Fatma Al-Nabhani: A jogadora que inspira gerações e luta pela emancipação da mulher no Golfo Pérsico

Fatma-Al Nabhani
Fotografia: Brownbook Magazine

LISBOA – Durante os últimos nove dias reinou um agradável caos no Lisboa Racket Center: jogadoras de todo mundo reuniram-se no pitoresco recinto lisboeta determinadas a lutar pelo título de campeã do Lisboa Women Open, cujo troféu foi entregue este domingo. No meio do extenso desfile de atletas que se deslocou entre courts, ginásio e restaurante, salta à vista a inconfundível Fatma Al-Nabhani.

O observador comum notará certamente as diferenças ao nível da indumentária (debaixo do sol tórrido que se fez sentir, vestia leggings e uma camisola com mangas). Mas é ao conhecer a mulher por trás dos costumes e ao escutar a sua história que se percebe que estamos perante uma figura que transcende largamente o ténis. Mais que uma jogadora, Al-Nabhani é um verdadeiro ícone local e uma líder na luta pela emancipação das mulheres na sua região.

Dentro do court, a atleta do Omã exibe toda a sua raça e poderio, não hesitando em rugir as suas frustrações sempre que o jogo não lhe corre de feição. Por contraste, cá fora, conhecemos uma nova faceta: simpática e sorridente, Al-Nabhani olha as pessoas nos olhos e transmite uma calma e serenidade reconfortantes.

Foi precisamente neste estado de espirito que o Raquetc a encontrou no restaurante do recinto enquanto degustava uma típica sopa de legumes bem ao estilo português. “Vou ser super honesta: eu adoro os portugueses”, começou por revelar. “É o meu sítio preferido em toda a Europa. As pessoas são muito simpáticas e sempre que precisas de alguma coisa estão lá para ti tentando ajudar o máximo que conseguem. O Omã e Portugal partilham muitos valores nesse sentido e sempre que volto a casa falo ás pessoas de Portugal”, continuou.

Mais tarde voltaríamos a falar do nosso país e de uma portuguesa em particular. Por agora era tempo de ouvir a sua história. Os olhos reviram-se para cima ao mesmo tempo que ergue as sobrancelhas como que a recordar um passado longínquo. “A minha mãe costumava jogar ténis e tenho dois irmãos mais velhos que também jogam. Então basicamente cresci num court, a vê-los jogar enquanto a minha mãe os treinava. O melhor de tudo é que eles não me forçaram a jogar, simplesmente apaixonei-me pelo jogo”, contou.

Se Al-Nabhani é a personagem principal desta história, a sua mãe, Huda, surge como co-protagonista e figura indispensável. Ao falar sobre a sua mãe, abate-se uma profunda expressão de ternura na face da jogadora de 27 anos.

Fatma Al Nabhani e a mãe, Huda
Huda é presença assídua junta ao court sempre que a filha compete | Fotografia: Baba Tamim/Al Jazeera

“Ela dedicou tudo para que eu e os meus irmãos nos tornássemos profissionais. Fez tudo: tomou conta de nós, treinou-nos e pagou para continuarmos a treinar na Europa e nos Estados Unidos. Se não fosse o apoio dela nós não atingiríamos nem 10% daquilo que somos hoje”, vincou.

E engane-se quem pensa que esse apoio se ficou pelos primórdios da carreira. Ainda hoje, a tenista tem na sua mãe uma companhia assídua em todos os torneios que disputa, e este Lisboa Women Open não foi exceção. Sentada numa cadeira junto ao campo, Huda não hesita em aplaudir ou incentivar a sua filha sempre que se justifica. Mas como Al-Nabhani explica, nem tudo é um mar de rosas.

“A minha mãe anda sempre comigo mas comecei a ter treinadores aos 16 anos. Enquanto jogadora, há uma diferença entre ouvires um treinador e a tua mãe. Às vezes os teus pais dizem-te uma coisa e até podem estar certos, mas por dentro dizes ‘ahh está bem, faço isso mais tarde’. Se for alguém de fora a corrigir ouves imediatamente e nem argumentas. De qualquer forma claro que a oiço e tomo atenção”, salientou.

Como, aliás, nem podia ser de outra forma. A estrela do ténis omani assegura que “no Omã há um enorme respeito para com o pais” e “se levantarmos a voz ou se falarmos mal com eles é uma desonra”.

Al-Nabhani — atualmente na 435.ª posição da hierarquia mundial — sente-se uma privilegiada. Num país onde as probabilidades de se tornar jogadora profissional são ínfimas, ela foi capaz de fintar as chances com a preciosa ajuda da sua família. É uma sorte que se traduz também numa grande responsabilidade, que por sua vez se eleva ao patamar de missão de vida.

Fatma Al-Nabhani
Fatma Al-Nabhani distingue-se pela sua indumentaria (leggings e camisola de mangas).

Para além dos tradicionais desafios ao nível de instalações, o Omã e os restante países da região sofrem de um problema bem mais profundo: a cultura. Neste lado do globo dá-se como adquirida a igualdade de oportunidades de género no que toca ao desporto, mas a verdade é que ainda há países onde as mulheres se sentem desencorajadas a seguir por essa via.

“É isso que estamos a mudar lá neste preciso momento. Não só no ténis mas no desporto feminino em geral nos países do Golfo Pérsico. Sinto-me feliz por ser uma das razões pelas quais o desporto feminino na região está a crescer”, sublinhou.

A mulher que não teve qualquer role model durante o seu crescimento decidiu lutar e tornar-se uma pioneira figura de inspiração para as gerações vindouras. “Agora vejo-me como uma role model e é algo que me faz imensamente feliz. Quero ver mais mulheres a tornarem-se profissionais e recebo imensas mensagens de pessoas que se revêem no meu caminho, não só do Omã mas de toda essa região. Quero ajudá-las e isso faz-me mesmo muito feliz”, afirmou orgulhosamente.

É por isso que Al-Nabhani, ao contrário da esmagadora maioria das jogadoras, não compete apenas para vencer jogos ou torneios. Carrega em cima de si uma missão de importância imensurável: a de representar uma região e enviar uma mensagem de coragem a todas as mulheres desportistas.

Para terminar, Al-Nabhani não nos deixa sem referir uma menção especial a Francisca Jorge. Depois de jogar ao lado de Magali de Lattre (com quem venceu três títulos) e Inês Murta, chegou a vez de estrear uma parceria junto da jovem prodígio portuguesa, numa experiência que considera extremamente positiva (ver aqui).

“Estou contente por estar a jogar com a Francisca. Ela tem bastante talento e está a aprender imenso com este torneio. Está a ganhar experiência e o melhor de tudo é que não hesita em perguntar sempre que deseja melhorar algo. Estou orgulhosa das suas conquistas, daquilo que está a alcançar e estou certa de que será cada vez melhor”, concluiu.

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