Pedro Sousa, o “filho do CIF” que atingiu o pico aos 30 e tem mais história à espera

Argentina Open

Domingo, 16 de fevereiro de 2020. Exatamente uma semana depois de ter perdido na última ronda do qualifying do Argentina Open, em Buenos Aires, Pedro Sousa tornou-se no terceiro tenista português a disputar a final de singulares de um torneio ATP. Foi o culminar de uma semana atípica, recheada de emoções e em que a persistência foi a chave e a história a palavra de honra para quem sempre lutou e desde cedo teve de superar muitos e difíceis obstáculos. Como voltou a ser evidente no dia mais importante da carreira.

Por outras palavras, aos 31 anos escreveu uma das páginas mais bonitas do ténis nacional e revolucionou o início de uma época que não estava a corresponder às expetativas e que agora tem tudo para ser memorável — afinal, o resto da história está à espera dele.

“Não vou dizer que foi o cumprir de um sonho porque para mim não era um sonho, eu sempre achei que o Pedro tinha nível. Mas não estava à espera porque ele estava a passar por uma fase menos boa, em que não estava a conseguir fazer bons resultados, e atingir a final de um torneio ATP é muito complicado”. A reação é do pai, Manuel de Sousa, sempre presente e tão importante na carreira do filho que durante muitos anos treinou e que, a 9.600km de distância, o viu chegar ao patamar que corresponde ao seu potencial.

Não é segredo para ninguém e o brilharete em Buenos Aires mostrou-o a quem ainda não o conhecia — a facilidade com que Pedro Sousa bate a bola e cria dificuldades a qualquer tipo de adversários cedo se tornou notória. “Quem o conhece sabe que quanto maior é a exigência melhor ele joga, ele vai atrás do difícil e motiva-se muito com os jogos grandes. Foi assim com o Juan Martin del Potro, no antigo Estoril Open, com o Jan-Lennard Struff, com o Philipp Kohlschreiber e o Gilles Simon já no Millennium Estoril Open… Lembro-me que em juniores uma vez em Roland Garros lhe saiu na segunda ronda o Donald Young, que na altura era uma estrela brutal, e ele foi lá e ganhou-lhe.”

Menos de 24 horas depois da final, o olhar à carreira de Pedro Sousa aconteceu onde tinha de acontecer: num dos bancos da escola de ténis que Manecas, como todos o tratam, montou no CIF (Club Internacional de Foot-Ball, em Lisboa) — o clube que por isso se tornou rapidamente numa segunda casa.

“Dois, três dias depois ter saído da maternidade a minha mulher já vinha para aqui com o Pedro no berço, portanto pode dizer-se que ele nasceu aqui. Toda a gente o conhece e treinou aqui praticamente a vida toda. Mesmo agora que está no CAR na maioria dos dias pega no carro e é para aqui que vem e ainda aqui treina muitas vezes”, recordou.

É um “filho do CIF”, portanto, e o filho que depois de todos estes anos está a colher os frutos de uma carreira construída com superação como nome do meio. “Sempre achei que o Pedro tinha potencial para já ter feito há bastante tempo o que está a fazer mas por várias razões isso não aconteceu e para mim claramente que houve muitas lesões que foram determinantes.”

“Dou o exemplo de três que significaram praticamente três anos parado: a primeira foi uma fratura de esforço na canela e que aconteceu quando o Pedro estava no fim do último ano como júnior. No final do ano fez uns resultados excelentes em Futures e quando teve esse azar parou todo o processo, que tem de recomeçar do zero e com a motivação toda em baixo. Depois no final de 2013, em Guayaquil, faz uma final com o Leonardo Mayer e perde um jogo muito equilibrado em que demonstra que está outra vez com nível mas lesiona-se no pulso em janeiro, a treinar, é operado, e fica oito meses parado. Depois percebe-se que tem de fazer uma segunda operação. Foi mais um ano e voltou ao zero. As pessoas que acompanham por fora não se apercebem mas situações como esta limitam bastante porque para além de atrasarem o processo no tempo todo em que um jogador está parado afetam muito a confiança e a parte emocional.”

Conhecedor do filho como ninguém, Manuel de Sousa não tem dúvidas de que “muitos jogadores tinham deitado a toalha ao chão, não há muitos que tenham passado pelo que ele passou e o Pedro, com aquele ar de displicente que as pessoas às vezes julgam ter, tem revelado uma perseverança e uma vontade enorme de atingir resultados. Isto para ele é um prémio mais do que justo, é o concretizar de objetivos que eu sei que ele tinha na cabeça e que acreditava serem possíveis. Estavam a ser muito difíceis de alcançar mas é merecido.”

Mas desculpas não fazem parte do ADN de Pedro Sousa, que continuou a contornar obstáculos e apoiado sobretudo em dois títulos em três finais Challenger no verão de 2019 garantiu os pontos necessários para se manter próximo dos 100 primeiros e definir esse como o primeiro objetivo do novo ano.

Agora? “Agora é preciso ser inteligente, como ele disse ontem depois da final”.

“Foi mesmo só por ser a final, porque ele nunca conseguiria desistir na primeira final ATP, não faz parte dele… Muitos jogadores no lugar dele, com uma lesão, davam o dia como perdido mas ele manteve uma boa postura e ainda conseguiu equilibrar a final. Teve cuidado com o torneio e a organização e isso notou-se no respeito que houve de parte a parte”, reconheceu Manuel de Sousa.

Como sempre, as alegrias são maiores do que os dissabores e o pai/treinador/promotor de eventos só lamenta “as críticas descabidas” que ouviu no último ano, depois da mudança de Pedro Sousa para o Centro de Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis.

“A Federação também achou interessante que o Pedro se juntasse ao projeto. Mas as entrevistas ridículas, as denúncias anónimas e os comentários de pessoas da Associação de Ténis de Lisboa, que sei que em Assembleia Geral questionaram o que é que um jogador de 31 anos está a fazer no Centro de Alto Rendimento (CAR), são guerras e posturas que não só não ajudam em nada o ténis como o prejudicam. E revelam uma de duas coisas: ou uma ignorância total ou uma má fé de todo o tamanho. Ignorância porque o que se passa no nosso CAR passa-se em quase todos os centros nacionais. Falo por experiência própria porque quando há uns anos montei a Academia Team Lagos estive cinco dias a viver no centro nacional de França, em Roland Garros, e quem lá estavam era os melhores jogadores franceses, independentemente da idade. É o que acontece em qualquer país — estão lá os melhores e só não estão os que treinam em academias privadas ou noutros lugares. Agora os que estão, estão independentemente da sua idade. E má fé porque acho que faz todo o sentido que o segundo melhor jogador português, um jogador top 100 e de Taça Davis, esteja no CAR se estiver disponível para isso. É um exemplo para os mais novos: o Pedro treina todos os dias com os mais novos, puxa por eles, pode aconselhá-los e encaminhá-los. Por isso só muita má fé ou ignorância é que resultam em declarações daquelas. Para além de que o Pedro não está lá por favores, paga a sua parte e nem tinha necessidade de o fazer porque tem aqui uma estrutura com tudo montado em que até treina cá o João Domingues, outro jogador com um nível muito bom.”

A três meses de celebrar o 32.º aniversário, Pedro Sousa tem muita história à sua espera — ou não fossem os trinta os novos vinte. Para já, e um ano depois de se tornar no sexto português a chegar ao top 100 ATP, juntou-se a João Sousa e Fred Gil na restrita lista de representantes nacionais com pelo menos uma participação em decisões de singulares no circuito principal. E partilha com Gastão Elias o segundo lugar entre os jogadores lusos mais titulados no circuito Challenger (têm ambos sete títulos, menos um do que Rui Machado). Em breve, pode atingir outro grande objetivo: o de participar nos Jogos Olímpicos.

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