A esquerda a uma mão, as subidas à rede, a classe, o talento. Há demasiadas parecenças entre Stefanos Tsitsipas e Roger Federer para um não ser visto como o natural sucessor do outro num desporto que anseia por um jovem capaz de vestir a capa de herói para quebrar a hegemonia de um quarteto (agora trio) com contornos lendários.
Por isso, em que mais pensar senão numa passagem de testemunho quando o aprendiz, de 20 anos, derrota o mestre, de 37, num encontro da quarta ronda de um torneio do Grand Slam jogado ao mais alto nível do início ao fim, tal como quando há dezoito anos um Roger Federer com a mesma idade que hoje o grego tem surpreendeu o então “alvo a abater” Pete Sampras na quarta ronda de Wimbledon para se apresentar verdadeiramente a estas andanças?
O suíço demoraria mais dois anos a conquistar o primeiro troféu em torneios do Grand Slam, mas utilizou essa vitória como rampa de lançamento para o estrelato e agora é Stefanos Tsitsipas quem o pode fazer. 6-7(11), 7-6(3), 7-5 e 7-6(5) foram os parciais do triunfo deste domingo, o melhor da ainda curta mas já tão brilhante carreira do jovem grego, que se torna no primeiro jogador do seu país — homem ou mulher — a chegar aos quartos de final de um ‘Major’.
“A distância entre os teus sonhos e a realidade chama-se ação”. Esta é uma das muitas frases inspiradoras que podem ser encontradas na conta do tenista grego no Twitter, onde dá a conhecer o seu lado mais filosófico. E este domingo foi dia de ação: frente a frente com o seu ídolo de infância pela primeira vez em encontros oficiais mas segunda no mês de janeiro — já tinham medido forças na Hopman Cup –, Stefanos Tsitsipas não se deixou intimidar pela ocasião e lutou pela vitória como se de um caso de vida ou de morte se tratasse.
Afinal, ele já chegou a estar às portas da morte — durante umas férias de verão em 2015 interpretou mal as condições marítimas e foi salvo pelo pai quando já estava a 50 metros da costa, quase a afogar-se — e por isso diz que não tem medo de nada. Poderia ser uma hipérbole, claro, mas como se viu pela prestação frente a Roger Federer está próximo da verdade.
Num hino ao ténis que se prolongou por 3h50 — e que até agora é sinónimo do melhor encontro do torneio –, Stefanos Tsitsipas foi melhor nos pequenos detalhes que no final fizeram a diferença.
Depois de perder um tie-break impróprio para cardíacos no primeiro parcial, o campeão do ATP NextGen Finals não baixou a guarda. Afinal, do outro lado do court estava o seu ídolo de infância, aquele que sempre quis defrontar e derrotar, e por isso foi à luta: venceu o segundo set no, imagine-se, tie-break para igualar a contenda e depois começou a ameaçar fazer algo mais.
Do outro lado do court, Roger Federer começou a dar sinais de descontentamento e a reduzir a intensidade do seu jogo, que por sua vez afetou a movimentação e a capacidade de criar dificuldades a um Stefanos Tsitsipas cada vez mais motivado. A direita, vista como a sua melhor pancada e considerada por muitos como a melhor da história, esteve muito longe do seu melhor nível e traiu-o em vários momentos decisivos — não conseguiu concretizar nenhum dos 12 (!) break points de que dispôs.
E assim, ao fim de 60 jogos, foi Stefanos Tsitsipas quem conseguiu chegar à primeira quebra de serviço na rivalidade entre ambos. Foi preciso esperar-se cinco sets (aos dois primeiros do duelo de hoje juntam-se os dois que disputaram na Hopman Cup, também decididos no “prolongamento”), mas o break chegou e foi para o lado do mais novo dos dois jogadores.
O grego precisaria de mais um parcial para conseguir a vitória (que foi assinada noutro tie-break), mas o 12.º jogo do terceiro set foi o momento decisivo. Ao quebrar o serviço a Federer, Tsitsipas redobrou a confiança e deu uma golpada forte naquela que parecia ser a única solução de um tenista suíço cada vez mais desgastado — começar a construir a recuperação logo no terceiro set.
Com este resultado, Stefanos Tsitsipas — que foi o primeiro jogador a ser confirmado na edição de 2019 do Millennium Estoril Open — marca encontro com o maratonista Roberto Bautista Agut nuns quartos de final inéditos para ambos. Já Roger Federer, ainda campeão em título, vai cair para o sexto lugar do ranking (pode até descer para sétimo) sete meses depois de ter estado na liderança da tabela. Prova de que os últimos meses não têm sido nada fáceis para o helvético, que em agosto vai celebrar o 38.º aniversário.