London Calling, Episódio 4 | “Do Tejo ao Tamisa, via Ponte de Lima”, por Miguel Seabra (em Londres)

Miguel Seabra viajou até Londres para acompanhar mais uma edição do torneio dos mestres, este ano oficialmente designado Nitto ATP Finals, e  deixa-nos os seus pontos de vista em crónicas complementares à nossa cobertura do torneio. O título ‘London calling’ é alusivo ao tema dos Clash com o mesmo nome.

London Calling – Episódio 4

Por Miguel Seabra, em Londres

À partida para as meias-finais de uma cimeira de final de ano que não tem propriamente correspondido às expectativas (liderança do ranking previamente definida, ausências de peso, desistência de Rafael Nadal, menos público, três semifinalistas sem qualquer presença em finais de torneios do Grand Slam), vale a pena recordar que a prova agora apelidada Nitto ATP Masters passou por Lisboa na viragem do milénio. Com pompa, circunstância, milagres e carnaval.

Aliança luso-britânica 

Portugal e a Grã-Bretanha formam a mais antiga aliança entre países na história da humanidade. É aos portugueses que os ingleses devem o seu ritual nacional do ‘Chá das 5’, já que a especiaria fazia parte do dote de D. Catarina de Catarina aquando do seu casamento com Carlos II. E o torneio dos mestres que reúne a nata do circuito profissional masculino também transitou da beira-Tejo para as margens do Tamisa dez anos depois após Lisboa ter estreado a década a acolher a grande cimeira de final de ano, com a Masters Cup a esgotar a lotação do então designado Pavilhão Atlântico em 2000. Nesse ano, ninguém esperaria que Marat Safin fosse desalojado do topo e Gustavo Kuerten conseguiu-o graças a uma prestação algo miraculosa: tendo iniciado o torneio algo lesionado e com viagens de familiares a Fátima pelo meio, logrou emergir da fase de grupos para bater consecutivamente os “monstros sagrados” Pete Sampras nas meias-finais e Andre Agassi na final – arrebatando o título… e o primeiro lugar do ranking no último encontro dessa época!

Milagre português

Também a vitória da candidatura portuguesa à organização do cobiçado evento foi um milagre. E tudo começou como um mero exercício de estilo: João Lagos pretendia apenas ficar por dentro dos meandros do processo! A iniciativa parecia também condenada por Portugal, na altura, nunca ter tido qualquer jogador de destaque ou qualquer resultado de monta no plano internacional – mas foi valorizada pelo apoio institucional, pela qualidade do palco escolhido, pelo historial de sucesso do Estoril Open e pelo extenso currículo da João Lagos Sports.

A candidatura ‘virtual’ de Lisboa foi tão bem montada que, subitamente, ficou na linha da frente (juntamente com Barcelona, Valência, Las Vegas, Milão e Rio de Janeiro) entre as 44 cidades que anunciaram ao ATP a vontade de acolher a prova em 2000. E foi num célebre almoço no Estoril Open de 1999 com Miranda Calha, então Secretário de Estado dos Desportos, e Carneiro Jacinto, do ICEP, que João Lagos confessou estar a pensar abdicar face ao tremendo caderno de encargos monetários – a mensagem chegou a Pina Moura, Ministro da Economia e das Finanças, que imediatamente assegurou o apoio estatal.

O resto é história. Da Utopia (nome do Pavilhão Atlântico/MEO Arena na Expo 98) chegou-se à realidade: o evento foi um tremendo sucesso a todos os níveis – organizativo, desportivo, mediático – e estabeleceu um novo padrão de qualidade, como Andre Agassi não se cansou de repetir… mesmo tendo sido derrotado por Gustavo Kuerten numa mágica tarde de carnaval que ficou para a posteridade e que também (na sequência de um enorme apupo) começou a ditar o fim do governo de António Guterres…

A caminho do cinquentenário

A cimeira de final de ano começou a jogar-se em 1970, reunindo exclusivamente os melhores do ano no circuito profissional numa prova então designada de Masters – que conheceu um enorme ímpeto quando se começou a jogar no mítico Madison Square Garden de Nova Iorque e que, após a transição para a Europa, adoptou a denominação de ATP Tour World Championships em 1990 e Masters Cup em 2000. O nome oficial desde 2009 passou a ser Barclays ATP World Tour Finals até à mudança neste ano para Nitto ATP Finals. Não têm sido muitas as cidades europeias que acolheram a prestigiada prova desde a sua incepção: apenas Paris (1971), Barcelona (1972), Estocolmo (1975), Frankfurt (1990-95), Hannover (1996-99), Lisboa (2000) e Londres (2009-17).

E porque este texto revivalista se tornou longo, a justificação da alusão a Ponte de Lima no título fica adiada para a próxima crónica…

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