London Calling, Episódio 1 | “À melhor de três sets”, por Miguel Seabra (em Londres)

De regresso à zona de Greenwich e à O2 Arena para mais uma edição do torneio de elite que encerra a temporada regular do circuito profissional masculino, aqui ficam as minhas três primeiras impressões na sequência da jornada inaugural de domingo – que ditou uma tranquila vitória de Roger Federer sobre Jack Sock e uma excelente reviravolta de Sascha Zverev no terceiro set diante de Marin Cilic (ambos com 1m98, foi o duelo ‘mais alto’ de sempre na história da competição).

  1. Federer e a imprensa

Por mais conferências de imprensa de Roger Federer a que assista, e já assisti a muitas desde o ano 2000, continuo a ficar surpreendido pela maneira senatorial como se comporta nessas ocasiões de debate com os jornalistas. Depois de ter derrotado Jack Sock num duelo de parciais relativamente equilibrados (6-4, 7-6) mas no qual deixou sempre a ideia de ser superior, o suíço foi ele mesmo: para além de se exprimir eloquentemente em três línguas (inglês, francês e suíço-alemão), escutou todas as perguntas com atenção e respondeu a todas elas respeitosamente; mostrou grande fair-play relativamente ao fato de Rafael Nadal ter fechado na liderança um ano em que ele próprio também apresentou grande qualidade de resultados (sem esquecer as quatro vitórias consecutivas sobre o rival) e foi elogioso para com o rival/amigo, lidou com humor na alusão àquele virar de costas e ‘mostrar’ de rabo (sim, isso aconteceu!) de Jack Sock numa determinada jogada do encontro e impressionou pela lógica com que abordou os mais diversos assuntos levantados – como o da alegação de que Rafael Nadal achava justo que também houvesse edições do torneio de encerramento do ano em terra batida: recordou que também se poderia dizer o mesmo da relva, sendo que até não há sequer um Masters 1000 em relva, que é bom que também haja um torneio de elite no circuito em recinto coberto e que ter terra batida em recinto coberto é algo anti-natural (já agora: João Lagos conquistou o direito de organizar um Masters em terra batida em recinto coberto em São Paulo, no Brasil, em 2001… mas complicações políticas à brasileira e a falta de resolução do recinto ‘desviaram’ essa edição para Sydney). No fim, já depois da conferência de imprensa e quando ele me cumprimentou, perguntei-lhe algo que me vinha intrigando desde que comentei os seus encontros solidários com Andy Murray em Zurique (abril) e Glasgow (na passada semana) para o Eurosport: “Porque é que deixaste de usar relógio nos encontros de exibição quando antes usavas sempre?”; ele mostrou-se surpreendido e reagiu espontaneamente, respondendo “Não sei, nem pensei muito nisso… acho que depende do momento!”. Ora aí está finalmente uma coisa que o omnisciente Federer ‘não sabe’! Acrescente-se o fato de a ligação entre Roger e a  Rolex ser íntima e possivelmente para a vida, sendo extremamente profícua para ambas as partes e estendendo-se ao apoio de todas as iniciativas do suíço (beneficência, Laver Cup); já houve casos em que a exigente Rolex, hoje em dia um dos principais patrocinadores do ténis mundial, deixou de patrocinar jogadores que não mostraram o ‘espírito Rolex’ devido ao comportamento ou não colocarem o relógio no final dos encontros, mas mesmo que Federer contratualmente devesse jogar com relógio nos encontros de exibição, o seu estatuto é tal que ele já está para além disso…

  1. Nadal e o bónus

Nunca me há-de deixar de surpreender as voltas que os aficionados dão para tentar complicar o que é simples consoante as suas preferências e inventar controvérsia onde ela não existe. Isto na sequência da pseudo-polémica gerada nas redes sociais pelo fato de Rafael Nadal supostamente jogar no domingo e depois surgir escalonado para se estrear somente na segunda-feira, sendo logo acusado de condicionar a organização. E depois? É absolutamente normal que um jogador que não esteja nas melhores condições consulte os responsáveis do torneio no sentido de poder ter mais um dia de convalescença e também é absolutamente normal que os organizadores queiram preservar a participação das estrelas – e neste caso trata-se do número um (Rafael Nadal) do ranking dessa mesma organização (ATP World Tour). E porque hão-de ficar os adeptos de Roger Federer melindrados se a sua estreia no domingo significa que terá mais um precioso dia de descanso a meio do torneio do que qualquer tenista do outro grupo em caso de passagem às meias-finais? Há uns anos passei três dias em Maiorca para uma reportagem alargada sobre o maiorquino e abordámos a animosidade existente entre Federistas e Nadalianos; o consenso foi de que os fãs podem ser o melhor do ténis mas também o pior com a criação de polémicas e guerras desnecessárias: “E nós (ele e Federer) não fazemos absolutamente nada para que isso aconteça!”, apressou-se a dizer então o espanhol, que ontem foi ao court receber o troféu de número um mundial de 2017 após o encontro do seu grande rival e amigo. E quanto às conjeturas à volta da participação de Rafael Nadal nesta edição das Finais ATP (um torneio a que a imprensa sul-europeia e sul-americana se habituou a apelidar oficiosamente de Masters mesmo quando essa designação deixou de ser utilizada), há sempre a ter em conta um dado relevante: qualquer jogador de topo que jogue todos os nove torneios Masters 1000 e a cimeira de final de ano recebe um bónus substancial por parte do ATP World Tour. Rafael Nadal há muito que provou não se importar com o dinheiro quando a sua integridade física está em causa, mas não se pode levar a mal que tenha esse bónus em consideração e mesmo que espere até ao limite para aferir a sua condição física. Almocei este domingo com vários colegas espanhóis e eles afiançaram-me que o seu campeão continua com problemas nos joelhos que o condicionaram em Paris – só na sua estreia, num jogo ‘a doer’ com a inerente tensão suplementar da competição a sério, poderemos ver qual a extensão desses problemas…

  1. O recinto

Mas o que me surpreendeu mesmo negativamente foi o fato de as condições para a imprensa e para a família do ténis se terem deteriorado na O2 Arena. O recinto, originalmente conhecido por Millennium Dome aquando da sua construção, é enorme e inclui tanto cinemas como restaurantes e ainda um parque de diversão – mas estão a construir também um shopping center dentro da infraestrutura e a excelente sala de imprensa que nos habituámos a ter desde a primeira edição londrina (em 2009) foi ‘expropriada’ no ano passado e este ano voltamos a ficar num espaço mal amanhado de condições muito inferiores às que temos no Millennium Estoril Open. Isso no que diz respeito à imprensa. Porque o Sky Lounge onde o ATP World Tour recebia os seus convidados (patrocinadores, diretores de torneios, ex-campeões) também desapareceu após a Nitto e a JP Morgan terem pago alegadamente três milhões para ficar com esse privilegiado espaço para os seus próprios convidados. Ainda não sei bem como e onde a entidade que rege os destinos do circuito profissional masculino vai acolher a chamada ‘Tennis Family’ (um conceito lançado por João Lagos na saudosa Masters Cup de 2000 no Pavilhão Atlântico), mas vou descobrir. Parece-me inconcebível que não haja um espaço digno para quem é verdadeiramente VIP no mundo do ténis…

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