram que entrasse em campo e, depois de algumas trocas de bolas, foi peremptória. Depois de verificar que a montenegrina Danka Kovinic também não tinha interesse em permanecer no Court Suzanne-Lenglen à espera de uma abertura no céu, ignorou as ordens da supervisora e recolheu aos balneários. “Estão a brincar, certo? O que é que estamos aqui a fazer? Não vou ficar aqui sentada, estou a congelar. Estão oito graus, está frio. Vivo na Flórida e estou habituada a tempo quente”, exasperou antes de se levantar.

Pouco depois, regressou. E regressou com o bom ténis que fez dela campeã em Cincinnati, vice-campeã no US Open e quartofinalista em Roma: aplicou os parciais de 6-1 e 6-2 à adversária para chegar à segunda ronda depois de 64 minutos de jogo, mas antes, e muito por culpa da interrupção que forçou, já a primeira vencedora do quadro feminino (e do torneio) tinha sido conhecida: tratou-se da qualifier Kamilla Rakhimova (189.ª), que aos 19 anos derrotou a ex-quartofinalista Shelby Rogers (que atingiu essa mesma ronda em Nova Iorque, há umas semanas) por 6-2 e 6-3 e no final não escondeu a emoção, largando na terra batida molhada uma das “armas” que a ajudou a vencer.

Quem também venceu e convenceu foi Simona Halep. Talvez a maior favorita a vencer em Paris este ano, a romena — que optou por não atravessar o Atlântico e acabou compensada com os títulos em Praga e Roma, os dois únicos torneios que disputou desde o regresso — não acusou a pressão agarrada ao estatuto de primeira cabeça de série e, depois de um primeiro set equilibrado, eliminou a espanhola Sara Sorribes Tormo com 6-4 e 6-0, um desfecho perfeito para um aniversário diferente, pela primeira vez passado na capital francesa e celebrado… “Com uma garrafa de água, porque não podemos sair dos quartos”.

Bem menos feliz foi o dia de Venus Williams, que aos 40 anos terminará pela primeira vez em toda a carreira uma temporada sem vitórias em torneios do Grand Slam. Finalista em 2002, a norte-americana perdeu pelo terceiro ano consecutivo na eliminatória inaugural de Roland-Garros, e novamente às mãos de Anna Karolina Schmiedlova, que já a tinha travado em 2014 e desta vez triunfou com 6-4 e 6-4.

Se para Venus o futuro já não almeja grandes voos (uma afirmação ainda assim arriscada, dado o historial e a vontade que ainda demonstra), para Coco Gauff o presente ainda agora chegou: um ano depois de se ter apresentado dois anos depois de ter conquistado o título de juniores, a tenista de Delray Beach derrotou Johanna Konta (semifinalista em 2019) por categóricos 6-3 e 6-3 para somar a primeira vitória “entre os adultos” em Roland-Garros. Com apenas 16 anos, já soma vitórias em todos os Grand Slams e é cada vez mais uma surpresa em todas as superfícies.

Apesar da queda precoce, a britânica não perderá os importantes pontos conquistados na última edição graças à fórmula de 22 meses que a ATP e a WTA encontraram para amortizar o impacto da pandemia nos respetivos rankings, mas encerra a época no que aos Majors diz respeito com “muito para analisar” — e não é a única: praticamente ao mesmo tempo, e naquele que foi o primeiro encontro desde 1999 a colocar frente a frente dois campeões do Grand Slam numa primeira ronda de Roland-Garros, o compatriota Andy Murray sofreu a pior derrota dos últimos 14 anos a este nível: 6-1, 6-3 e 6-2 foram os parciais de um triunfo esperado, mas demasiado folgado, de Stan Wawrinka, um encontro de contraste total com o embate épico (e metaforicamente sangrento) de há três anos, que o suíço venceu por 6-7(8), 6-3, 5-7, 7-6(3) e 6-1 em 4h38 (o encontro teve impacto direto na degradação da anca do ex-número um mundial, que desde aí não competia em Paris).

Mas não só: também este domingo, Daniel Evans despediu-se com um sabor muito agridoce logo na primeira eliminatória, ao perder uma batalha de cinco sets amarga, emocionante mas pouco bem jogada para Kei Nishikori, que saiu melhor da montanha russa para vencer por 1-6, 6-1, 7-6(3), 1-6 e 6-4 em 3h40.

Pelo meio, houve espaço para as primeiras críticas polémicas desta edição. Campeão em 1982, 1985 e 1988 e atual comentador para o canal Eurosport, o sueco Mats Wilander não poupou nas palavras a respeito de Murray: “Estou preocupado com ele. Adoraria ouvi-lo explicar porque é que continua a jogar e a dar-nos, no court, uma falsa sensação de esperança de que voltará ao seu melhor nível. Fico sempre um pouco desapontado. Eu também tentei voltar depois de algum tempo e foi o pior erro que cometi em toda a minha carreira. Acho que precisa de parar de pensar em si e começar a lembrar-se de quem era. Ele tem direito a continuar a “roubar” wild cards aos mais jovens?”, questionou o ex-número um do mundo, quase que esquecendo que o britânico venceu um dos primeiros torneios do regresso (em Antuérpia, precisamente frente a Wawrinka) e que desde aí pouco ritmo recuperou devido à pausa causada pela pandemia.

E Wilander não se ficou por aqui. Horas antes, já tinha deixado claro que não ficou satisfeito com a atitude de Azarenka: “Há jogadores que adoram o ténis e depois há outros, como ela, que dependem muito da presença de fãs e querem tudo perfeito. Não há desculpa para o tipo de comentários que fez durante o encontro. Se entras em court, dás o teu melhor com as condições que tens. Se ela não queria jogar em Paris não era obrigada. Ninguém é obrigado a jogar os Grand Slams.”

Entre tanto que haveria para contar, vale também a pena destacar a vitória do malogrado Benoit Paire, que depois de uma luta difícil, polémica e talvez até estranha com o coronavírus conseguiu competir no seu Grand Slam e venceu (7-5, 6-4 e 6-4 a Soonwoo Kwon), ao contrário do compatriota Jeremy Chardy, que pela primeira vez na carreira (29-1) perdeu um encontro depois de liderar por dois sets a zero: 3-6, 4-6, 7-6(6), 6-4 e 10-8 em 4h42 foram os parciais favoráveis ao número 169 do mundo, que salvou um match point no tie-break do terceiro set e só ao sétimo match point conseguiu ouvir, a seu favor, o tão desejado jeux, set et match.

Já com recurso à iluminação artificial nos courts exteriores, a canadiana Eugenie Bouchard respondeu positivamente ao wild card (que recebeu depois de chegar à final em Istambul) e derrotou Anna Kalinskaya por 6-4 e 6-4 para somar a primeira vitória em quadros principais de Grand Slams desde o Australian Open de 2019, num duelo entre compatriotas, Juan Ignacio Londero (68.º) desperdiçou uma vantagem de dois sets a zero, mas foi mais feliz no último set, que se prolongou por quase duas horas, e derrotou Federico Delbonis (81.º) por inesquecíveis 6-4, 7-6(1), 2-6, 1-6 e 14-12 (!) depois de 4h57 em court. Menos sorte tiveram o rapper Corentin Moutet (que aproveita os tempos livres para brilhar de microfone na mão) e Lorenzo Giustino, que disputavam o terceiro set (6-0, 6-7[7] e 3-4* era o resultado) quando a chuva regressou e não os deixou concluir o encontro.

Outros resultados relevantes:

  • Alexander Zverev d. Dennis Novak 7-5, 6-2 e 6-4
  • Norbert Gombos d. Borna Coric 6-4, 3-6, 6-3 e 6-4
  • Diego Schwartzman d. Miomir Kecmanovic 6-0, 6-1 e 6-3
  • Marco Cecchinato d. Alex de Minaur 7-6(9), 6-4 e 6-0
  • Yulia Putintseva d. Kirsten Flipkens 6-1 e 6-2
  • Caroline Garcia d. Anett Kontaveit 6-4, 3-6 e 6-4
  • Maria Sakkari d. Alja Tomljanovic 6-0 e 7-5

Segunda-feira há mais — e vem aí mais um grande dia. O prato forte da segunda jornada é sem dúvida o encontro que coloca frente a frente o recém-campeão do US Open (e finalista de 2018 e 2019) em Paris, Dominic Thiem, com Marin Cilic (campeão do US Open em 2014), mais um duelo entre campeões do Grand Slam logo na primeira ronda. Mas o eterno-favorito Rafael Nadal, a perseguidora de (mais) história Serena Williams e as candidatas Elina Svitolina (campeã em Estrasburgo este fim de semana) e Garbiñe Muguruza (que venceu em 2016) também vão a jogo. Quanto a João Sousa, só na terça-feira.

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