Ao segundo dia das novas Davis Cup Finals, espanhóis e russos foram vítimas de uma das inovações do torneio: com o desejo obsessivo de reduzir o tempo de jogo ao acabar com os encontros à melhor de cinco sets, a Taça Davis chegou a um formato que inclui sessões de três encontros à melhor de três sets a começar não antes das 18 horas e contas complexas que dão aso a injustiças nunca antes vistas.
Por Gaspar Ribeiro Lança, em Madrid
Espanha e Rússia até entraram a horas no Centre Court: pontualmente às 18 horas locais de terça-feira. Mas entre o tempo dedicado à apresentação das equipas, aos hinos e ao aquecimento, o equilíbrio constante entre Roberto Bautista Agut e Andrey Rublev (que jogaram durante 2h48) e a longa e escusada demora entre o segundo encontro de singulares (30 minutos) já eram 21h26 quando Rafael Nadal e Karen Khachanov chegaram ao campo para dar início ao segundo encontro da sessão.
O duelo também foi equilibrado — sobretudo o primeiro set, que o russo esteve a um ponto de vencer no tie-break — mas acabou por se concluir em dois parciais, às tais 23h41.
A hora já não era ideal para terminar um confronto do “Campeonato do Mundo do Ténis”, como Gerard Piqué, a sua Kosmos e David Haggerty (reeleito Presidente da Federação Internacional de Ténis) lhe chamaram. Mas ainda faltava jogar-se um importantíssimo encontro de pares — em caso de vitória, a Rússia vencia o grupo e seguia automaticamente para os quartos de final, deixando a equipa da casa em maus lençóis. Como o triunfo sorriu aos espanhóis, ficou tudo em aberto mas com os anfitriões em vantagem.
E esse encontro terminou à 1h49 em vésperas de mais um dia de trabalho quer para muitos dos espetadores que esgotaram a sessão, quer para os jogadores — que habituados estão a regressar à ação no dia seguinte, claro, mas nestas condições se viram baralhados com as horas de sono e recuperação.
O assunto foi imediatamente referido por Rafael Nadal, que se mostrou descontente. “Vai ser impossível dormirmos antes das 3h ou 4h da madrugada por causa da adrenalina que acumulamos”, apontou.
E se mesmo começando a horas o embate entre Espanha e Rússia chegou a uma situação extrema, dificilmente vista no anterior formato da Taça Davis mas bastante mais provável sob as regras e planeamento das Davis Cup Finals, pior ainda pode estar reservado para esta quarta-feira: só às 19h33 de Madrid é que se concluiu o embate entre Argentina e Alemanha no Stadium 2, para onde está prevista a sessão entre Estados Unidos da América e Itália (hora de começo: “nunca antes das 18h”); e só 10 minutos depois é que o decisivo encontro de pares entre Grã-Bretanha e Holanda chegou ao fim no Stadium 3, o mesmo onde Bélgica e Austrália vão lutar (também com início previsto para “não antes das 18h”) pela vitória no grupo e consequente apuramento para os quartos de final — que terão de jogar 24 horas depois.
Mas os problemas das Davis Cup Finals não se ficam por aqui. Porque para além de colocar em risco a realização a horas de vários encontros — não chega sequer a ser plausível pensar num jogo do Campeonato do Mundo de futebol a começar à meia-noite; nem tão pouco imaginar o Barcelona de Gerard Piqué a jogar uma eliminatória da Champions League pela madrugada dentro para voltar no dia seguinte e enfrentar mais um jogo decisivo — o novo formato falhou com outra das suas promessas: a de “tornar o ténis num desporto para todos” ao torná-lo mais cativante para os que não estão por dentro das regras elementares.
Porque ao distribuir 18 equipas por seis grupos a Taça Davis adicionou fatores extra de confusão a um desporto por si só já bem complexo. Neste formato, cada equipa joga dois encontros na fase de grupos (cada um feito de dois singulares e um par à melhor de três sets) e o vencedor de cada grupo avança para os quartos de final, a que se juntam os dois melhores segundos classificados.
O resultado? Com o equilíbrio entre equipas são vários os grupos em que se verificam empates de 1-1 entre os países e é necessário recorrer à calculadora para fazer contas: em certos casos para determinar que país vence o grupo e segue automaticamente em frente (um cenário ainda relativamente simples, que já é utilizado no ATP Finals, por exemplo) e noutros para determinar dois melhores segundos classificados.
Para estes segundos cálculos é preciso estar a par de todos os resultados e contas de todas as equipas, porque o critério de desempate começa no número de encontros ganhos, estende-se aos sets e até aos jogos. E talvez não chegue…
Mais grave do que as confusas mas exequíveis contas são as portas que o novo formato abre a facilitismos. Vejamos a situação do Canadá: Os comandados de Frank Dancevic foram tão autoritários nos encontros de singulares que no primeiro dia derrotaram a Itália e no segundo os Estados Unidos da América para garantirem o primeiro lugar do Grupo F. Como a vitória frente ao país vizinho foi alcançada nos encontros de singulares (2-0), o encontro de pares deixou de ter influência para as aspirações canadianas e o país abdicou de ir a jogo.
A consequência? Segundo os regulamentos das Davis Cup Finals, os Estados Unidos da América venceram por 6-0 e 6-0 — sem entrarem em court somaram, portanto, uma muito relevante diferença de 2 sets e 12 jogos ganhos que pode significar uma vantagem considerável na “corrida” a um dos dois melhores segundos lugares.
A organização explicou que o Canadá só pôde abdicar do par porque “um médico independente confirmou que os três jogadores disponíveis estavam fisicamente impossibilitados de disputar o encontro”, mas o argumento não serve para resolver as dificuldades-extra que os restantes países vão ter para combaterem a diferença de sets e jogos ganhos pelos norte-americanos.
O caos a que a Taça Davis queria mas não conseguiu fugir pode ser facilmente evitado a curto-prazo, antes que se discutam questões de calendário (bem mais difíceis de pôr em prática): as 18 equipas podem passar a 20 e ser distribuídas em quatro grupos de cinco, com as duas primeiras classificadas a seguir em para os quartos de final; ou então reduzidas a 16 e distribuídas em quatro grupos de quatro conjuntos, com os primeiros classificados a seguirem para as meias-finais e a garantirem automaticamente a presença na fase final do ano seguinte.
E nesse caso os problemas de afluência do público e outras questões com menos influência no desenrolar da ação poderiam voltar a ser os pequenos-grandes assuntos de discussão do “Campeonato do Mundo do Ténis”.