Vasco Pascoal. De uma raquete a outra raquete, começou no ténis e agora é jogador de padel profissional. Tem quatro títulos de campeão nacional — o último dos quais conquistado este ano, um momento que recorda com emoção e uma enorme alegria — e faz parte de uma seleção que continua a quebrar barreiras e a estabelecer-se cada vez mais como uma das melhores do planeta. Aos 28 anos, ainda tem muito para dar e conquistar. Esta é a primeira parte de uma grande entrevista ao Raquetc.
ENTREVISTA
– Como é que tudo começou?
Eu jogava ténis e convidaram-me para experimentar o padel.
Eu comecei, eu jogava ténis como sabes e convidaram-me para experimentar o padel. Já havia uma seleção que foi ao mundial, no México, acho eu, e depois o Pitucas e o Roca começaram a montar alguns campos aqui em Lisboa. Começou-se a jogar, começou a ficar moda, convidaram-me e eu experimentei e gostei. Em vez de jogar uma vez por semana passei a duas, três, e depois, porque eu sou muito, muito competitivo — eu estou aqui em casa e se for preciso estou a fazer um jogo sozinho, tenho de competir em tudo — comecei a jogar torneios. Já não jogava ténis mas ainda dava aulas. Depois, como correu bem, passado um ano e tal fui campeão nacional pela primeira vez, tive uns convites para começar uns treinos e mudei-me a 100% para o padel.
– Quando é que essa mudança definitiva aconteceu?
Fui campeão nacional pela primeira vez em 2013, ano em que até fui pela Federação Portuguesa de Ténis e pela Federação Portuguesa de Padel (FPP), porque havia as duas. Portanto comecei um pouco antes. Na de ténis eu ganhei com o Miguel Oliveira e na de padel ganhei com o Diogo Rocha. Nessa altura ainda dava umas aulas de ténis mas pouco tempo depois passei logo para o padel.
Uma vez fui jogar com o Gastão Elias e ele realmente tem muito toque de bola mas a defender era uma desgraça, parecia um guarda-redes (risos)
– E quais é que foram os maiores desafios nessa altura, em que ainda estavas a começar?
Ahhh, os vidros (risos), as tabelas… Ou seja, para começares a jogar padel é bom que tenhas vindo do ténis, ajuda-te, o toque de bola, volley, mas depois para melhorares e dares o salto que precisas de dar tens de deixar o chip do ténis para trás, porque aí vai-te atrapalhar muito.
Lembro-me que uma vez que fui jogar com o Gastão [Elias], convidei-o para jogar comigo, e ele realmente tem muito toque de bola, smash, mas a defender era uma desgraça, ficava colado ao vidro a tentar defender, parecia um guarda-redes (risos). Porque é verdade, deixar a bola ir ao vidro para quem não está habituado… Essas foram as principais dificuldades.
De resto, foi como disse. Começámos a treinar mais vezes lá fora, o selecionador nacional, antes de ser argentino [Juan Manuel Rodriguez] era um espanhol [Álvaro Matador] que nos começava a mostrar algumas coisas e depois isso apanhámos rápido.
– E agora, quem é que é o Vasco Pascoal jogador de padel?
Agora, fui bem sucedido e sou tetracampeão nacional, estou nos 100 primeiros do mundo e estou a tentar ser cada vez melhor. Felizmente, o padel dá até mais tarde, temos muitos jogadores que estão perto dos 40 anos e são top 20, 10 do mundo, inclusive o número 1 do mundo tem 38 anos, por isso estou a tentar ser cada vez melhor. Como o padel está a ser muito falado e a crescer bastante em Portugal, os patrocinadores felizmente também começam a aparecer e o meu objetivo para o ano é mesmo dedicar-me a 100% a competir e afastar-me um bocado de dar aulas, ou seja, viver mesmo só a jogar. Vamos ver se isso é possível ou não, mas era isso que eu gostava de fazer.
– Estás com quantos anos?
28
Estamos anos luz atrás de Espanha mas já se começam a ver algumas apostas.
– O que é que significa ser jogador profissional de padel em Portugal?
É assim, nós em relação a Espanha estamos muito atrás. Até os argentinos, que são melhores do que os espanhóis, foram campeões do mundo e ganham quase sempre a Espanha, vão viver para Espanha. O circuito é lá e treinam lá também o ano inteiro.
Nós estamos anos luz atrás mas já se começam a ver algumas apostas: estão a começar a vir treinadores estrangeiros para cá, o nosso selecionador é argentino, eu já fui fazer uma pré-época com ele a Bilbao, eu, o Diogo [Rocha] e o Miguel [Oliveira] vamos algumas semanas treinar a Madrid e Barcelona porque estamos os três a apostar no circuito profissional e a Federação Portuguesa de Padel também está a fazer um excelente trabalho. Não só nos jovens, e fizemos agora um excelente resultado no mundial [quarto lugar], mas também para nós, profissionais, e a conseguir que melhoremos o nosso nível.
Se calhar ninguém diria que hoje temos 3 jogadores no top 100 mundial e a verdade é que estamos a conseguir e ainda temos uma margem de progressão grande e podemos fazer melhor. O padel está a desenvolver-se cada vez mais, não só a nível de clubes e praticantes mas também profissional, ao nível dos jogadores.
– Este ano ainda estás a dar aulas?
Este ano ainda estou a dar aulas, sim. No Nacional Padel, um clube da empresa Rackets Pro, que tem cinco clubes. É ali na Rua de São Bento, que desce do Rato até à Assembleia.
Tem de ser. O meu objetivo é para o ano tentar ser mais profissional para ter mais tempo, até porque às vezes há torneios numa semana e outros passado uma ou duas.
Quero tentar libertar-me um bocado das aulas para poder ficar lá a treinar, porque o que nós temos de menos bom em relação aos atletas espanhóis é que eles, como está toda a gente lá, em Madrid, Barcelona ou Valência, o que seja, eles jogam os torneios e depois quando perdem vão para casa mas têm mais 15 jogadores com quem podem treinar e que jogam com eles. E nós… Eu dou-me muito bem com o resto dos jogadores portugueses e os de Lisboa, principalmente no meu caso, mas nem eles para mim têm o nível que eu quero nem se calhar eu para eles, também.
E é esse o objetivo, tentar fazer mais semanas lá fora, mais a nível de treino até porque a nível de torneios eu já faço o circuito todo.
Há uma coisa muito boa que é: o circuito é todo em Espanha e depois há Portugal, Andorra, Suécia, Buenos Aires, Miami, já houve Monte Carlo e Dubai, mas em todos esses torneios que são fora as qualificações são em Madrid e só quem se apura é que tem as despesas todas pagas e vai. Isso é bom, não é como quando jogava ténis que para ganhar pontos tinha de ir para a Turquia três semanas e gastar 2.000 euros.
– Então, agora, por exemplo os que se apuram cá em Madrid para o Masters de Buenos Aires vão com as despesas pagas?
Exatamente, exatamente. Têm sempre tudo pago até ao dia a seguir a perderem.
– Isso em todos os torneios ou só nos Masters?
Em todos os torneios que são fora.
– Então vocês quando vão jogar a Espanha…
Eu joguei o Challenger na Suécia, em que fiz os oitavos de final do quadro, perdi na quinta e tive tudo pago até sexta, incluíndo alimentação, alojamento…
– É uma grande vantagem em relação ao ténis…
Sim, sem dúvida.
– Como é que explicas este enorme fenómeno que temos testemunhado aqui em Portugal? O padel cresceu, cresceu, cresceu, o número de participantes aumentou…
As pessoas diziam que era um bocado desporto da moda… Acaba por ser verdade mas espero que seja para ficar. Acho que a principal razão é ser muito viciante e fácil de jogar.
Uma pessoa de 50 anos que nunca tenha feito desporto na vida consegue jogar padel. Não consegue jogar muito bem, mas consegue, não é como no ténis
Uma pessoa de 50 anos que nunca tenha feito desporto na vida consegue jogar padel. Não consegue jogar muito bem mas consegue jogar padel, não é a mesma coisa que no ténis, em que uma que nunca tenha feito desporto vai para um campo de ténis e não corre nada bem.
Até porque no padel tens as tabelas, a bola passa por ti e dá sempre para apanhar, joga-se sempre dois contra dois e tem a parte social que também é muito boa. É muito viciante e no padel as pessoas vêem muito isso, que conseguem competir, jogar, e acho que é por isso que estão a aderir tanto. Se calhar é um desporto um bocado caro, também para uma classe social mais alta, mas vão ter de se baixar um bocado os preços agora porque com a oferta que há, parece que vês um clube de padel por rua e pronto, acho que… Não sei, vamos ver mas acho que os preços vão ter de baixar e isso vai fazer com que não seja um desporto de moda mas sim para ficar e que as pessoas encham os clubes e os torneios.
– Como é que um jogador como tu gere o calendário? Entre provas portuguesas e internacionais, há muita gestão a fazer? É fácil ou há dificuldades?
É muito difícil porque lá fora começamos a jogar os torneios ao domingo. É preciso termos bye para começar na segunda-feira. O Diogo, como está nas prévias, começa a jogar mais tarde, e por isso tem conseguido jogar alguns torneios em Portugal mas eu e o Miguel não temos conseguido jogar muitos. Para o ranking da federação contam 15 torneios (14 + o nacional) e eu tenho 12 e o Miguel acho que tem 9. Fui campeão Nacional, ganhei 10.000 pontos e mesmo assim estou a 5.º.
Acho que falta a Federação Portuguesa de Padel fazer o que faz a de ténis, em que vais ver o ranking nacional e aparecem primeiro os jogadores que têm ranking ATP e depois vêm os restantes. Acho que não faz sentido nem corresponde ao nível eu estar a 5, o Miguel a 7 e o Diogo até estava a 2, com o Diogo Schaefer a 1. Acho que isso aí ainda tem de se ver melhor, a situação do ranking.
Mas em relação à pergunta, eu só jogo os torneios 5.000 e 10.000 (Campeonato Nacional, Open Carlsberg e o Masters, também, agora no fim do ano). Tento jogar todos os 5.000 que consigo, até porque também têm prize money, e porque muitos patrocínios que temos são através de objetivos de ranking e vencer torneios. Gostava de jogar mais mas não é fácil e porque a minha aposta principal é n circuito internacional não dá para jogar os dois a full time.
– Sobre os patrocinadores: no padel, o que acontece cá é que o circuito nacional é muito mais importante do que, por exemplo, no ténis e vocês têm essa preocupação de alternar entre os torneios internacionais e nacionais:
Sim, por várias coisas: pelos prize moneys, pelos patrocinadores e porque temos um contrato assinado com a Federação/Team FPP, em que temos muitas regalias e que nos ajuda principalmente a nível financeiro nos torneios e somos obrigados a jogar uma percentagem de torneios.
– E achas que isso pode ser um trunfo para o padel, essa maior aposta nos torneios nacionais? É isso que ajuda o padel a crescer, haver uma maior presença dos nossos jogadores a nível nacional?
Acho que é importante jogarmos cá dentro para as pessoas verem. Se calhar não devia haver tantos torneios 5.000, porque este ano houve imensos, 20 e tal, e devia ser mais difícil para um clube trazer os bons jogadores para os seus clubes, mas acho que é importante. Até para o padel crescer e sabemos que a FPP nos dá muito e nós também temos de dar alguma coisa à FPP. E sabemos que as pessoas vão aos torneios porque gostam mas também vão muitos para nos ver. E se perdem no início do dia ou no dia anterior se vão lá no dia a seguir é para ver nível 1, é para ver os profissionais.
Não é um esforço que fazemos porque também gostamos de competir. E penso que é bastante importante, também para mostrarmos mais ou menos o nosso valor. No ténis, o João Sousa por exemplo faz muito bons resultados lá fora, chega cá, só joga um torneio por ano em Portugal e não consegue ter um resultado; e por isso é bom para nós jogarmos vários torneios cá em Portugal. Lá fora ganhamos muitos jogos mas não tanto quanto queríamos ou podíamos ganhar e também é bom estar cá e sentir a vitória e ganhar torneios.
– Foste recentemente campeão nacional ao lado do João Bastos. Podes falar-nos um pouco sobre aquela semana? Que importância é que teve para vocês, e para ti em especial, conseguir o título?
Foi muito bom, estava muito bem organizado. Eu pessoalmente estava com medo, porque gosto mais de jogar indoor do que outdoor, e depois estava um bocado… Não sabia como é que ia correr e foi como disseste, joguei com o João Bastos, que até aí jogava à esquerda. Não há que esconder, eu, o Diogo e o Miguel somos os três que estamos a jogar o circuito lá fora, somos os três melhores, com mais nível e nunca um Campeonato Nacional tinha sido ganho sem ser por dois de nós. Foi agora a primeira vez, com o Bastos a ganhar comigo.
Eu sabia que era muito, muito difícil. O Miguel e o Diogo nunca tinham perdido com uma dupla portuguesa em dois anos e nós a um mês do torneio perdemos com eles em três sets na final de Carcavelos e sentimos que era possível. O Bastos jogava à esquerda, pedi-lhe para jogar eu à esquerda e ele à direita e ele aceitou. Durante dois meses treinou sempre à direita.
Eu até fui a um mental coaching. Trabalhei muito psicologicamente porque na minha cabeça às vezes penso-me um bocado iferior
O nosso objetivo era o Campeonato Nacional e depois quando saiu o sorteio e éramos terceiros cabeças de série podíamos ir para cima ou para baixo. Fomos para cima, portanto íamos jogar com o Diogo e o Miguel na meia-final. Caiu-nos um bocado mal o sorteio mas trabalhámos muito nessa semana, eu até fui a um mental coaching, trabalhei muito psicologicamente porque na minha cabeça às vezes penso-me um bocado inferior às pessoas mas toda a gente me diz que não e dá-me força para, sei lá, dizer que sou do nível deles e melhor e que posso e para acreditar.
Trabalhei muito nisto, queria muito ganhar o Campeonato Nacional, que já tinha perdido o ano passado, e fizemos um jogo extraordinário contra o Diogo e o Miguel na meia-final e conseguimos ganhar. E depois na final, eu lembro-me como se fosse ontem. Tivemos muito pouco tempo para recuperar, só tive tempo de vir a casa passear o Boss [o cão de Vasco Pascoal] e voltar para ir jogar a final. Mas foi… Nem estava bem em mim. Os meus alunos e as pessoas diziam-me ‘Vais ser campeão nacional’ e eu dizia ‘sim, sim, vou’. Mas era mais, até era um exercício que o mental coaching me tinha pedido porque lá no fundo, no fundo eu não acreditava que era possível. Ou seja, era um sonho que depois acabei por concretizar e por viver.
Tive de me afastar para vir para casa passear o Boss sozinho, sair lá daquele ambiente e cair em mim. ‘Epá, ganhei ao Diogo e ao Miguel com o Bastos, que era uma coisa que se calhar há dois meses quando começámos a jogar achava que era impossível e agora não posso morrer na praia. Tenho uma hipótese excelente de ser campeão nacional e igualar os 4 títulos do Diogo, que é o objetivo máximo do ano.’ Apesar de eu apostar lá fora e querer ter resultados e o melhor ranking possível lá fora, para os patrocinadores o objetivo máximo é ser campeão nacional. Porque para eles eu ser 90 do mundo ou 70 acaba por não ter grandes alterações, agora ser campeão nacional ou perder na meia-final já é diferente.
Desse por onde desse tínhamos de ser campeões nacionais. E pronto… Quando acabei fartei-me de chorar
Fomos para a final um bocado nervosos. Estava um bocado de vento, que não nos permitiu jogar como queríamos mas foi a concentração total e sabíamos que tinha de ser nosso, desse por onde desse tínhamos de ser campeões nacionais. E pronto… Quando acabei fartei-me de chorar.
É um caso curioso, os meus pais vivem nos EUA e a minha mãe sofre muito com os meus jogos. Ela põe-se a ver no streaming e sofre imenso. Se me vê chateado, ela já me conhece e desliga logo o computador porque sofre imenso. E quando perdi em três sets em Carcavelos um mês antes, o meu pai enviou-me uma mensagem no WhatsApp a dizer “a tua mãe não sabe que te estou a mandar esta mensagem mas ela acabou de comentar comigo que adorava poder acreditar em Deus para poder fazer uma promessa e poder cumpri-la se tu conseguires ser campeão nacional contra o Diogo e o Miguel.”
E eu quando acabei o jogo só pensava nisso e só chorava, só chorava. Sou muito ‘menino da mamã’ e quando fui campeão nacional nem queria acreditar. Aliás, mandei-me para o chão e foi ‘já está, conseguimos. É o nosso objetivo principal e conseguimos.’ Principalmente com o Bastos, que é meu amigo de infância. Se houvesse uma odd de apostas nunca ninguém apostava em nós para sermos campeões nacionais e foi um bocado uma chapada de luva branca a dizer ‘estamos aqui’. Um bocado como Portugal no Campeonato da Europa de futebol.
CONTINUA…
A segunda parte da entrevista será publicada no sábado, dia 2 de dezembro.