Grande Entrevista a João Zilhão: “Estaremos preparados para retomar o Millennium Estoril Open com toda a qualidade”

Numa Grande Entrevista 10 Anos Raquetc, João Zilhão, o diretor do Millennium Estoril Open, recordou o “nascimento” do ATP 250 português e debruçou-se sobre as dificuldades enfrentadas devido ao cancelamento da edição de 2020 por causa da pandemia, mas também recordou momentos inesquecíveis e mostrou-se muito otimista em relação ao futuro do maior torneio de ténis organizado em Portugal.

– Seis dos 10 anos do Raquetc coincidem com o Millennium Estoril Open. Para começarmos queria “viajar” até 5 de fevereiro de 2015, o dia em que o torneio foi oficialmente apresentado, poucos meses depois de ter sido anunciado que o Portugal Open chegara ao fim. Esses foram os cinco meses mais difíceis desta grande aventura?

Lembro-me muito bem desse dia, carregado de emoções, em que fizemos a conferência de imprensa na Cidadela de Cascais a anunciar que íamos mesmo avançar com a primeira edição do Millennium Estoril Open de 25 Abril a 3 Maio 2015 no Clube de Ténis do Estoril. Foi um incrível contra-relógio, porque decidimos arriscar e manter vivo um torneio do ATP Tour em Portugal. Era um risco enorme para os sócios que se meteram neste projeto, como sabem a U.Com (Dirk Glittenberg e João Zilhão), a Van Veggel (Benno van Veggel e Armindo Mirante) e a Polaris (Jorge Mendes), porque havia muita incerteza em relação à capacidade de se encontrarem tantos milhões de euros em tão pouco tempo. E depois a grande incógnita que era montar este grande evento ATP no novo palco, o que levantava imensas dúvidas em relação ao funcionamento do Clube de Ténis do Estoril, o enquadramento de pessoas, fluxos de trânsito, estacionamento, mas também a forma como tudo ia funcionar do ponto de vista corporativo, a parte que é muito importante para os sponsors e que passou a ser mais longe de Lisboa (em relação ao anterior evento no Jamor). Os apoios do Millennium bcp e da Câmara Municipal de Cascais foram absolutamente fundamentais para o arranque e sucesso do projecto. O primeiro ano foi uma agradável surpresa e recordamos com muito orgulho ter conseguido montar um projeto que começou com o pé direito, mas realmente foram uns meses sem fins de semana, com muitas noites em branco e milhões de dúvidas e medos. Havia noites em que eu sonhava que estava a andar pelo clube e estava tudo vazio, não havia uma única pessoa na zona VIP, que rebatizámos de Slice Lounge. Estava sozinho, tudo escuro à minha volta e chovia a semana toda. Não foram sonhos, foram pesadelos, porque era tudo um grande ponto de interrogação. Não sabíamos como é que as pessoas iam reagir a uma nova realidade, a este novo torneio renascido em 2015.

– Não serão muitos os torneios a nascer em apenas três meses…

Não conheço muitos, não. Nós queríamos que o torneio continuasse vivo. Um dos nossos grandes objetivos era que Portugal não perdesse um torneio ATP, porque julgo que se não se tivesse realizado em 2015 teria sido perdido para sempre. Mas também queríamos fazê-lo muito bem, para que o prestígio que o evento tinha se mantivesse e até aumentasse. Tentámos melhorar e inovar em várias áreas, com encontros noturnos, jantares para os sponsors e ao aproximar o público do ténis — cortámos duas laterais de camarotes para o público poder estar nas primeiras filas. Foram várias inovações logo no primeiro ano para que o evento fosse uma experiência única para quem nos visitasse. Decidimos fazê-lo logo muitíssimo bem no primeiro ano, daí que financeiramente tenha sido prejudicial para nós, porque investimos em relvado para todas as zonas públicas, investimos numa decoração fantástica, numa imagem única e por aí fora e foram coisas que no futuro nos deram frutos. Podíamos ter poupado algum dinheiro no primeiro ano, mas o Millennium Estoril Open não teria o mesmo sucesso. Não teríamos ganho o prémio de Best Marketing Promotion da ATP, não teríamos passado à ATP, aos sponsors e ao público a imagem do que queríamos fazer com o torneio e que estávamos dispostos a investir para que a nova realidade do Millennium Estoril Open fosse um grande sucesso, com muita credibilidade e fulgor financeiro para ir para a frente. 

– Cinco anos depois, um desafio ainda maior, este totalmente inesperado e indesejado. Como é que um torneio como o Millennium Estoril Open sobrevive a um cancelamento tão repentino? Faltavam pouquíssimas semanas para arrancar…

 Exatamente… Por decisões superiores perfeitamente compreensíveis fomos obrigados a cancelar quando estávamos a 38 dias do começo do evento. Aliás, a ATP cancelou uma série de semanas e entretanto anunciou outros dois cancelamentos. A 3Love é uma equipa pequena, que trabalha o ano todo para montar este evento e que viu 10 meses de árduo trabalho a ser dissipados por este vírus. Estávamos a um curto espaço de tempo do começo e já tínhamos muita montagem feita, e como tal os nossos prejuízos foram avultados Estávamos com quase quatro semanas de montagens. Como todos sabem é um evento que é praticamente todo à base de estruturas temporárias, desde as bancadas às zonas do público, o Slice Lounge e o Slice Restaurant. Estamos a falar de montar uma pequena cidade para este evento. São três meses de montagens e desmontagens que obrigam a uma verdadeira obra de engenharia, decoração e arquitetura. É como construir um LEGO, em que se aproveita cada centímetro quadrado do Clube e arredores de alguma forma porque as exigências são grandes para acolher todos os sponsors, os média, todo o staff do evento, os jogadores, e o público obviamente.

Dito isto, foram 10 meses a trabalhar e foi muito triste ver tudo ir por água abaixo. Posso dizer que o momento mais triste foi o dia 24 de abril, que seria dia que antecedia o início do torneio e que coincidiu com o último dia das desmontagens. Foi triste, foi muito dinheiro deitado fora, houve muitos pagamentos que foram feitos e uma promoção enorme de meses a fio feita pela Fullsix, em vários meios como a JC Decaux, a Cofina, a TVI, a RFM. Havia muitas sessões esgotadas, todos os camarotes estavam esgotados, tínhamos um recorde de vendas. Todo esse dinheiro foi devolvido em tempo recorde às pessoas que compraram bilhetes e camarotes. Foi um ano de muitos prejuízos, mas que está a afetar tudo e todos, sem exceção.

Ainda agora estive num telefonema com a maior parte dos outros diretores de torneios do ATP de todo o mundo e mesmo os que ainda vão acontecer este ano vão ter muitas dificuldades em chegar ao breakeven se tiverem limitações de público. É um ano de prejuízos avultados, não só para o ténis como todos os outros eventos e todas as áreas da economia. Este vírus não está a ter qualquer tipo de complacência em relação a qualquer área de negócio. Parou o mundo, parou a economia e os reflexos são transversais a tudo e todos.

– Muitos torneios ficaram ou irão ficar em grande risco, mas o João foi rápido a garantir que o Millennium Estoril Open estará cá em 2021. Como é que se foge ao pior e se consegue assegurar a continuidade de um torneio como este? 

Estamos a fazer um esforço enorme para ter os custos totalmente controlados. Em termos de estrutura, os custos da 3Love são pequenos, porque é uma equipa pequena e fazemos outsourcing de várias áreas de evento. Estamos a fazer uma redução de custos ao mínimo possível para garantir a sobrevivência da equipa, porque é um ano de prejuízos que não podemos contrariar. Estamos a usar umas pequenas reservas que tínhamos e estamos também a contar com o apoio dos nossos sponsors para nos ajudar a chegar com alguma saúde ao próximo ano.

Praticamente toda a nossa família de sponsors continuará connosco e isso é muito positivo. Temos passado as últimas semanas em reuniões por zoom e teams com cada um dos nossos sponsors para ver como é que é possível eles ajudarem-nos este ano e vários deles conseguiram. E isso é fundamental, o apoio dos nossos sponsors tem sido fundamental, não só este ano com a ajuda que cada um nos deu, mas também a garantia de que vão continuar connosco no futuro e que estão no nosso barco a atravessar esta tempestade com a certeza de que um evento da qualidade do Millennium Estoril Open está cá para o futuro. E é claro que estaremos preparados para retomar o Millennium Estoril Open com toda a qualidade que ele sempre teve. Não há a menor dúvida, os nossos principais sponsors estão connosco e cá estarão para de uma forma ou de outra continuarmos a ter aquele que muitos consideram um dos principais eventos do nosso país — porque não é só um torneio de ténis, também é um grande evento social, de networking, de relações publicas, gastronomia, de arte, de musica, para as crianças. É um grande evento para todo o tipo de pessoas. O ténis é o prato forte, mas o Millennium Estoril Open é também muito mais do que isso e é por isso que tem tido um grande sucesso.

– Que impacto é que esta paragem pode ter nos circuitos mundiais e nos outros torneios? Já há conversas sobre o que poderá ser a realidade em 2021?

Todas as conversas semanais com a ATP têm sido concentradas em 2020, em ver o que é que é possível salvar em termos de calendário e como é que se vai regressar. A ATP desenvolveu um documento de 40 páginas chamado Return to Competition que olha para todas as áreas e reúne a forma como vão impactar o torneio, os jogadores, a relação com os média, tudo. Foi tudo pensado e revisto. A ATP tem uma equipa enorme de médicos, fisioterapeutas e agora de consultores nesta área e também está a falar com várias outras modalidades/organismos desportivos para tentar perceber quais é que são as melhores práticas. Por isso estão muito, muito focados em regressar à competição o mais rápido possível em 2020. Para 2021 vamos começar a olhar em breve. Há muita gente com esperanças de que em 2021 se possa regressar próximo da realidade, mas ainda temos de esperar. Ninguém tem uma bola mágica à frente. O importante é recomeçar a competir, ver como é que a situação evolui e perceber como é que as pessoas vão reagir e como é que vão ser os novos tempos.

– É claro que esta é uma situação negativa, mas será que vai fazer com que daqui para a frente volte a ser mais fácil trazer jogadores ao torneio?

É uma questão interessante. Tenho dúvidas de que os grandes nomes façam “saldos”, não precisam. A grande questão aqui é a necessidade. Vou dar o exemplo clássico do Roger Federer. Há dias foi anunciado como o desportista mais bem pago do mundo, com mais de 100 milhões de euros ganhos entre patrocínios, cachets e prize-money em 2019. Ele pode dar-se ao luxo de jogar onde quer e pelos valores que quer, não precisa de fazer descontos.

– Referia-me sobretudo aos jogadores de “meio termo”, que nos dias de hoje eventualmente estariam a pedir cachets irrealistas.

Eu espero que haja revisões, até porque 2021 vai ser um ano extremamente exigente do ponto de vista financeiro. As marcas estão praticamente todas a sofrer. É claro que algumas têm estratégias e budget para continuar a investir, mas há muitas que se retraem nestas fases, há marcas com grandes layoffs, outras com despedimentos e muitas delas aproveitam para poupar no budget de marketing e publicidade. E daí sofrem os eventos e as empresas que precisam de patrocínios. Mas eu estou confiante de que ainda assim 2021 vai permitir a muitas marcas investirem no desporto e no sports marketing, que está provado ser um excelente investimento em termos de retorno. Sobretudo no Millennium Estoril Open, onde há toda aquela envolvência e contacto entre marcas e clientes.

Nesta fase é importante dizer que a ATP quer ajudar os torneios, mas tem grandes pontos de interrogação e o maior deles é se vai conseguir realizar o Nitto ATP Finals, em novembro. Essa é uma das grandes fontes de receita para o ATP. As outras provêm dos chamados betting rights, em que estamos a falar de dezenas de milhões de euros e são muito valiosos; dos sponsorship rights, que no caso da ATP significam acordos com uma Emirates, uma Peugeot, uma FedEx. 

Há grandes pontos de interrogação, desde quando é que se vai jogar a quantos torneios e que valores é que a ATP vai receber nos seus cofres destas várias áreas de receita. Uma das questões que foi colocada recentemente ao Andrea Gaudenzi [n.d.r.: Presidente da ATP] foi essa. Ele diz que quer muito ajudar, mas ainda não tem forma de saber qual será o tamanho do buraco nos cofres e só depois de perceber exatamente como é que o ano corre é que vai saber de que forma é que pode ajudar os torneios. Nesta fase ainda é demasiado cedo para tomar esse tipo de decisões, o que também se percebe. É frustrante, claro. Ele próprio pediu desculpa por não nos conseguir dar uma resposta assertiva, mas pediu-nos paciência porque somos um dos desportos mais fortes do mundo. 

– Há pouco fez uma referência ao Federer, por isso aproveito a deixa: já falou várias vezes da sua enorme admiração por ele. Trazê-lo ao Millennium Estoril Open é um sonho ou uma possibilidade? Não havendo o dinheiro de outros torneios como é que seria possível?

É um enorme sonho, mas julgo que não passa disso. Houve um ano [n.d.r.: 2017] em que ele disse que queria jogar um pouco em terra batida e ainda enviei uma mensagem pelo WhatsApp ao Tony Godsick, o agente dele, a dizer que obviamente teríamos um wild card caso o Federer quisesse vir afinar o seu jogo para Roland Garros. Mas julgo que não passa de um sonho, porque ele joga cada vez menos em terra batida, está-se a poupar. Vai fazer 40 anos em 2021 e o cachet dele está completamente fora do nosso alcance. Não há um enquadramento possível, o que ele cobra é o nosso budget multiplicado algumas vezes. A admiração por ele é gigantesca e a relação com o agente é excelente, mas não vejo possibilidades de vir ao Millennium Estoril Open porque provavelmente o próximo ano será o último da carreira e ele vai ser ainda mais seletivo nos torneios que joga. Sei que ele gosta muito de Portugal, mas acho que isso não chega para o convencer a viajar nesta fase derradeira da sua brilhante carreira.

E em relação aos restantes membros dos Big Four, já houve alguma abordagem? Houve um ano em que o Murray estava a recuperar de uma lesão e chegou a falar-se de uma possível vinda. Até foi feito um vídeo…

Um vídeo extremamente premiado. O Murray este ano queria vir ao Millennium Estoril Open. Estive em conversações com o agente porque ele queria jogar nessa semana, foi ele que me contactou. Este ano houve uma fase especial, que foi aquela em que o nosso torneio ainda estava ‘vivo’ e fiz alguns acordos de última hora com jogadores de renome. Agora olhamos para trás e não passou de uma utopia, mas na altura soube bem ver tantos nomes a quererem jogar e conseguir-se nomes muito sonantes. Os quadros de jogadores que temos apresentado têm sido extremamente bons, em anos ditos normais temos tido sempre vários jogadores de destaque. Em 2019 tivemos vários jogadores do top 15, como o Tsitsipas, o Monfils, o Fognini e o Goffin. Tem sido um torneio que consegue sempre atrair um grande elenco e acho que temos conseguido oferecer ao público português um excelente torneio ATP 250, com um ótimo nível.

Em relação ao Nadal, também seria um sonho tê-lo cá, mas é muito difícil porque ele nunca vai jogar tantas semanas consecutivas em terra batida. Enquanto o calendário estiver montado desta forma não é realista pensar que ele vai jogar em Monte Carlo, Barcelona, Estoril, Madrid e Roma antes de Roland-Garros. Seriam cinco semanas seguidas e ele não joga mais do que duas, por isso não é realista.

O Djokovic também já esteve muito perto. Naquele ano que lhe estava a correr mal estive em conversações com os agentes dele e à última hora decidiram não jogar, mas esteve muito perto de poder vir nesse ano. Perdeu cedo em Barcelona e em Monte Carlo e eu ofereci-lhe um wild card, mas depois de pensarem durante uns dias e decidiram não aceitar.

Nós temos sempre um olho atento a estas oportunidades. Sabemos que Portugal é um país que tem tudo para oferecer em termos de conforto, segurança e hospitalidade e que a região de Cascais e o hotel que oferecemos são muito apreciados pelos jogadores, não esquecendo a gastronomia. É um destino extremamente apelativo, toda a gente gosta de vir a Portugal e ficam sempre encantados com a nossa forma de receber. E o Millennium Estoril Open é um espelho disso, é um torneio muito acolhedor, que tem uma equipa extraordinária de pessoas a trabalhar para que os jogadores se sintam muitíssimo bem e que seja uma semana que todos gostam de jogar.

– Quando falou do Nadal referiu a questão de Monte Carlo, Barcelona, Madrid, Roma. Ter Madrid na semana imediatamente a seguir é um benefício ou, sobretudo, um “pesadelo”? 

Para alguns jogadores é uma vantagem por causa da proximidade geográfica e da facilidade de viajar do Estoril/Lisboa para Madrid, mas não há muito a fazer. Os ATP 250 são torneios que têm a sua importância no calendário do ATP, mas não são Masters 1000 ou Grand Slams. Sabemos o espaço que temos, sabemos que somos o maior torneio em Portugal e um dos eventos mais relevantes do nosso país, o que também é fundamental, e que conseguimos todos os anos trazer um quadro que por vezes até parece um ATP 500. Estamos orgulhosos disso e temos conseguido, com as nossas armas e diferenciações, fazer do nosso evento uma semana extremamente especial. E o que importa é que aquela semana seja vivida cá em Portugal, porque é um verdadeiro sonho para todos os adeptos do ténis, do desporto em geral e dos eventos.

– Digamos que eu sou um jogador aliciante e o João tem interesse na minha presença no torneio: como é que se dá esse processo?

 Todos os anos é feita uma análise, que eu faço muitas vezes com o Benno van Veggel, um dos meus sócios neste projeto e que foi, e ainda é, um grande jogador de ténis. Todos os anos fazemos um raio x aos jogadores que nos interessam e depois eu inicio os contactos com os agentes desses jogadores. As reuniões acontecem sempre pessoalmente e normalmente obrigam a um relacionamento pessoal que tenho com muitos desses agentes. Habitualmente combinamos uma reunião à volta das reuniões do ATP, que acontecem nos grandes torneios. Começam sempre com uma conversa em que eu revelo que temos interesse em tê-los cá, depois eles avaliam se a nossa semana faz ou não sentido para o seu jogador e começamos a negociar valores (o chamado cachet, que por vezes começam+ com números absurdos) E aí começam várias semanas, ou vários meses, de negociações. Nunca é fácil. Alguns dos jogadores que nos interessam também interessam a muitos dos outros torneios de todo o mundo, por isso é uma questão de procura e oferta. O problema é que há torneios e cidades com muito dinheiro, que podem oferecer imediatamente o que os agentes lhes pedem. Nós não temos esses budgets, o que nos obriga a negociações muito difíceis. Tenho que dizer que não consigo chegar àquele valor, apesar de achar que ele merece, e depois seguem-se duras negociações para chegar a bom porto.

– O desaparecimento do torneio de Istambul ajudou?

Nem por isso. Porque é muito fácil os jogadores dizerem que não querem jogar a nossa semana, porque potencialmente é uma semana de descanso entre grandes torneios, o que às vezes obriga a ter de passar um cheque ainda maior para os atrair. É mais fácil quando é o agente a manifestar interesse em jogar o nosso torneio. Às vezes não digo nada a um agente porque sei que ele me vai contatar mais cedo ou mais tarde. Normalmente aproveito as minhas viagens às reuniões do ATP para me reunir com cinco ou seis agentes dos jogadores que mais nos interessam. Há agentes que têm vários jogadores e com os quais eu falo sobre um, dois ou três. Mas temos sempre de identificar primeiro os jogadores que fazem sentido para o torneio e para os quais temos budget. Nunca estico o budget porque esse seria o erro principal para perdermos dinheiro e estragarmos a saúde financeira do nosso torneio. Quando se tem um budget tão curto para jogadores é muito difícil negociar, por isso têm sido feitos alguns milagres nos últimos anos para termos tido os quadros que temos tido. E sei que alguns destes jogadores têm vindo porque adoram o nosso torneio e têm sido muito bem tratados.

– Chega a haver contacto com os jogadores? 

Encontro-me com os jogadores nos torneios e muitas vezes até estamos hospedados no mesmo hotel oficial do ATP, mas falamos de tudo menos negócios. Às vezes falamos da sua experiência em Cascais e em Portugal e eles até podem revelar que gostavam de voltar, mas tudo o que está relacionado com negociações e valores de cachets é tratado com os agentes e sempre sem a presença dos jogadores.

– Imagino que entre agentes, pais e patrocinadores haja cada vez mais “influencers” nesse processo…

Sim… Há sempre muita gente a tentar garantir os jogadores de renome nos seus torneios e esses agentes sabem-no, por isso também jogam com isso. Fazem os calendários baseado no que é melhor para os jogadores, aconselhados pelas equipas técnicas, mas também a pensar em termos financeiros. Ainda me lembro de estar reunido com o agente do Stefanos Tsitsipas no Nitto ATP Finals, em Londres, e ele fez-me claramente sentir que não havia nenhum torneio no mundo que não o quisesse. O que é natural. Ele é um tipo carismático, bem parecido, que fala e joga bem, tem um excelente ranking dentro do TOP10 e já venceu torneios importantíssimos, por isso é claro que o agente sabe que tem um diamante nas mãos e que pode conseguir valores superiores por ele, caso o negocie bem. E pode ter uma panóplia de opções para o calendário do jogador. Obviamente que um jogador não vai competir todas as semanas, por isso tem de fazer escolhas. E tenho a certeza de que há jogadores que decidem ir a certos torneios exclusivamente por razões financeiras, mesmo que não lhes faça sentido ir a certa região do mundo, ou jogar certa semana.

– Em 2019, pouco depois da vitória no Millennium Estoril Open, disse-me que dificilmente conseguiria trazer o Tsitsipas porque ele estava a explodir cada vez mais. E entretanto ele ganha o ATP Finals… Fechá-lo para 2020 foi a maior vitória entre as várias negociações?  

Foi extraordinário! Ficámos muito contente, foi uma grande conquista. De repente estávamos longíssimo de o conseguir em termos de valores e foram precisas mais negociações, extremamente complicadas, até que o conseguimos fechar. Ficámos muito contentes porque queríamos muito ter o nosso campeão em título outra vez e queríamos muito ter o campeão do ATP Finals no nosso torneio. Sabemos que há muito carinho por ele no Estoril desde que ele veio pela primeira vez, em 2018, mas foram realmente negociações dificílimas. Reuni com o agente dele logo após a vitória no Millennium Estoril Open, em 2019, foi um dos vários agentes com que reuni em Wimbledon. Não o consegui fechar, voltei a reunir com ele no US Open e voltei a não conseguir, não chegámos a entendimento e depois voltei a reunir durante o ATP Finals em Londres. Em todos estes torneios eu tenho reuniões entre diretores de torneios, portanto aproveito para fazer estas reuniões. Fui lá com toda a garra do mundo para o fechar, mas não o consegui porque ele voltou a não aceitar a nossa proposta. Como disse, o budget que tenho para gerir não estica, a minha política como diretor do torneio e sócio-gerente do projeto é garantir que o orçamento é rigorosamente cumprido e que não há deslizes em nenhuma área, porque não nos podemos dar a esse luxo. Foi muito difícil e saí de Londres desmotivadíssimo. Muito feliz com a vitória dele, claro, mas a pensar que estava perdido e que teríamos de considerar outros jogadores, porque ao vencer o ATP Finals o valor do Stefanos disparou mais um bocado…

… Aí contou muito o fator torneio?

São muitas coisas juntas. A família sempre foi muito bem tratada cá no Estoril, veio a família toda e a componente local, a nossa equipa, que os trata tão bem e o carinho do torneio…a gastronomia, o hotel Cascais Miragem, a segurança e simpatia do nosso staff. Foram vários fatores que fizeram o clique para que ele decidisse jogar o nosso torneio. Como sabes ele não pode jogar todas as semanas, tem de tomar decisões que são estratégicas, mas também financeiras. Toda a gente sabe que os grandes nomes do ténis cobram cachets para jogar os ATP 250 — até há alguns ATP 500 que pagam cachets, só nos Masters 1000 e nos Grand Slams é que não há cachets.

– Desde o início do torneio que a NextGen é a grande aposta do Millennium Estoril Open, mas nos últimos anos também se tem tornado numa aposta cada vez maior da ATP, o que tem feito com que esses jogadores valorizem muito desde uma tenra idade. Como é que se lida com esse boom que eles ganham de repente?

É realmente uma estratégia que temos adotado logo desde o primeiro ano, porque não teríamos dinheiro para os chamados Big Four e por isso decidimos apostar nos futuros número um do circuito. E com muito sucesso. Ainda me lembro que em 2015 eu e o agente do Nick Kyrgios, o John Morris, não nos conhecíamos e viajei para Londres para me sentar fisicamente com ele em fevereiro de 2015, para explicar quem éramos. Foi muito difícil porque era um torneio novo, como promotores novos que as pessoas ainda não conheciam bem e inclusivamente tivemos de pagar alguns cachets à cabeça a alguns jogadores para mostrarmos que tínhamos essa credibilidade e essa força financeira para agarrar o novo projeto. Mas como tu dizias e bem, a ATP valorizou muito estes miúdos que antigamente não tinham a mesma exposição e também tivemos de começar a pagar para os ter. Acho que as nossas campanhas têm sido excelentes, temos uma parceria de longa data com a Fullsix que tem feito com que as pessoas conheçam nomes que de outra forma não iriam conhecer. São campanhas muito extensas pelo país todo, em todos os meios, a dar a conhecer os nomes que já estão na ribalta e que em muitos casos começaram por brilhar aqui. E isso dá-nos gozo, ver que tivemos uma estratégia acertada e que acertámos em muitos nomes fantásticos. Apesar de ele só ter jogado duas vezes, fechei o Nick Kyrgios em quatro anos sucessivos: em 2015, quando ele veio e chegou à final; em 2016, quando chegou às meias-finais; em 2017, que não veio porque o avô morreu e ele teve de regressar à Austrália; e em 2018, em que ele não veio porque se lesionou e que esteve ausente do circuito durante vários meses. Ele adora o nosso torneio, onde já celebrou os seus anos em duas ocasiões, e tenho uma relação muito boa com o agente, que também sente o evento como muito acolhedor e diz que fazemos um trabalho magnífico com os jogadores e suas equipas técnicas.

– Ainda neste contexto das contratações, negociações, entradas e saídas dos jogadores, qual é que foi a decisão mais difícil que teve de tomar como diretor do torneio?

Já tivemos muitas decisões difíceis em termos de wild cards. Estamos muito limitados, só temos dois para o qualifying e três para o quadro principal e isso obriga-nos a decisões extremamente difíceis: não dar a um jogador português para dar a um top 10, enfim, são várias decisões muito difíceis de tomar e que por vezes nos obrigam a uma enorme ginástica.

Os agentes colocam muita pressão, porque ligam e querem uma decisão imediata, e de repente vemo-nos a ter de tomar uma decisão horrível, que é não dar a um para dar a outro e pensar quem é que valoriza mais o torneio e quem é que faz mais sentido ajudar. Não quero especificar nomes, mas todos os anos temos uma gestão muito difícil a fazer em relação aos wild cards. É sempre bom manter um até ao último instante, porque há sempre telefonemas de grandes nomes que à última hora não estiveram bem em Barcelona, ou que simplesmente querem jogar mais um torneio antes de Madrid e Roma. Aquilo que nunca foi feito foi dar um wild card e depois retirá-lo — isso é algo que nunca vai acontecer, quando é dado é dado, acabou. Nem que depois venha o Federer pedi-lo (risos). É preciso medir muitos fatores, às vezes temos os pais dos jogadores a ligar-nos, ou lobbies diversos de vários meios, há muitos interesses. E no fundo o wild card é um trunfo que o torneio tem para ajudar o ténis português, mas também para ajudar o torneio, e agradar ao publico, aos sponsors e à televisão.

Aliás, no ano passado o Carreño-Busta, que já foi campeão do torneio e um top 10, pediu-nos um. Ele precisava de ajuda e é evidente que acedemos ao seu pedido…Um jogador que já ganhou o torneio tem sempre um carinho especial no nosso coração. Depois chegou um pedido do David Goffin, que também é um grande nome e que estava outra vez perto do top 10. Não são decisões nada fáceis e às vezes os dois objetivos principais chocam um com o outro, porque ao beneficiar o estatuto do torneio em termos de retorno com jogadores internacionais estamos a ‘não ajudar’ um jogador português que também precisa do convite. Mas acho que temos feito um bom balanço e isso tem-nos feito melhorar o quadro de forma significativa.

– E o pedido mais estranho que já recebeu?

Vários, vários (risos). Às vezes há pedidos especiais e que nós tentamos acautelar o melhor possível. Há um jogador muito querido do Millennium Estoril Open, que já foi finalista de torneios do Grand Slam em duas ocasiões (US Open 2017 e Wimbledon 2018) e que tem uma presença constante no top 10, que é o Kevin Anderson. Ele viaja sempre com a sua cadela (Lady Kady) e o hotel oficial, que é o Cascais Miragem, não aceita animais, mas nós temos conseguido sempre arranjar uma solução noutro hotel logo ali ao lado, o Intercontinental do Estoril. Eles aceitam cães e tratam muito bem da Lady Kady, inclusive com algumas mordomias para a cadela. Este é um exemplo engraçado, mas também há sempre pedidos difíceis, de jogadores que vêm de uma lesão ou que não estão a 100% e querem jogar o mais tarde possível. Aconteceu-nos no ano passado e foi uma questão muito difícil de resolver: o Monfils quis jogar na quinta-feira, o Fognini quis jogar na quinta-feira e depois o João Sousa ganhou a primeira ronda e não queria jogar logo na quarta-feira, mas não podíamos colocar os três na quinta-feira porque estavam em lados diferentes do quadro. Isso causou-nos grandes dificuldades e depois há toda uma gestão de bastidores, que o público em geral não conhece, mas que obriga a decisões que às vezes são pouco populares. Cada um quer o melhor para si, logicamente não quer saber dos outros jogadores, e nós temos de pensar no que é melhor para o torneio.

– Queria dedicar-me a 2018 e à vitória do João Sousa, que teve um impacto enorme no ténis português. Para o torneio que efeitos é que teve essa conquista?

Foi absolutamente extraordinário. É difícil de colocar em palavras… Há uma fotografia do João Sousa a chorar depois da vitória que é o exemplo clássico de que “uma imagem vale mais do que mil palavras.” Pensei que seria impensável vivermos todas aquelas emoções, até porque o João não se tinha dado bem com a pressão de jogar em casa nos três anos anteriores. Ele ainda não se tinha conseguido libertar no Millennium Estoril Open e estava a ser muito frustrante termos um torneio com o apoio do Millennium bcp, que também era patrocinador do João. Foram anos de algum sofrimento, porque havia sempre um grande entusiasmo à volta do João e da sua relação com o torneio, e por isso íamos pouco confiantes para 2018, até porque ele tinha um quadro dificílimo pela frente. Olhando para trás vemos que ele ganhou a jogadores que entretanto entraram no top 10, e até top 5 do ATP (Tsitsipas e Medvedev), salvou match points contra o Pedro Sousa que é muito forte em terra batida. Foi uma semana inacreditável, inesquecível, de uma enorme felicidade para todo o mundo do ténis, do desporto e para todos os portugueses. Acho que atravessou fronteiras: o João fez capa de jornais, dois desportivos deram mais relevância ao ténis do que ao futebol e para o torneio e para a modalidade foi extremamente importante. Os desportos precisam de heróis e em 2018 o João Sousa conseguiu mostrar que é um grande campeão, com muita raça, à frente do público e dos jovens portugueses.

Para o torneio foi fantástico. Para o Millennium bcp, para todas as marcas que estavam com o torneio… Os níveis de retorno nesse ano foram absolutamente explosivos. Ele abriu telejornais, abriu noticiários, foi uma das notícias mais relevantes do desporto nos últimos anos. Para nós que gostamos de ténis foi mesmo a mais relevante de todas e um momento de uma enorme satisfação. Acho que a organização também merecia este ‘prémio’ depois de tantos anos a investir, e tão bem, no torneio, na relação com o Millennium bcp e com o João Sousa. Foi um grande presente para o torneio, para a modalidade e também para ele, que merecia. O melhor jogador português de todos os tempos poder ganhar o maior torneio de ténis em Portugal é muito merecido e é algo que vou recordar para sempre.

– Do ponto de vista internacional, comparando com o ano seguinte, pode não ser a mesma coisa ganhar um João Sousa ou um Stefanos Tsitsipas, mas cá dentro o torneio explodiu como nunca. Sentiu-se isso?

Sem dúvida, sentiu-se muito. Em termos de retorno os números em Portugal explodiram em 2018, mas lá está, em termos de audiências internacionais não se pode comparar com um ano depois um jogador do top 10 ganhar o torneio.

Mas não houve um sponsor que não ficasse radiante com a vitória do João Sousa em 2018. Porque todos esses sponsors estão lá a ativar, todos levaram os seus melhores clientes para assistir ao torneio e depois à grande final. As experiências que puderam dar aos seus convidados foram únicas, foram históricas. Não há ninguém que me veja que não recorde essa final de 2018, os momentos em que lá esteve, foi algo que marca as pessoas para sempre. O Presidente da República veio antes do jogo, depois tinha um compromisso, mas esteve lá duas vezes nesse dia porque voltou para dar um abraço ao João no balneário. É inesquecível, o João Sousa a sair do chuveiro ainda todo molhado e o Presidente Marcelo a dar-lhe um abraço e a ficar também todo molhado. São memórias e histórias que ficarão para todo o sempre.

Obviamente que o João Sousa em termos internacionais não tem o mesmo impacto que o Stefanos Tsitsipas, mas em termos nacionais é difícil de repetir o impacto que teve aquela semana com a vitória de um jogador português. Acho que aí toda a gente vira patriota. Não há um português que não queira acompanhar. A TVI fez um trabalho excecional a promover todo este desempenho do João Sousa e pela primeira vez em muitos anos pessoas que nunca tinham falado comigo sobre ténis vieram dizer-me que tinham visto. Eu passo férias numa pequena vila piscatória no Algarve, que é o Alvor, e a vitória do João Sousa democratizou a modalidade. Do nadador salvador ao chefe do restaurante, o senhor das bolas de Berlim, toda a gente foi impactada por aquela vitória. Foi inacreditável. Naquele verão de 2018 senti que pela primeira vez o ténis tinha entrado na casa de pessoas que nunca tinham visto sequer uma bola ou um campo. E isso foi graças ao João Sousa e à sua vitória histórica que foi muito marcante para Portugal, o desporto e o ténis.

– Enquanto diretor do torneio como é que se gere de repente a situação de ter o Presidente da República a caminho de forma totalmente inesperada?

Deram-me poucos minutos para reagir a isso. O Chefe de Gabinete ligou-me a dizer que ele estava a caminho para dar um abraço ao João Sousa e eu só tive uns minutos para parar o que estava a fazer, recebê-lo à porta do evento e encaminhá-lo até ao balneário para fazer essa surpresa ao João Sousa.

Naquela altura o João estava a sair do banho, ainda sem realizar bem o que tinha acontecido, e de repente tinha o Presidente da República de fato e gravata ali à espera para lhe dar um abraço. Só entraram uma câmara oficial de televisão e um fotógrafo, porque obviamente este momento tinha de ficar registado, e foi um momento histórico e muito significativo.

– Fora do court essa deve ser a imagem mais marcante e mais vista daquela semana, mas lembra-se de alguma outra história que tenha acontecido, não muito conhecida?

Há um episódio muito giro, que para mim é muito marcante: todos os anos organizamos uma série de ações com os jogadores, o ATP Stars Program, para dar a conhecer tudo o que há de melhor no nosso país e promover a região, a gastronomia e outras coisas para além do ténis em Cascais.

Em 2015, o nosso primeiro ano, estava a preparar uma ação com surfistas na Praia do Guincho em que queria muito contar com a presença do primeiro cabeça de série, o Feliciano López, e o melhor português, o João Sousa, para uma ação de beach tennis e surf. Era numa segunda-feira de manhã e o João nesse ano pediu-me para não participar porque queria estar focado a 100% no torneio, então com muita pena minha recusou. Infelizmente esse primeiro ano não lhe correu tão bem e perdeu na primeira ronda contra o Rui Machado. Uns anos mais tarde volta a haver a hipótese de fazer uma ação relacionada com surf, desta vez com o “Kikas”, o melhor surfista português, e o Kyle Edmund, e aí eu volto a convidar o João Sousa. Era uma ação de mini-ténis nas obras da Universidade NOVA SBE, em Carcavelos, e depois uma sessão de surf na praia em frente. E a verdade é que no final dessa semana o João Sousa ganhou o torneio de singulares e o Kyle Edmund o de pares. Vale o que vale, mas é uma história divertida.

– Há muitos momentos especiais daquela semana. São imagens que o João visita regularmente, mesmo mentalmente lembra-se muito desses dias únicos?

De não caber em mim de contente com a vitoria do João Sousa e a sentir a vibração do público com a Katia Guerreiro a cantar o hino Nacional. E por isso é que eu este ano falei muito nisso. Um evento sem público para mim é muito triste. Quando dizem que é possível fazer o Millennium Estoril Open sem público, claro que é, mas imaginem o que era o João Sousa ganhar sem aquelas pessoas todas em euforia máxima. Perdia grande parte do impacto e da emoção que fazem o ténis ser um desporto tão apaixonante. Mas sem dúvida que me recordo, e ainda hoje em dia sempre que vejo o match point e aquelas imagens a emoção que sinto é inexplicável.

Aproveito para recordar mais um episódio curioso. Eu adoro gastronomia e lembro-me que o Miguel Ramos (agente do João Sousa e Frederico Silva e também representante da Polaris na 3Love) me pediu para encontrar um restaurante para o João Sousa celebrar a vitória dele no domingo à noite. O problema é que era o dia da mãe e por mais contactos que eu tivesse em todos os melhores restaurantes da região, estavam todos completamente cheios. E a entourage do João, com a família e equipa toda, eram cerca de 20 pessoas. Fiz vários telefonemas para os meus restaurantes preferidos em Cascais, mas estavam todos em overbooking. Houve um para o qual liguei em que a senhora (Dona Lurdes do Mar do Inferno) me disse que já tinha rejeitado cerca de 500 pessoas — e por aí fora. Não havia hipótese. Até que lá encontrámos um ótimo local para o João jantar no Estoril, no Piazza di Estoril, mas foi um desafio muito grande. Imagino que toda a gente quisesse receber o João Sousa como campeão histórico do Millennium Estoril Open, mas foi muito difícil. E acabou por ser uma festa inesquecível.

– Tal como o antigo Estoril/Portugal Open, o Millennium Estoril Open sempre foi um torneio ATP 250. Faz sentido e alguma vez houve vontade de o aumentar ou esta é a categoria que deve ter?

É uma excelente questão. Para podermos fazer o upgrade para um ATP 500 teríamos de comprar uma licença existente e o problema começa logo aí: nenhuma está à venda. E, se estivesse, teria um custo entre os 15 e os 20 milhões de euros. São logo dois problemas muito complicados de resolver. Muito dificilmente faria sentido do ponto de vista financeiro gastar tanto dinheiro na licença, porque o orçamento do Millennium Estoril Open são cerca de 3,7 – 4  milhões e o de um ATP 500 anda à volta dos 10 – 12 milhões. Não me parece que seja possível abordar o mercado português e dizer às marcas que afinal têm de pagar mais três ou quatro vezes o valor que pagam, acho que a economia não tem força para conseguir comportar um aumento tão grande em termos de patrocínio. Obviamente seria ótimo termos um ATP 500, mas um ATP 250 está muito enquadrado na realidade do ténis em Portugal e bem dimensionado para as infraestruturas que temos, até porque a ATP exige um mínimo de cerca de 7.000 pessoas no court central. O caderno de encargos aumenta consideravelmente, no fundo tudo aumenta, e do lado das receitas tenho muitas dúvidas de que assim fosse — a não ser que tivéssemos o Governo Português a dizer ‘queremos que isto aconteça e vamos suportar esse diferencial de valor’, como por exemplo se diz que vai acontecer com a Fórmula 1. Teria de ser uma decisão do Ministério da Economia, ou do Turismo de Portugal.

Como sabes, o Millennium Estoril Open é baseado na realidade da economia portuguesa e temos conseguido todos os anos o apoio do fundamental do Millennium bcp, de Cascais e de todos os outros importantíssimos patrocinadores — entre os quais Altice, Emirates, Peugeot, Placard, Rolex, CTT, Vanguard, Symington, Heineken entre tantos outros — para montarmos um projeto que tem saúde financeira e sustentabilidade, que é o mais importante. Fazemo-lo com muita dificuldade e muito esforço, porque são mais de 10 meses por ano atrás de patrocínios e a tentar chegar ao breakeven, porque os torneios ATP 250 são torneios com um grande risco financeiro para os promotores. Há muitos torneios ATP 250 que perdem dinheiro. Basta um sponsor importante saltar fora, ou estar em risco, e a saúde financeira do evento fica posta em causa. E por isso é que todos os anos falamos com muita humildade com os nossos sponsors e os tratamos o melhor que sabemos, porque queremos que eles continuem connosco por muitos anos. É preciso que tudo corra muito bem para o torneio chegar ao equilíbrio financeiro, desde os patrocinadores à venda de bilhetes e camarotes, aos direitos televisivos, tudo tem de funcionar. Mas há muito risco. Todos os anos começamos no negativo e depois são meses e meses a trabalhar para chegar ao positivo, mas nunca está garantido o sucesso do ano seguinte. E é isso que nos dá tanta motivação para trabalhar tanto para fazer com que o evento tenha sucesso todos os anos.

– E em sentido contrário, já houve alguma abordagem para tentar obter esta data? Sente que há muita gente a olhar e a desejar conseguir este bocadinho do calendário?

Há, mas eu acho que temos conseguido dar ao ATP e aos jogadores uma semana inacreditável no calendário. Somos considerados um torneio excecional e inclusive a ATP há dois anos decidiu fazer cá a sua reunião magna de sponsors, o Global Sponsors Meeting de 2018. Recebemos o Chairman da altura, o Chris Kermode, e o novo Chief Tour Officer, que é o Ross Hutchins. Temos conseguido mostrar a todos que esta é uma semana muito relevante para os jogadores, que a adoram jogar e que fazemos de tudo para manter esta semana no calendário. É um torneio de grande nível: temos bons courts de treino, um bom clima, boa hotelaria, restauração, um aeroporto com ligações a todo o mundo. Temos uma excecional e apaixonada equipa a trabalhar (que eu muito valorizo) e fazemos uma promoção ao ATP Tour, aos jogadores e aos sponsors que poucos torneios fazem, porque a nossa ligação com os media partners é única: aqueles meses e meses de campanha através da JCDecaux, com o apoio da Cofina, TVI, da RFM. Muito poucos torneios no mundo, para não dizer nenhum, têm uma campanha tão grande quanto a nossa. E aqui gostava de deixar uma nota especial à Filipa Caldeira, CEO da Fullsix, que ao longo destes 6 anos se ligou de forma tão empenhada a este projeto e que tantos prémios de excelência e eficácia alcançamos em conjunto. Temos conseguido trabalhar a comunicação do evento muito bem, tal como todo o trabalho que fazemos de social media ao longo do ano. E temos conseguido colocar o nosso torneio e o selo da ATP nas bocas do mundo. Julgo que não deve haver ninguém no nosso pais que não tenha ouvido falar do nosso torneio. Aquilo que posso dizer é que vamos continuar a trabalhar diariamente para que o nosso torneio seja cada vez mais relevante.

– Para terminar, visto que estamos a celebrar os 10 Anos Raquetc queria saber qual é o seu desejo para os próximos 10 anos do ténis português e também para o Millennium Estoril Open.

O meu desejo para os próximos anos é que surja uma nova vaga de jogadores para preencher as pegadas do João Sousa, Gastão Elias, João Domingues, Pedro Sousa, Rui Machado, Frederico Gil entre outros para dar continuidade ao que eles têm feito. Tenho acompanhado com muito agrado a evolução de jovens como o Frederico Silva, Nuno Borges, Duarte Vale e Pedro Araújo neste Circuito Sénior da FPT e vejo um bom potencial para o futuro. O que o João Sousa fez pelo ténis em Portugal nos últimos anos é muito importante e por vezes é injustamente criticado nas redes sociais quando perde ou tem uma fase menos boa, porque ele tem conseguido meter o ténis no mapa praticamente todos os dias ao longo dos últimos 10 anos. O nível de torneios que ele joga tem cobertura televisiva e isso é extremamente importante. Não podemos achar que é fácil manter-se tantos anos no top mundial e a jogar Masters 1000 e Grand Slams com entrada direta de forma consecutiva. E por isso um dos meus grandes desejos é esse, mas também que estes jogadores ainda continuem a dar cartas por muitos e bons anos. E para o Millennium Estoril Open o meu maior desejo é que voltemos à normalidade. A normalidade é tão boa. Quero voltar a ver aquele estádio cheio e o público a vibrar numa semana de alegria contagiante para toda a gente.

Temos conseguido proporcionar uma grande experiência não só a quem gosta de ténis, mas a quem gosta de desporto e vem ao evento. O Millennium Estoril Open também é um grande evento de contacto com a modalidade para o público mais jovem, graças às grandes iniciativas de entretenimento que temos no Fun Center através da associação à Federação Portuguesa de Ténis. E como tal estou muito confiante de que em 2021 o Millennium Estoril Open vai voltar cheio de força, com todas as pessoas desejosas de ver ténis ao mais alto nível e com saudades do evento ao vivo. Esperemos que esta tempestade que nos está a assolar a todos passe o mais rapidamente possível, seja por ganharmos imunidade global seja graças a uma vacina. E gostava de finalizar a dar-te os parabéns e ao Raquetc pelo trabalho excecional que têm feito. Acompanho o ténis diariamente muito por vossa causa, todos os dias sou impactado pelo vosso trabalho e quero dar-vos os parabéns pela vossa paixão e pela forma como promovem o desporto e a modalidade.

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