Grande Entrevista a Pedro Sousa: “Quero consolidar-me no top 100 e ser presença regular no circuito ATP”

A poucos dias de recomeçar a rotina de viagens que o tornou num dos melhores tenistas portugueses da história, Pedro Sousa é o sétimo protagonista das Grandes Entrevistas 10 Anos Raquetc. Em pleno court central do Centro de Ténis do Jamor, o lisboeta, de 32 anos, falou dos maiores sucessos da carreira, da situação atual e dos objetivos que ainda deseja alcançar. Numa época posta do avesso pela pandemia causada pelo novo coronavírus, a primeira viagem do regresso deverá ser até Itália , mas ainda sem certezas — até porque o espera uma nova “aventura”, esta na vida particular.

Começando pela actualidade, como é que estás e como é que têm sido estas semanas?

Primeiro do que tudo acho que finalmente já estou bem do gémeo e já estou a conseguir treinar a 100%, o que não acontecia há umas semanas. Estou a sentir-me cada vez melhor e vou estar preparado quando o circuito voltar.

Naquelas três semanas de Circuito Sénior FPT notava-se que entravas em campo e havia ali um bloqueio, do qual já falaste, mas depois nos treinos parecias conseguir abstrair-te disso e estar mais à vontade. Essa mistura de sensações perturbou os teus treinos nos últimos tempos?

Não, os treinos não perturbou muito. A questão é que era importante competir alguma coisa durante este tempo e forçámos um pouco a barra, obviamente sempre sem piorar a lesão. Eu sabia que estava no limite, mas fomos experimentando. Infelizmente não deu. No treino muitas vezes sabemos para onde é que a bola vai e podemos poupar-nos de uma maneira ou de outra, mas a competir as coisas mudam. Há mais tensão, mais incerteza e era isso que era diferente e fazia com que não conseguisse aguentar no gémeo, por isso não fazia sentido estar a jogar. Tentei duas vezes enão dava, parei um par de dias, comecei a treinar gradualmente e agora já estou a treinar com algum volume, o que ainda não tinha acontecido. Finalmente já estou a treinar várias horas, com bastante carga e intensidade e estou cada vez a sentir-me melhor. 

Essa é a mesma lesão que veio daquelas últimas semanas de competição?

Sim, foi no mesmo sítio da lesão de Buenos Aires. Lá fiz uma ecografia depois do jogo com o Monteiro [n.d.r.: Thiago Monteiro], mas como foi 12 horas depois não deu para ver se tinha alguma microrrotura ou não. Mas foi no mesmo sítio, passado dois meses já estava a treinar e aí rasgou mesmo. Não sei se foi relacionado, tudo indica que sim. No passado também já tive duas vezes roturas deste género e por isso pode ter tido algo a ver. Mas agora acho que já passou.

Sentes que esses problemas em Buenos Aires apareceram na pior altura possível?

Não vale a pena queixar-me muito dessa semana. Entrei como lucky loser e estava mal do gémeo, mas o Schwartzman [n.d.r.: Diego Schwartzman] estava pior da virilha nas meias-finais, por isso não vale a pena lamentar. Foi uma semana demasiado boa na minha carreira para me estar a queixar de problemas físicos. O que fica é ter feito final nessa semana. 

Depois da final fiz uma reportagem com o teu pai no CIF e ele disse-me que tu só foste a jogo porque nunca desistir ias da primeira final ATP da carreira. Foi isso que sentiste e foi isso que te fez entrar em campo?

Sim, eu e todos treinamos, damos o litro e sofremos para chegar a esses jogos, chegar às finais, aos grandes torneios. E foi isso que aconteceu. Obviamente eu sabia que estava limitado, mas também sabia que podia tentar jogar alguma coisa e foi isso que fiz. Penso que nem foi assim tão mau para o estado em que estava. Estava bastante cansado, mal do gémeo e ainda consegui dar alguma luta e emoção no segundo set. Mas sim, sendo a minha primeira final, e não sei se voltarei a mais alguma, tinha de a jogar de qualquer forma. 

A entrada no top 100 e agora essa final. Ainda acreditavas que aos 31 anos podias chegar a esses patamares?

Sempre acreditei. Já tinha estado perto uma ou duas vezes e ambém tinha um ranking em que tudo é possível. Andava ali no 110, 120, houve uma altura em que até estive a 102 no final de 2018 [foi 104 e não 102 no final desse ano] e aí sentia que estava perto e com nível. Infelizmente acabei essa temporada esgotado, mas em 2019. como não tinha pontos a defender, acabei por ultrapassar essa barreira devido às oscilações do ranking. Quando fui para a América do Sul no final de 2018 tinha feito algumas contas com o Rui [Machado] e tínhamos visto que se acabássemos o ano a 103/104 entrávamos na Austrália e depois o top 100 seria uma questão de tempo. E acabou por acontecer. Nesse final de 2018 fiz final em Lima, antes da final tive uma intoxicação alimentar e cheguei morto ao encontro — ainda por cima foi uma final de muito calor — e contraí uma microrrotura no abdominal, mas fui a Montevideu, onde precisava de fazer meias-finais para atingir esse objectivo do 103/104. Acabei por perder nessa fase com o Guido Pella em 3 sets e nem me conseguia mexer no fim. Depois as coisas felizmente acabaram por correr bem: entrei na Austrália e no top 100.

Fazendo aqui a ligação a outro desporto de que gostas muito, no futebol há equipas que celebram o título no sofá. Tu celebraste a entrada no top 100 no sofá. Tem o mesmo sabor?

Estava no sofá e de muletas (risos). Tinha torcido o pé. Já tínhamos feito muitas contas e sabíamos que numa semana ou noutra ia dar, porque não tinha pontos a defender e havia muitos a cair à minha volta. Ainda tive de sofrer um pouco porque houve muitos a ganhar pontos, mas acabei por ficar no 99.º lugar e foi igualmente saboroso. A jogar ou no sofá, o que interessa é passar esse objectivo, que é muito difícil, e para mim foi bastante complicado alcançá-lo. 

Voltando a essa final de Buenos Aires, é o momento mais alto da tua carreira?

Sem dúvida que sim. Já tinha tido alguns momentos bastante positivos, mas a final de Buenos Aires ultrapassa qualquer um. Aos 32 anos chegar à primeira final e ainda para mais numa altura em que, apesar de me estar a sentir bem, não estava a ter grandes resultados e estava a cair no ranking veio dar-me uma nova força e foi sem dúvida o ponto alto até agora.

Numa semana cheia de peripécias, como facto de seres lucky loser, a tua lesão e as limitações dos restantes jogadores tem de haver algum episódio mais fora do normal.

Cheguei a Buenos Aires na terça-feira e estava um calor agressivo e muita humidade. Treinei com o João Domingues de manhã e ainda estava muito pouca gente no torneio porque era a semana de Córdoba. Acabei esse treino com os ténis completamente encharcados e enquanto fui tomar banho deixei-os ao sol a secar, assim como o pé elástico, porque tinha torcido o pé há pouco tempo. E até disse ao meu treinador, o Rubén Ramírez, ‘achas que alguém vai querer esses ténis todos suados?’. Depois do banho e do almoço, quando voltámos para treinar, os ténis tinham desaparecido e andámos loucos à procura deles. O diretor de torneio [n.d.r.: Martin Jaite] preocupado porque ainda não tinha começado o torneio e já havia uma situação destas. Passado duas horas — nem treinei porque não tinha ténis — e depois de corrermos aquilo tudo lá os encontraram. As senhoras da limpeza pensaram que eram lixo e encontraram os ténis no contentor. O diretor de torneio é patrocinado pela Fila, meteu uma cunha e arranjou-me uns. Acabou por correr bem no final da semana (risos). São uns ténis especiais.

À distância notou-se que os argentinos ficaram com grande carinho por ti. Houve até aquela grande ovação no dia da final…

Sim, é verdade. Para já sempre gostei muito da Argentina. Dou-me muito bem com as pessoas de lá. Fui muito bem tratado pelo público e pela imprensa, acho que os conquistei. O torneio foi impecável. Foi uma grande semana em todos os aspectos. Ter as pessoas a cantar o meu nome no final… Eles sabiam que eu estava em dificuldade, mas estavam a tentar dar-me força e isso tudo foi uma grande vitória. 

Tudo indicava que vinham aí uns meses bons para poderes brilhar em torneios de terra batida, não fosse a pandemia. Estavas a contar com esses meses seguintes para saltar etapas?

Claro que sim. Tinha voltado a uma boa posição (110) e não tinha praticamente pontos a defender porque no ano anterior além de ter jogado mal ainda me lesionei no Millennium Estoril Open, então não joguei em Braga, nem no CIF, nem em Roland Garros e os torneios a seguir, ou seja, tinha muita margem para somar. Tinha a minha parte favorita do ano pela frente e estava em boa posição para ir aos Jogos Olímpicos e Roland Garros. Infelizmente a pandemia veio travar tudo isso, mas agora o que interessa é ultrapassar o problema e voltar à normalidade. 

Cinco meses depois, cá estamos com o ano embrulhado em problemas. O que é que ainda esperas de 2020 relativamente ao ténis?

Tudo indica que vai recomeçar. Há algumas dúvidas quanto ao US Open, mas pelo menos na Europa parece estar tudo bem encaminhado. Sinceramente vai ser uma incógnita como se vai voltar devido à paragem prolongada e não vai ser fácil para os jogadores voltarem a competir. Ainda por cima os jogadores devem querer jogar o máximo de torneios possível. Vou tentar manter-me saudável, jogar o máximo que conseguir e somar o maior número de pontos.

Qual será a tua primeira paragem?

Vou para Todi a 17 de agosto e depois veremos como será nos EUA, se há se não há. Cincinatti está complicado porque temos de chegar lá quatro dias antes e como vou jogar o Challenger a Itália, se me correr bem não consigo estar lá nessa data, pois o qualifying joga-se a 20 e 21. Depende muito desses protocolos e de como correr essa semana em Todi.

E já percebeste como isso funciona? Uma boa semana em Todi e ficas automaticamente fora de Cincinatti? 

O que dizem é que temos de fazer um teste à chegada para podermos começar a usar a ‘bolha’ à vontade entre o hotel e Flushing Meadows. Fazemos um teste à chegada e temos de ficar à espera do resultado no quarto de hotel. A partir do momento em que há resultado, se for negativo já podemos utilizar os campos e o ginásio, mas 48 horas depois temos de fazer outro para confirmar o resultado. Tudo indica que a cada quatro dias repetimos o teste. E para competir temos de fazer o teste com um mínimo de quatro dias de antecedência do primeiro encontro. Ainda são tudo questões a ver melhor, falar com os tour managers da ATP para ver que opções há. Mas pronto, o US Open é garantido, a semana antes é que vai ser difícil.

Em relação à realização do US Open, fazes parte do grupo dos otimistas?

Acho que vai haver. O facto de eles lançarem o protocolo de segurança logo no dia a seguir a Washington cancelar o torneio deles foi uma posição de força e serviu para demonstrar que vão fazer os possíveis para que se realize. A situação em Nova Iorque está mais controlada, ao contrário de algumas zonas nos EUA e a não ser que algo de extraordinário aconteça acho que eles vão avançar com o torneio.

E em relação às restrições dos acompanhantes, já têm mais informações?

No protocolo que eles enviaram falavam em três acompanhantes, mas só um deles com acesso aos campos. Os fisioterapeutas/preparadores físicos podem ir ao complexo, mas não para os courts. A mim não me faz diferença, faço parte do grupo dos pobres (risos). 

Qual é o motivo para estares a treinar em terra batida?

Estava a treinar em piso rápido porque tudo indicava que o circuito arrancava nos EUA e porque ia ter os torneios do circuito sénior aqui em Portugal e era importante participar neles, até porque eu não tenho feito muitos encontros em piso rápido e é uma superfície em que preciso de algum tempo. Mas agora saiu o calendário, vi que havia esses torneios aqui na Europa antes dos EUA e como ainda não é certo que haja ténis nos EUA e as inscrições para Todi fechavam agora estou a preparar-me para esse torneio. Além disso, para o gémeo é menos agressivo jogar em terra batida e o meu corpo está mais habituado à superfície. 

Portanto vais jogar Todi, eventualmente Cincinatti e US Open. Do que sabes do calendário, tens planos para as semanas seguintes?

Depois vem a terra batida europeia. Há Kitzbuhel e vão haver Challengers de 125 mil praticamente todas as semanas. Talvez entre no qualifying de Madrid porque alguns jogadores hão-de ter de descansar, os que forem longe no US Open. Em Roma depende se entro no quadro em Paris. Estou a 110, não há Federer nem Jarry, mas há os de ranking protegido. Não sei, vou ficar à pele. Mas também já fiquei à pele em Roland Garros três ou quatro anos seguidos, uns com match points, outros a um [lugar] fora e com malta a sair, por isso não quero cantar de galo. Vamos ter de esperar. Senão tenho de jogar o qualifying e jogo sem problema nenhum, já o joguei muitas vezes. Mas é como disse, vou tentar jogar o máximo possível de torneios. 

Não querendo muito invadir esse teu capítulo, tudo indica que antes terás a maior alegria da tua vida. Como é que te sentes em relação ao nascimento do teu filho?

Muito tranquilo. Já tive tempo para me habituar à ideia. Obviamente que vai mudar muita coisa na minha vida, passa a ser a minha prioridade número 1. Está quase, pode nascer a qualquer momento. Sinceramente estou ansioso por essa etapa e vamos ver como corre.

Com um “Manequinhas” a caminho, o legado dos Sousa ganha mais um capítulo…

Sim, o avô Manecas já está a mexer cordelinhos para comprar mais um cativo. Já são muitos. Qualquer dia tenho de comprar um camarote no Estádio da Luz (risos).

Voltando ao ténis, para este ano ainda há objectivos ou é difícil e caíram por terra?

Ainda não sabemos bem quantos torneios vão haver nem em que condições. Depois há a questão do ranking, onde ninguém perde os pontos. Vai ser estranho este regresso, ninguém vai ter de defender pontos e todos vão querer jogar o máximo possível. O positivo para mim seria conseguir entrar na Austrália, mas vamos ver.

Basicamente não perdes pontos este ano numa grande semana que tenhas feito o ano passado. O Nadal, por exemplo, não vai perder os pontos do US Open e de Roland Garros…

Pois, isso é bonito agora. Essa foi uma discussão que se teve na reunião que houve por Zoom e eu até já tinha falado disso com dois Tour Managers da ATP. Achei bem o que fizeram com o ranking, foi a melhor opção que podiam ter tomado. Só acho que podia ser melhor e mais justo para todos se os pontos já conquistados em 2020 fossem contabilizados da mesma forma. Um jogador que ganhou pontos em Roland Garros no ano passado só os vai perder em 2021 e quem ganhou pontos em janeiro, fevereiro e .arço de 2020 vai já perdê-los no início do próximo ano. Vai haver uns a utilizar pontos 90 e tal semanas e outros 30 e tal. Por exemplo, o Garín estava em quinto na Race e perdeu todas as chances que tinha de entrar no Masters e para o ano defende muitos pontos em poucas semanas, enquanto o Nadal tem 2000 pontos do US Open e Roland Garros mesmo que não jogue. Acho que a forma mais justa seria tratar os pontos até 16 de março, até à paragem, da mesma forma. Se fizermos melhor, substitui, se não fizermos duram até ao ano seguinte ou pelo menos até dezembro de 2021 e em janeiro o ranking começaria todo do novo. Foi o único erro que eles cometeram e muitos já falaram nisso nas reuniões. Eles disseram-nos que ainda pode haver alterações em relação a esse aspecto dependendo do calendário, mas pelo menos até ao final do ano vai ser muito difícil andar a mexer muito porque ninguém perde pontos. 

Sentiste que nessas reuniões os jogadores foram ouvidos? Conseguiste dar os teus inputs?

Por acaso não intervi muito em nenhuma das reuniões. Na primeira estavam umas 500 pessoas e foi bastante confuso, acho que eles se aperceberam do erro que foi meter tanta gente de tantos níveis diferentes. Às tantas já não se conseguia ouvir ninguém. Aliás, a reunião acabou com o Andrea Gaudenzi a dizer que em três ou quatro horas não se resolveu grande coisa porque a verdade é que era muita gente. Mas acho que sim, acho que ouviram e tentaram mudar algumas coisas. Na primeira reunião não havia muito a fazer porque é uma decisão da USTA [United States Tennis Association], mesmo que a ATP não queira que o torneio vá para a frente e a USTA decide avançar, o máximo que pode fazer é retirar os pontos. Por isso há ali coisas que não são os jogadores a decidir, mas quando os jogadores têm voz merecem ser ouvidos e estão a sê-lo, até porque todas as decisões estão a passar pelo Conselho de Jogadores. Não acho que a situação esteja a ser tão mal gerida como muita gente diz, só talvez o facto de muitas vezes sabermos das coisas pela internet ou outras fontes que não a ATP. Mas já estou habituado a isso, sei sempre quando jogo pelo vosso site ou outros, quase nunca sei por mim (risos).

Querias que o ténis voltasse?

Sim, o mais rápido possível. Todos temos saudade dessa vida, de competir, de andar de um lado para o outro. Não estamos habituados a estar tanto tempo parados e a passar tanto tempo em casa. Acho que a maior parte dos jogadores sente falta e está pronto para voltar ao circuito.

Vai ser um regresso com medo?

Não estou com muito. Obviamente que não quero apanhar o vírus e vou ter todos os cuidados possíveis, mas se apanhar a vida continua. O Djokovic apanhou e já está aí para as curvas, mas ao Dimitrov está a custar-lhe mais. Mas também há tantas coisas além do vírus que se podem apanhar. A vida continua, temos de andar para a frente com cuidado e vai tudo correr bem.

Há quatro anos, numa entrevista, disseste-me que o teu principal objetivo era chegar ao top 100. E agora?

Agora é voltar a entrar (risos). Estive a 99, mas pouco tempo (risos). Da mesma forma que me consolidei ali no lugar 120 e no circuito Challenger, quero consolidar-me no top 100 e ser presença regular no circuito ATP, misturando alguns Challengers. Conseguir manter-me ali entre o 90 e o 80 e aí começar a pensar em voos um bocadinho mais altos.

Estás com 7 títulos Challenger, só há um português com mais…

[interrompe] Empatado com o Gastão Elias e a um do Rui Machado (risos). 

Já vi que estás a par desses números. Essa brincadeira existe?

Sim, quando ganhei o último o Rui Machado picou-me: ‘já só estás a um’. Quando joguei a final de Florença no ano passado ele meteu-me esse extra de pressãozinha (risos). Era ele o treinador e meteu-me essa pressãozinha extra para o igualar. Mas também estou bem ali empatado com o meu amigo Gastão Elias, com 7 (risos). Obviamente que era bom passá-los, porque era sinal de que ia ganhar mais Challengers na minha carreira e é sempre bom ganhá-los, é sinal que vou subir no ranking de certeza. Mas o meu objectivo não é concorrer com eles, embora ganhar Challengers seja sempre um objectivo — não para bater recordes mas para subir no ranking.

Queria recordar alguns momentos da tua carreira. Sempre foste considerado por muitos, para não dizer por quase todos, como o tenista português mais talentoso. Isso foi um fardo no teu crescimento?

Quando era mais novo metia-me alguma pressão, algum peso nos ombros. Mas rapidamente isso foi embora. As pessoas de fora julgam que talento é fazer amorties e grandes volleys e no ténis não é isso. É um desporto demasiado completo para ser só isso. Por isso não me considero o português mais talentoso, rapidamente percebi isso. Está provado que o João Sousa é quem tem mais talento porque ele é que está há 6/7 anos a 50 do mundo. Cada um tem as suas armas e cada um tem de fazer o seu caminho independentemente das pessoas acharem que tem mais ou menos talento. Cada um tem de dar o seu melhor e preocupar-se com o que tem de fazer, quais as suas armas e jogar com elas. Sinceramente hoje os que as pessoas dizem já pouco me interessa. Estou mais preocupado com o que eu penso, com o que pensam as pessoas com quem trabalho e com quem me preocupo e se preocupam comigo. Isso é que me importa.

Olhando para o Millennium Estoril Open de 2018, tens aquela grande vitória contra o SImon em cerca de 3 horas, depois aquela entrevista épica que ainda corre muito na internet. Foi dos momentos mais peculiares que já passaste em court?

Foi. Para já eu muito poucas vezes tive cãibras. Dessa vez eu não vinha a treinar muito porque estava com algum toque, não estava bem fisicamente, e o jogo foi muito duro. O Simon passa demasiadas bolas (risos) e às tantas a meio do terceiro set comecei com cãibras, também com alguns nervos, porque o jogo estava bastante equilibrado e a verdade é que quando acabou lembro-me de mandar uma bola para fora do court a festejar e mal a mandei cai para o chão cheio de cãibras. Foi engraçado e ao mesmo tempo um bocadinho de vergonha não conseguir estar de pé para dar uma entrevista. Mas a verdade é que foi engraçado e o Miguel Seabra ainda hoje fala nisso e foi um momento divertido para toda a gente.

Logo depois aquele encontro que todos recordamos, e tu certamente também, com o João Sousa. É fácil dizer isto agora, olhando para trás, mas se ganhasses ali “anulavas” o que acabou a ser, passado uns dias, o maior feito do ténis português. Como foi o pré-jogo nesse dia?

Estava tranquilo. Sentia-me a jogar bem. Estava um pouco cansado ainda do jogo contra o Simon mas estava confiante. Conhecemo-nos bem e eu sabia que apesar de ele ser melhor jogador do que eu, em terra batida eu tenho mais armas para lhe fazer frente. Sabia que lhe podia ganhar. Não é ser arrogante nem faltar ao respeito, mas a verdade é que eu sabia que em terra batida tinha mais condições para o defrontar de igual para igual. E foi isso que aconteceu. Fiz um grande jogo, infelizmente não consegui fechar [teve 2 match points], ele também teve mérito porque se agarrou e porque jogou bem nessas alturas, que é uma das suas grandes armas apesar de muita gente criticá-lo por não ter cabeça, acho que é das principais armas que tem. Elevou o nível nesses momentos, eu fiquei mais nervoso, não fechei e ele acabou por ter mérito. E é verdade é que são estes jogos como ele sacou que dão confiança e a jogar em casa ainda por cima arrancou para ganhar o título. Foi uma excelente semana para o ténis português. Na altura custou-me bastante, não vou mentir, tirou-me o sono umas noites, mas olhando agora passado dois anos foi uma das melhores semanas para o ténis português. Tivemos um grande duelo entre dois portugueses numa segunda ronda de um ATP e o João depois acabou por ganhar o torneio em casa, foi muito bom para o ténis português. Se tivesse vencido o João não teria ganho o torneio, por isso agora dois anos depois ficou bem assim (risos). Eu também ganhei Braga na semana a seguir, portanto o que aconteceu foi positivo para Portugal.

Talvez seja estranho perguntar isto quando já disputaste uma final ATP, mas essa derrota contra o João foi a mais dura que já tiveste?

Foi a segunda. A mais difícil que tive foi no qualifying de Roland Garros, na última ronda em 2017. Também tive dois match points no tie-break do segundo set frente ao Gabashvili [n.d.r.:Teimuraz Gabashvili], que joga sempre bem ali. Essa foi a derrota mais dura que tive na carreira. 

Perdeste algumas noites de sono após a derrota face ao João? Como é que fizeste o reset para a semana seguinte em Braga?

Já estamos habituados e são coisas que acontecem. É como os futebolistas dizem, só não acontece a quem não está lá. A questão foi ser no Estoril, ser a primeira vez que ia aos quartos de final de um ATP, jogar em casa. Foi uma derrota dura, mas acontece várias semanas. Depois no final desse ano consegui ter ranking para entrar na Austrália, mas no jogo que decidia esse objectivo tive de ganhar ao Gimeno [n.d.r.: Daniel Gimeno-Traver nos quartos de final do Challenger de Montevideo] e estive a perder 6-3, 5-1 e acabei por ganhar. Por isso às vezes é a nosso favor, outras são contra nós, já estamos habituados. Obviamente quando é contra nós custa mais, mas o bom do ténis é também que na semana a seguir já começa outro torneio e dá para esquecer. Ainda por cima eu sabia que estava a jogar bem e sabia que os resultados iam aparecer, e acabaram por aparecer logo na semana a seguir quando ganhei Braga, fiz ainda meias-finais do CIF, por isso rapidamente superei essa derrota.

Também no Millennium Estoril Open há uma famosa ida aos balneários…

(risos) também com o Miguel Seabra. Foi com o Hanescu [n.d.r.:Victor Hanescu, segunda ronda do qualifying de 2015]. Foi o primeiro Estoril Open que joguei depois da operação e o Benfica ia jogar com o Porto às 16h/17h e eu tinha pedido para jogar cedo para ir ao Estádio. Só que choveu e atrasou bastante os jogos. Em vez de entrar ao meio-dia ou assim, entrei praticamente à hora do clássico. E quando fui para o terceiro set ia à casa de banho, e juro que só ia à casa de banho, o Miguel Seabra estava lá a passar e pronto, ele sabe, e acabou por me dizer o resultado. Fiquei um bocadinho mais aliviado porque o resultado interessou e acabei por ganhar o terceiro set.

E pelo que ouvi também já conseguiste fazer com que o hino do Benfica tocasse antes de uma final de um Challenger

Foi depois. No primeiro torneio que ganhei [Francavilla, Itália, em 2017], com o estádio cheio, perguntaram-me que música gostava que tocasse, e ainda para mais uma das pessoas da organização era de Nápoles e tinha vivido em Portugal dois ou três anos e também era fã do Benfica. Eu puxei por ele e lá tocou o hino. 

Mas foi na cerimónia?

Não, foi depois da entrega de prémios. Acabou, estava lá ainda muita gente e ele vem falar comigo. ‘diz aí uma música para tocar’. E ainda com bastante gente no clube meteu o hino (risos).

Esse torneio está incluído naquele verão louco de 2017 em que foste um “papa Challengers”. Foi a melhor fase da tua carreira?

Foi, tal como no na mesma altura no ano seguinte. Em 2017 fiz final em Tampere [Finlândia], ganhei em Liberec [República Checa] e depois ganhei ainda Como [Itália]. Em 2018 fiz final em Liberec, onde tinha ganho, e depois ganhei o de 125 mil [Pullach, Alemanha], um dos maiores torneios que há nos Challengers. Foram as duas maiores séries de torneios que ganhei. 

Entre esses dois períodos surge aquela eliminatória da Taça Davis com a Alemanha no Centralito em que quase ganhámos. Tiveste uma grande vitória no primeiro dia frente ao Jan-Lennard Struff. Foi dos fins-de-semana com mais emoções à flor da pele?

Sim, foi. Para já nós conhecemo-nos todos há imenso tempo, somos todos amigos desde miúdos, temos praticamente a mesma idade e é um sonho que nós temos, o de jogar o Grupo Mundial. Anda por mais estávamos a jogar em casa, no Centralito, onde eles todos ganharam nacionais menos eu (risos), mas onde todos temos boas memórias de jogar aqui. Era uma eliminatória que tínhamos muita vontade de ganhar porque estávamos muito perto do objectivo. O João entrou bem no jogo mas acabou por perder com o Stebe [n.d.r.:Cedrik-Marcel Stebe] no primeiro dia e se calhar a moral foi um pouco abaixo, mas eu consegui ganhar e acabámos o primeiro dia empatados e com uma chance de disputar a eliminatória. E a verdade é que disputámos. Foi no detalhe, tanto no par como no jogo do João frente ao Struff. Perdemos no detalhe, podia ter caído para o nosso lado, caiu para o deles. Foi uma grande vitória da minha parte no primeiro dia mas o que ficou foi que perdemos 3-1 e sentimos que foi no limite e que nos passou uma oportunidade de chegar ao Grupo Mundial que tanto queríamos. Mas continuamos a tentar e mais tarde ou mais cedo esse momento vai acabar por chegar.

Sendo aqui teria todo outro sabor…

Sim, e ainda por mais foi dos últimos anos no antigo formato da prova, estávamos a jogar no Centralito, court onde todos jogamos desde pequenos, eu treino aqui todos os dias, onde todos gostamos de jogar, contra um selecção da Alemanha que é sempre forte independentemente de ter ou não o Zverev, com o Boris Becker na bancada. Foi no detalhe. Demos o nosso melhor e podia ter caído para o nosso lado, tanto o par como o singular do João que teve match points. Infelizmente não caiu. Teria sido especial.

Olhando de uma forma mais abrangente para a tua carreira, foram anos e anos sempre em Portugal. Porquê essa decisão? Chegou a haver hipótese de ir para fora?

Hipótese houve, mas eu também tenho aqui a namorada, a família, os amigos, tenho aqui o Benfica, a praia ao lado de casa…não sei, sempre pensei nisso, mas ao colocar na balança o sair daqui e colocar tudo isto para trás, se calhar ia perder mais do que ganhava e a minha decisão foi sempre ficar cá, apesar de fazer algumas temporadas lá fora a treinar na Flórida e noutros sítios, a minha base sempre foi aqui e vou chegar ao fim da carreira tranquilo com essa decisão. No fim de contas acho que foi uma boa decisão.

Mas gostas de viajar?

Sim, gosto de viajar, mas já passamos tanto tempo fora que gosto de estar aqui com a minha família, amigos e namorada. Sabe bem ficar cá. Se além das 30 semanas que viajo por ano ainda tenho de fazer mais algumas fora de casa pode tornar-se mais difícil e é sempre bom ter um sítio onde voltar e onde me sinta bem, e é em Lisboa onde me sinto bem.

Uma carreira em Portugal mas ultimamente com o sotaque espanhol do Rúben Ramírez Hidalgo. Como é que surgiu essa parceria e como é que encaixa na estrutura do CAR, da qual fazes parte?

Já viajei com o Rúben o ano passado porque no CAR [Centro de Alto Rendimento, no Jamor] não me podem garantir todas as semanas de acompanhamento. Então estávamos à procura de alguém. O Rúben tinha deixado de jogar há pouco tempo, era um jogador que se dava muito bem com o Rui Machado e também comigo, sabia que ele tinha uma academia, que adora viajar e andar no circuito e falámos com ele. Ele estava interessado, experimentámos, demo-nos bem e viajo cerca de 12/15 semanas com ele por ano e damo-nos muito bem. Ele jogou até quase aos 40 anos, foi top 50, sabe tudo o que há para saber de ténis, adora a modalidade, ajuda-me bastante e espero continuar com ele algum tempo.

É muito à base das viagens ou também te ajuda nas semanas de treinos?

Já treinei com ele uma ou outra vez na sua academia em Alicante, mas é mais nos torneios, sim. Normalmente encontramo-nos nos torneios, alguma vez que tenhamos de voltar a Alicante não há problema e treino com ele, mas é mais para torneios.

Deixo para o final o mais desagradável: as lesões. Como é que lida com tantos e tão diferentes problemas físicos?

Não sei, mas já me comecei a habituar. Não vale a pena queixar-me nem chorar muito. É o que é, tendo evitar ao máximo, algumas são azar, outras se calhar podiam ter sido evitadas, mas não vale a pena queixa-me nem pensar no que seria se não tivesse tido nenhuma. Todos os jogadores têm, uns mais do que outros. O Murray podia ter sido muito melhor sem lesões, tal como o Del Potro. Há jogadores com mais propensão para lesões do que outros e é importante saber lidar com elas. Cheguei a uma fase onde vou lidando melhor com elas e o que interessa é que enquanto tiver vontade, enquanto acreditar, enquanto fizer o que gosto e não abandonar, tentar aproveitar as semanas que jogo da melhor maneira.

E sempre lidaste bem com as lesões?

Houve alturas mais complicadas, principalmente a partir da segunda operação ao pulso. Se calhar foi a fase mais negra da minha carreira, em 2015. Fui operado a primeira vez em Março ou Abril e a segunda no final desse ano e quando voltei dessa lesão não ganhava um jogo, queixava-me bastante e aprendi que não valia a pena, que para isso mais valia não jogar, e decidi mudar e encarar as coisas de outra forma. Acho que isso só fez de mim melhor jogador. Ainda tive algumas lesões depois disso e a verdade é que consegui sempre sair mais forte delas. Não foram tão graves como essas do pulso mas tive de parar algumas vezes e em alturas onde estava bem e perto de alguns objectivos, mas lidei bem com elas e estou cada vez mais bem preparado para essas situações. Também estou mais velho, isso ajuda, e enquanto o corpo me deixar e tiver vontade…porque não continuar?

Chegaste a ponderar parar?

Claro que sim, não vou mentir. Principalmente nessa altura, quando fui operado a segunda vez, porque sentia que estava com zero pontos, tinha de começar tudo de novo, sentia-me a jogar mal, sem qualidade, doía-me o pulso e depois quando a cabeça está assim é difícil de melhorar e ganhar jogos. E lembro-me que acabei esse ano mais cedo do que era suposto, pensei que a ascensão seria relativamente rápida mas não ganhava a ninguém. Pensei se valeria a pena ou não. Felizmente decidi arriscar outra vez e as coisas começaram a correr melhor do que estavam a correr. 

Recebeste alguma coroa de rei lá no circuito Future da Tunísia?

 Sim, sim, mas entretanto já me passaram (risos). O Oliveira [n.d.r.:Gonçalo Oliveira] passou lá muito tempo, o Domingues também, mas sim, no início quando aquilo começou era o príncipe de Hammamet [5 títulos e 5 finais nos Futures de Hammamet em 2016]. Era sempre muito bem recebido por toda a gente e a verdade é que me trataram muito bem. Ainda o ano passado quando fui à Tunísia jogar o Challenger de Tunis, alguns deles fizeram três horas de carro para me ir ver. Deixei lá boas amizades.

Pedro, 32 anos. Ainda muito para jogar?

Muito não sei, vamos ver. É como disse, enquanto o corpo me deixar, enquanto me apetecer, enquanto gostar, enquanto quiser continuar a viajar e a competir, estou aí para as curvas. Mais um ano, dois anos. Não sei, vamos ver.

E o sonho olímpico?

É o principal objetivo da minha carreira. Estava bem encaminhado, mas agora com esta questão do ranking… Vamos lá ver se ainda vão mudar o início do ranking de 2020 ou não. Senão tenho de dar corda aos sapatos. Mas é sem dúvida o meu grande objectivo até junho do próximo ano.

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